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diaconato liderança cristã
diaconato liderança cristã

 

   INSTITUIÇÃO DOS DIÁCONOS 

 

                                 DIREÇÃO, VOCAÇÃO E MINISTÉRIO

A interrupção brusca, efetuada no ca­pítulo 6, em relação com o que precedia, a apresentação de dois grupos na igreja em Jerusalém e a apresentação de uma distribuição diária a viúvas pode levar uma pessoa a suspeitar que o autor de Atos está seguindo outra fonte. Harnack (p. 196 e s.) atribui esta fonte a Antio­quia, pois era um grupo de cristãos ju­deus helenistas, segundo a tradição de Estêvão, que primeiro pregou aos gregos em Antioquia (11:20).

 

Depois da segunda perseguição levada a efeito pelos saduceus, a comunidade cristã se defrontou com outra ameaça interna, que foi quase tão perigosa quan­to o engano de Ananias e Safira. Desta vez, o mal iminente era a discriminação. Os judeus helenistas, membros da comu­nidade cristã, estavam murmurando por­que as suas viúvas estavam sendo esque­cidas na distribuição diária.

 

Para entender por que essas viúvas estavam sendo discriminadas, é essencial que conheçamos a situação que perdura­va entre os judeus palestinos e os hele­nistas. Os judeus que viviam na terra da Palestina olhavam com suspeita os seus compatriotas que viviam fora da terra. Havia diferença na linguagem. Um gran­de número dos judeus que viviam fora da Palestina adotara o grego como sua lín­gua, enquanto os que moravam na Pa­lestina falavam o aramaico. Muitos dos costumes, que observavam os judeus pa­lestinos, não eram considerados importantes pelos judeus helenistas. Visto que os judeus que viviam fora da terra se associavam livremente com os gentios, os seus irmãos da Palestina tinham profun­do ressentimento contra eles, porque suspeitavam que os helenistas haviam condescendido em seus princípios religiosos por desejo ao lucro financeiro.

 

Quando esses dois grupos de judeus se defrontaram na igreja, é evidente, me­diante o que aconteceu no capítulo 6, que os cristãos judeus palestinos não haviam sufocado os seus preconceitos. Recorreram à discriminação contra as viúvas dos helenistas, e uma crise resultou disso.

 

Os cristãos têm infligido quase tantas feridas à comunhão quanto os persegui­dores externos, abrigando em si precon­ceitos raciais, religiosos e de classe. Esse preconceito leva a discriminação, e a discriminação destrói a unidade dos crentes. Estas distinções não deviam ter entrado na Igreja, naquela época, e não devem entrar hoje.

 

De maneira demasiadamente apressa­da, cristãos de uma região depreciam a ortodoxia ou dedicação de cristãos de outra região. Um espírito faccioso nunca expressa a atitude de Cristo. O que pode ser dito de tensões em nível regional pode também ser aplicado à luta denominacional e às diferenças teológicas na igreja local. A gratidão pelo amor de Deus em Cristo devia motivar os cristãos a expres­sar amor para com outras pessoas, sem qualquer discriminação.

 

Os judeus tinham grande reputação por sua obra de beneficência em favor dos pobres e das viúvas. Quando os judeus se tornaram seguidores de Cristo, continuaram a prática a que estavam acostumados. Nas epístolas pastorais (I Tm 5:3-11,16), as viúvas se tornam um grupo reconhecido na igreja. Um prelúdio a este "ofício" de viúva pode ser descoberto em At 9:39.

 

Ninguém pode ser tão indefeso como uma viúva, e, sofrer discriminação de um grupo devido a preconceitos, torna a sua sina ainda pior. A fim de remediar a situação, os doze, convocaram a multi­dão dos discípulos. Esta é a primeira vez que Lucas se refere aos apóstolos como os doze, e a primeira menção de discípulos em Atos, para designar os seguidores de Jesus.

 

Os apóstolos não consideraram que lhes era apropriado desistir de sua missão de pregadores, para servir às mesas. Mesas pode ter dois significados. Podiam ser mesas de refeição que eram usadas para os repastos comunais dos cristãos, ou mesas que eram estabelecidas para distribuir dinheiro. Possivelmente, o úl­timo significado é o correto, aqui. Os apóstolos não achavam que deviam usar o seu tempo na administração de fundos para o serviço social. Consequentemente, aconselharam a congregação para esco­lher sete homens para tomarem conta daquela situação de emergência, e eles, por seu turno, os indicariam para a posição recém-criada. É bom que seja notado que o Codex Vaticanus dá a entender que os apóstolos fizeram a esco­lha, bem como a indicação.

 

As qualificações, apresentadas pelos apóstolos, para os homens a quem os discípulos deviam selecionar manifestam uma profundidade de ponderação da parte deles. Para cuidar do assunto me­lindroso de discriminação, os sete pre­cisavam ser homens de boa reputação. A confiança do povo neles precisava ser baseada na maneira como esses homens se haviam conduzido anteriormente. Os sete também deviam ser cheios do Espí­rito Santo e de sabedoria. O tipo de sabedoria necessária certamente não era especulativa ou abstrata. Eles precisavam possuir sabedoria prática, para tra­tar da discriminação de maneira dis­creta.

 

Os sete escolhidos pela congregação, todos eles, tinham nomes gregos; assim, presumimos que eles representavam a comunidade cristã judaica helenista. Uma forma de assegurar, às viúvas hele­nistas, o seu sustento diário era escolher representantes que estivessem do seu lado. Nenhuma outra informação é dada em o Novo Testamento a respeito do tra­balho desses homens, exceto no caso de Estêvão e Filipe. Tradição posterior dizia que Nicolau, judeu prosélito de Antioquia, tornou-se líder do grupo herético conhecido como "nicolaítas" em Ap 2:6,15. Havia também uma crença posterior, em certos círculos, de que Prócoro foi o autor dos Atos de João.

 

A congregação colocou os homens diante dos apóstolos, e, depois de orar, eles impuseram-lhes as mãos. Conside­rando-se o texto, não é claro quem rea­liza esse ato — a congregação ou os apóstolos. Provavelmente, o antecedente é os apóstolos, e não os discípulos. De qualquer forma, a imposição de mãos podia não ter o mesmo significado que possuía na ordenação rabínica. Nenhum charisma particular era transmitido por este ato, pois todos os sete já possuíam o Espírito Santo. O que esse ato podia ser era quase apenas um símbolo formal de uma nomeação para aquela posição ad­ministrativa na igreja.

 

Embora as opiniões dos líderes cristãos e estudiosos a respeito da origem do ofício de diácono variem, este autor não vê razão para crer que os sete se torna­ram um protótipo do ofício mencionado em Fp 1:1 e nas epístolas pastorais (I Tm 3:8,12). Aqueles que argu­mentam que este ofício começou com Es­têvão e os outros, fazem-noporque diakonos (diácono) é relacionado, no capí­tulo 6, de maneira apropriada, a diakonein trapezais (servir às mesas). Todavia, pelo mesmo uso de palavras, podemos argumentar que os apóstolos eram diáconos, pois desejavam continuar na diakonia (ministério) da palavra. É verdade que, tradicionalmente, desde o terceiro século até o presente, os sete têm sido associados com o ofício administrativo atual de diácono.

 

Quarto Relato Sumário (6:7)

 

Depois do problema de discriminação ter sido adequadamente resolvido, isto coloca um ponto final, pelo menos temporariamente, na luta interna que havia na Igreja. Possivelmente Lucas, neste quarto relato sumário, pretenda enfati­zar uma conexão causal entre o cresci­mento numérico dos que criam e a so­lução pacífica da disputa. Em nossos dias, as pessoas estranhas à fé ficam grandemente impressionadas quando veem um espírito de harmonia, em vez de espírito de discórdia na comunidade cris­tã. Frequentemente, essa espécie de tes­temunho dá validade à fé cristã, para os de fora, mais rapidamente do que o ensino ou a pregação.

 

Lucas nos diz que sacerdotes estavam entre as pessoas que ficaram suficiente­mente impressionadas, a ponto de entrar na igreja. Até aqui, não tinha havido, da parte desse grupo, outro interesse manifestado, a não ser as tentativas para restringir a atividade dos apóstolos. Se­riam eles sacerdotes da comunidade de Qumran? Seriamos sacerdotes de ordens inferiores, que realizavam o seu trabalho em intervalos, no Templo? Lucas não dá informações suficientes para que os identifiquemos.

 

Bibliografia T. C. Smith

 

 

Se Deus tem um propósito para a vida de seu povo, e se é possível descobrir esse propósito, então nada mais importante para nós do que discerni-lo e realizá-lo. Com efeito, o apóstolo Paulo indicou ser esta a expec­tativa divina. "Somos feitura dele [de Deus]", afirmou ele, "criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas." Ef 2.10. Por­tanto, se existem boas obras que Deus planejou e designou para nós — provavelmente antes de termos nascido — então nós precisamos descobrir quais são elas. Não é de admirar que Paulo tenha escrito mais adiante, na mesma carta: "Não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor". Ef 5.17.

 

Na carta de Paulo aos Colossenses, ele ora também para que Deus os faça "transbordar de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiri­tual", Cl 1.9,  e menciona como Epafras "se esforça sobremaneira, continuamente... nas orações" por eles, e que eles deveriam conservar-se "perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade de Deus". Cl 4.12.

 

Sempre que falamos em descobrir a vontade de Deus para as nossas vidas, é quase certo que três palavras vão apa­recer durante a conversa: "direção", "vocação" e "minis­tério". Cada uma delas tem um significado especial. "Di­reção" pressupõe que Deus quer nos dirigir; "vocação", que Deus nos chama; e "ministério", que ele quer que coloque­mos nossas vidas a seu serviço. Mas, ao mesmo tempo, o que há de comum nos três conceitos é que em cada um deles a iniciativa é de Deus e que cada um tem tanto um aspecto geral (que se aplica igualmente a todos nós) como um aspecto específico (que é diferente para cada um de nós). Isto se tornará mais claro à medida que prosseguirmos.

 

Direção

 

Às vezes nós dizemos, com um suspiro: "Ah, se eu tivesse dez vidas!" Existe um mito de que os gatos têm sete vidas; mas nós, humanos, só temos uma e não podemos duplicá-la nem fazer réplicas de nós mesmos. Daí a necessidade de descobrirmos a vontade de Deus para essa única vida que ele nos deu.

 

Mas antes de chegarmos ao ponto de descobrir a vontade de Deus é essencial que estabeleçamos uma distinção entre a sua vontade "universal" e a sua vontade "específica". A vontade universal de Deus é assim chamada porque é a sua vontade para todo o seu povo; ela é a mesma para todos nós, em todos os lugares e em todos os tempos. Mas a vontade específica de Deus é assim chamada porque é a sua vontade para pessoas específicas, em lugares especí­ficos e em tempos específicos. Sua vontade universal é que sejamos "conformes à imagem de seu Filho". Rm 8.29. A vontade de Deus para todos nós é que sejamos como Cristo; essa vontade não varia de discípulo para discípulo. Sua vontade específica, por sua vez, tem a ver com questões como a escolha de uma profissão ou de um companheiro para a nossa vida, ou como deveríamos gastar nossas energias, nosso tempo, dinheiro, feriados... Estas coisas diferem de uma pessoa para outra. Só depois de fazermos essa distin­ção essencial entre o "geral" e o "específico" é que esta­remos em condições de repetir a nossa primeira questão, que é como descobrir a vontade de Deus. Sua vontade "geral" ou "universal" está revelada na Escritura Sagrada. Não que esta contenha engenhosas soluções para os complexos problemas éticos do século XXI; mas ela contém princípios que podem ser aplicados a eles. Via de regra está curto dizer que a vontade de Deus para o povo de Deus encontra-se na Palavra de Deus.

 

A vontade específica de Deus, porém, não se encontra na Bíblia. Não posso negar que uma vez ou outra Deus parece ter guiado certas pessoas por intermédio de um versículo específico extraído de seu contexto. Mas devo acrescentar que ele o faz em virtude de nossa fraqueza. Afinal, a Bíblia não é uma antologia de textos desvin­culados, mas, sim, uma revelação histórica, cumulativa. Nós não temos o direito de ignorar o seu sentido original a fim de obrigá-la a falar a nós. Mas o que a Bíblia contém mesmo são princípios que são relevantes a questões es­pecíficas. O casamento, por exemplo. A Escritura nos dá diretrizes gerais e preestabelece algumas questões. Ela nos diz que o matrimonio é o propósito desejável de Deus para os seres humanos e que o celibato é uma exceção, não a regra; que um dos seus propósitos primordiais ao instituir o casamento foi o companheirismo - portanto, esta é uma importante qualidade a ser buscada em um esposo ou esposa; que o cristão só é livre para casar-se com um cristão; e que o casamento (sendo um compro­misso de amor, monogâmico e heterossexual, para a vida toda) é o único contexto ordenado por Deus para as relações sexuais. Estas diretrizes gerais são claramente estabelecidas na Bíblia. Mas a Bíblia não diz a ninguém se Deus vai chamá-lo para casar-se ou para permanecer solteiro, nem com quem deverá casar-se (se for esta a sua opção).

 

Mas como vamos descobrir a vontade específica de Deus, se ele não a revelar através da Escritura? Já que Deus é soberano e livre, eu acho que não nos cabe estereotipar a nossa resposta. No entanto, eu descobri cinco palavras que são guias seguros.

 

Primeiro, cederNós precisamos ceder, ou dar lugar ao propósito de Deus na nossa vida. Uma vontade que não se rende é o mais sério de todos os obstáculos para se descobrir a vontade de Deus. Se Deus não revela a sua verdade a quem não está disposto a acreditar nela, ele tampouco a revela a quem não está disposto a fazê-la. Pelo contrário, ele "guia os humildes na justiça, e ensina aos mansos o seu caminho". Sl 25.9.

 

Segundo, orarSimplesmente ceder, ou então entregar com desconfiança, não é suficiente. É preciso também esperar em oração e ser sustentado por ela. "Pedi, e dar-se-vos-á", Jesus ensinou. "Nada tendes, porque não pedis", acrescentou Tiago. Mt 7.7; Tg 4.2. Nosso Pai celeste não estraga os seus filhos. Ele não nos revela a sua vontade, a não ser que realmente queiramos conhecê-la e expressemos esse desejo em nossas orações.

 

Terceiro, falarEmbora um dos fortes do cristianismo protestante seja a insistência no nosso "direito ao juízo privado", isto não significa que devamos tomar todas as nossas decisões sozinhos. Pelo contrário, Deus nos con­cedeu uns aos outros em sua família. Portanto, devemos ser humildes o suficiente para falar uns com os outros, inclusive os nossos pais, e buscar o seu conselho, pois "com os que se aconselham se acha a sabedoria".Pv 13.10. Que as nossas decisões sejam tomadas em grupo, assumidas com respon­sabilidade na rica comunhão em que Deus nos colocou.

 

Quarto, pensarEmbora nós devamos ceder, orar e pedir conselho, nós sempre acabamos tendo de tomar decisões. Deus contrabalança as suas promessas de nos guiar com a sua proibição de que nos comportemos como cavalos e mulas, que não têm entendimento. Sl 32.8-9. Não vamos esperar que ele cumpra as suas promessas de nos guiar utilizando "freio e rédeas" (i.e. por meio da força) ou nos dando uma intuição irracional; ele nos guia por meio da mente que nos deu e que nos possibilita pesar cuidadosamente, em cada situação, os prós e os contras.

 

Quinto, esperarÉ um erro apressar-se e ficar impaciente com Deus. Ele levou cerca de dois mil anos para cumprir sua promessa a Abraão no nascimento de Cristo. Levou oitenta anos preparando Moisés para o trabalho de sua vida. São necessários uns vinte e cinco anos para um ser humano chegar à maturidade. Portanto, se nós temos que tomar uma decisão dentro de um certo prazo, devemos fazê-lo. Mas, caso contrário, e se o caminho à nossa frente ainda é incerto, o mais sábio é esperar. Penso que o que Deus disse a José e Maria ao enviá-los ao Egito com o menino Jesus serve também para nós: "Permanece lá até que eu te avise." Mt2.13. Em minha experiência, cometem-se muito mais erros por causa de precipitação do que de protelação.

 

Vocação

 

"Vocação" é uma das muitas palavras bíblicas cujo sentido tem mudado e se desvalorizado com o decorrer dos anos. No uso popular, ela tem a ver com nosso trabalho ou carreira. "Qual é a sua vocação?" é uma forma um tanto eloquente de perguntar a alguém qual é a sua profissão, e "treinamento vocacional" significa treinamento para um ramo específico. Na Bíblia, entretanto, "vocação" tem uma conotação muito mais ampla e mais nobre. Sua ênfase não é no aspecto humano (o que nós fazemos), mas sim no divino (o que Deus nos chamou a fazer). "Vocação" é uma palavra latina e significa "chamamento".

 

No Novo Testamento o verbo grego equivalente a "cha­mar" ocorre cerca de 150 vezes, e na maioria dos casos refere-se a Deus chamando seres humanos. No Antigo Testamento, Deus chamou Moisés, Samuel e os profetas; no Novo Testamento, Jesus chamou os doze apóstolos e depois Saulo de Tarso. Hoje, embora nós não sejamos nem profetas nem apóstolos, ele ainda nos chama para o seu serviço. É maravilhoso o fato de que Deus se importa tanto conosco que nos chama pessoal e individualmente. Portan­to, Deus é "aquele que vos chama", P. ex. Gl 5.8; 1Pe 1.15; e nós somos "aqueles que são chamados segundo o seu propósito". P. ex. Rm 8.28; Hb 9.15.

 

A questão que se nos depara é esta: de acordo com as Escrituras, para que é que Deus nos chama? Qual é a nossa vocação divina? Para responder esta questão acerca da "vocação", nós precisamos fazer uma distinção similar àquela que fizemos concernente à "direção", ou seja, entre o nosso chamado global ou "universal" e os nossos cha­mados "específicos". Nosso chamado global é o chamado de todo o povo de Deus e é, portanto, o mesmo. Nosso chamado específico é o de cada um de nós e é, portanto, diferente. Todos nós compartilhamos do mesmo chamado universal de Deus; cada um de nós recebeu de Deus um chamado específico diferente.

 

chamado universal de Deus para nós não é tanto para fazer alguma coisa (um trabalho), mas para seralguma coisa (uma pessoa). Embora ele nos chame para diferentes tarefas, como já veremos, primeiro ele nos chama para algo ainda mais significativo, isto é, para sermos discípulos de Jesus Cristo, para vivermos uma vida nova em sua nova sociedade e no mundo. Portanto, se alguém nos perguntar "Qual é a sua vocação?", nossa primeira resposta — aliás, a resposta certa — deveria ser: "Eu sou chamado para pertencer a Jesus Cristo". Rm 1.6. De fato, nós somos chamados a abraçar e desfrutar de todas as bênçãos que Deus nos reservou em Jesus Cristo: "... para isto mesmo fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança". 1Pe3.9. E que herança é essa? Ela tem muitas facetas.

 

Primeiro, nós somos chamados para ter comunhão com Jesus Cristo. Isto é básico. Seu convite ainda é "vinde a mim" e "segue-me". Afinal Deus nos chamou "à comu­nhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor". 1Co 1.9. Assim como Cristo chamou os doze apóstolos para estarem "com ele", Mc 3.14, assim também ele nos chamou para o conhecermos e gozarmos de comunhão com ele. A vida eterna é conhe­cer a Deus e o seu Cristo, Jo 17.3, e nada pode tomar o lugar desta relação fundamental com ele.

 

Segundo, nós somos chamados para a liberdade. "Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade", escreveu Paulo aos Gálatas. Gl 5.13. O tipo de liberdade a que o apóstolo alude aqui é a liberdade da condenação da lei através do perdão de Deus e do fato de termos sido aceitos através de Cristo. É a libertação da culpa e de uma consciência culpada, a libertação que nos dá acesso a Deus como filhos e filhas adotivos seus. No entanto, não é liberdade para pecar ou liberdade das responsabilidades sociais. Pelo contrário, Paulo continua: "Porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros (lite­ralmente, 'sede escravos uns dos outros'), em amor." E o paradoxo que já vimos, de que só servindo é que nos tor­namos livres.

 

Terceiro, nós somos chamados para a paz. "Seja a paz de Cristo o árbitro em vossos corações, à qual, também, fostes chamados em um só corpo." Cl 3.15. A referência a "um só corpo" ajuda-nos a compreender o que Paulo queria dizer com isso. Aqui ele não está se referindo à paz de espírito, coração ou consciência, mas à paz(shalom) resultante da reconciliação uns com os outros na comunidade do reino de Cristo. Nós somos chamados não somente para perten­cer a Cristo, mas também para fazer parte do povo de Cristo.

 

Em quarto lugar, nós somos chamados para a santida­de, 1Co 1.2, ou "chamados para ser santos". Rm 1.7. Já que o próprio Deus é santo, ele nos chama para que também sejamos santos. P. ex. 1 Pe 1.15; 1 Ts 4.7; 2 Tm 1.9. Para muita gente, infelizmente, "santidade" dá a falsa ideia de gente piedosa com uma aparência anêmica e um olhar distante, que parece ter-se desligado da vida. Mas a verdadeira santidade é uma semelhança com Cristo que é vivenciada no mundo real.

 

Em quinto lugar, nós somos chamados a testemunhar. "Vós, porém sois... povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz." 1 Pe2.9. Pedro está con­trastando aquilo que nós éramos antes com o que somos agora. Nós vivíamos nas trevas, mas agora estamos na luz. Nós não éramos povo, mas agora somos povo de Deus. Não tínhamos alcançado misericórdia, mas agora, sim. A de­dução lógica é que nós não podemos de maneira alguma guardar estas bênçãos para nós mesmos. Tendo sido cha­mados para a luz de Deus, nós somos inevitavelmente chamados para fazer brilhar a nossa luz.

 

Em sexto lugar, nós somos chamados para o sofrimento. "Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. Porquanto para isto mesmo fostes chamados." 1 Pe 2.20-21. Pedro escreveu essa carta quando a hostilidade de Nero para com os cristãos começou a crescer e agourentas nuvens de perseguição se acumulavam no horizonte. A qualquer momento poderia irromper a tempestade. E daí, como os cristãos deveriam reagir se sofressem injustamente? A resposta de Pedro é muito franca. Eles tinham sido cha­mados para seguir o exemplo de Cristo, da não-retaliação. Muita gente fica chocada ao saber que sofrimento injusto é uma parte inevitável do chamado cristão. Mas o próprio Jesus nos advertiu sobre isso. "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim... Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros." Jo 15.18,20.

 

Sétimo, nós somos chamados para glória. O chamado cristão é uma "vocação celestial". Hb 3.1; cf. Fp 3.14. "O Deus de toda graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar." 1 Pe 5.10. Sofrimento e glória estão constantemente ligados um ao outro no Novo Testa­mento. Foi por intermédio do sofrimento que Jesus entrou em sua glória, e conosco não há de ser diferente. Se nós participamos do sofrimento de Cristo, também participare­mos da sua glória. Rm 8.17. Portanto, o chamado de Deus não é apenas para esta vida; é também para passarmos a eterni­dade com ele no novo universo.

 

Eis aqui, pois, o chamado global de Deus, desdobrado em sete aspectos. Deus chama a todos nós para Cristo, para a liberdade, a paz, a santidade, o testemunho, o sofrimento e a glória. Mais simplesmente, é um chamado para per­tencermos a Cristo no tempo e na eternidade, para amar­mos uns aos outros na paz de sua nova comunidade e para servirmos, testificarmos e sofrermos no mundo. É este o sentido fundamental da "vocação cristã". É a mesma coisa para todos nós, e nós somos exortados a viver uma vida digna dessa vocação. Ef 4.1.

 

Se o nosso chamado universal (que é o mesmo para todos nós) é para sermos livres, santos e semelhantes a Cristo, nosso chamado específico (que é diferente para cada um de nós) tem a ver com os detalhes altamente individuais das nossas vidas. Vejamos o ensinamento de Paulo: "Cada um permaneça na vocação (literalmente, o 'chamado') em que foi chamado." 1 Co 7.20. Percebe-se imediatamente que o após­tolo usa a ideia de "chamado" em dois sentidos distintos. As palavras "em que fostes chamados" referem-se à con­versão da pessoa quando ouviu e obedeceu ao chamado universal de Deus. "A vocação" ("chamado") em que ele estava, por sua vez, é uma referência ao seu chamado es­pecífico quando da época da conversão. Essa situação, ou "vocação", é vista como algo para o qual Deus nos "chamou", algo que Deus "designou" para nós 1 Co 7.20,17. É o princípio geral que o apóstolo estabelece, repetindo-o três vezes, 1 Co 7.17,20,24, é que nós devemos "permanecer" nele. Ele dá três exemplos: nossa situação doméstica (casados ou solteiros), a situação cul­tural (judeus ou gentios) e a situação social (escravos ou livres). Para compreendermos o ensinamento de Paulo, nós precisamos entender o pano de fundo e o contexto. Parece que para os convertidos coríntios a vida em Cristo era uma novidade tão grande (ser "nova criatura") 2 Co 5.17 e emocionante, e tão radicalmente diferente do seu estado de não regene­rados, que eles pensaram que nada que fizesse parte da sua antiga vida poderia ser conservado; tudo tinha de ser re­pudiado.

 

O casamento, por exemplo. Agora, que eles pertenciam a Cristo (esta parece ser a sua dúvida), como poderia uma obrigação contratual que antecedeu a conversão continuar válida após a conversão? Não seria tal relação "impura"? 1 Co 7.14. Paulo responde que não. E por que não? Porque a provi­dência de Deus abrange tanto a sua vida anterior como a vida posterior à conversão. Seu matrimónio, embora con­traído antes de eles se tornarem cristãos, era parte do "chamado" em que se encontravam quando Deus os cha­mou. Portanto, eles não tinham nenhum direito de repudiá-lo. Transformá-lo pela graça de Deus, sim; rejeitá-lo, não.

 

Nós precisamos ter muito cuidado ao aplicarmos a nós mesmos este ensinamento. Paulo está formulando uma regra geral, não absoluta. Ele, por exemplo, tinha deixado de ser fariseu ao ser chamado para ser apóstolo de Cristo. Seme­lhantemente, os doze haviam desistido de pescar e recolher impostos quando foram chamados para ser apóstolos. E Paulo diz aqui que se um escravo tem alguma possibilidade de ganhar a sua liberdade, deveria fazê-lo. 1 Co 7.21. Nós também temos de estar abertos para a possibilidade de Deus nos estar chamando para fazer algo diferente. O que Paulo estava fazendo era reagindo a decisões impensadas e pre­cipitadas, a mudar só por mudar, e especialmente à ideia de que nada ocorrido antes da conversão e nada além da religião tem valor para Deus.

 

Agora vamos deixar a Escritura e voltar-nos para a história, ver o que ensinaram os reformadores e os puri­tanos. Os reformadores insistiram em que todo cristão, seja homem ou mulher, tem um "chamado" divino. Eles esta­vam reagindo ao ensino do catolicismo medieval, de que os bispos, padres, monges e freiras tinham um chamado superior, por ser "religioso". Isso os reformadores rejei­taram, por considerá-lo "clericalismo" (separação entre clero e leigos) e "dualismo" (separar atividades "sagra­das", como a oração, de atividades "seculares", como governar uma casa ou trabalhar para viver). Eles afirma­vam que Deus se interessa pelo todo da nossa vida, e que ser fazendeiro, artesão, magistrado ou dona de casa era um chamado tão divino quanto ser "padre" ou "pastor". Lutero insistiu muito nisso:

 

Aqueles que agora são chamados "espirituais", isto é, padres, bispos ou papas, não são, nem diferentes dos outros cristãos, nem superiores a eles; só que eles estão encarregados da palavra de Deus e dos sacramentos, que é o seu trabalho e ofício.

 

Mas "as costureiras, os sapateiros, os pedreiros e car­pinteiros, os cozinheiros, hoteleiros, fazendeiros e todos os trabalhadores seculares" também foram "consagrados" como sacerdotes, cada um para "o trabalho e o ofício que lhe cabe".

 

Além disso, todos devem se beneficiar e servir aos outros através do seu próprio trabalho ou profissão, de maneira que muitos tipos de trabalho possam ser feitos para o bem-estar corporal e espiritual da comunidade, assim como todos os membros do corpo servem uns aos outros (1 Co 12.14-26). Lutero, Weimarer Augsgabe (1883—), vol. 44, pp. 130—131.

 

E, mais adiante: "servir a Deus não se restringe a um ou dois trabalhos, nem se resume a um ou dois chamados, mas está presente em todos os trabalhos e todos os cha­mados". Lutero, W. A., vol. 52, p. 124 "Mas o que eu quero fazer é estabelecer uma distinção entre os chamados e as profissões, a fim de que todo mundo possa ver para que Deus o chamou e cumprir com fidelidade e sinceridade os deveres de seu ofício no serviço de Deus."Lutero, W. A., vol. 46, p. 166

 

O que Calvino ensinou foi muito semelhante:

 

O Senhor ordena a cada um de nós, em todos os afazeres da vida, que zele pelo seu chamado... Portanto, para que a nossa estupidez e precipitação não acabe virando tudo de cabeça para baixo, ele designou deveres para todo homem, cada um em sua maneira particular de viver. E para que ninguém venha a transgredir impensadamen­te os seus limites, ele deu a esses vários tipos de vida o nome de "chamados". Portanto, cada indivíduo tem sua própria forma de viver designada pelo Senhor, como uma espécie de posto de sentinela, a fim de que ele não fique vagando sem rumo pela vida... E vem daí também uma singular consolação: desde que, em nosso trabalho, estejamos obedecendo ao nosso chamado, nenhuma tarefa é vil ou desprezível, e não há trabalho que não vá brilhar e ser considerado deveras precioso aos olhos de Deus. Calvino, Instituías, III.x.6.

 

Os puritanos desenvolveram ainda mais este tema. Por exemplo, William Perkins, que exerceu um influente mi­nistério em Cambridge, escreveu o Tratado das Vocações ou Chamados dos Homens, publicado em 1603. Eis aqui uma amostra de sua tese:

 

O que um pastor de ovelhas faz ao cuidar de seu rebanho... é um trabalho tão bom diante de Deus quanto a ação de um juiz ao pronunciar uma sentença, ou de um magistrado ao fazer um decreto, ou de ministro ao pregar. Assim, pois, vemos que existe uma boa razão para procurarmos descobrir como todo homem pode desen­volver da maneira correta o seu chamado específico. William Perkins, A Treatise of the Vocations or Callings of Men, em The Workof William Perkins, The Courtenay Library of Reformation Classics, ed. Ian Breward (Sutton Courtenay Press, 1970), p. 458

 

Um século mais tarde, e no outro lado do Atlântico, Cotton Mather, o puritano de Harvard, escreveu O Cristão e Seu Chamado (A Christian at his Calling, 1701). Segundo ele, todo cristão tem dois chamados — "um chamado universal" ("servir ao Senhor Jesus Cristo...") e "um chamado pessoal"("um trabalho específico mediante o qual se distingue a sua utilidade em comunidade"). Cotton Mather, A Christian at his Calling (1701), p. 37

 

Além do mais, os dois chamados deveriam manter-se em equilíbrio, pois "um cristão em seus dois chamados é um homem em uma canoa remando para o céu... Se ele só se preocupar com um dos seus chamados, qualquer que seja ele, estará puxando o remo em um dos lados da canoa e acabará ficando à margem da bem-aventurança eterna." Ibid., pp. 37-38. É muito fácil criticar este tipo de ensinamento. Os reformadores e os puritanos eram pessoas do seu tempo e sua cultura, tanto quanto nós. Eles tinham uma visão estática e medieval da sociedade. Em sua reação contra as implicâncias revolucionárias de certos ensinos anabatistas, eles tendiam a resistir demais a mudanças. Às vezes a posição deles nos lembra a embaraçosa estrofe do conhecido hino: "AllThings Bright and Beautiful".

 

O rico em seu castelo,

O pobre em seu portão,

Deus fê-los nobre ou humilde,

Cada um em sua condição.

 

Nós certamente não deveríamos usar o que a Bíblia ensina acerca dos "chamados" para fazer resistência a mudanças sociais.

 

Paulo no primeiro século, os reformadores no século XVI e os puritanos no século XVII, todos parecem muito dis­tantes de nós. Mas, então, qual é o princípio em que devemos nos firmar hoje e que foi ensinado por Paulo e resgatado pelos reformadores e os puritanos? Acho que é o seguinte. Toda a nossa vida, tanto anterior à conversão como fora da religião, pertence a Deus e faz parte do seu chamado. Nós não devemos pensar que Deus só passou a se interessar por nós depois que nos convertemos, ou que agora ele só está interessado no cantinho religioso das nossas vidas.

 

Consideremos a nossa vida antes da conversão. Qual era o nosso chamado, a vida que vivíamos quando Deus nos chamou? Se na ocasião da nossa conversão nós estávamos tomando conta de parentes idosos, não deveríamos abandoná-los agora. Se éramos estudantes, não temos o direito de abdicar de nossos estudos e abandonar o colégio ou a universidade. Se havíamos feito um acordo com al­guém, não temos o direito de rompê-lo. Se, quando Deus nos chamou, nós éramos músicos, artistas, atletas ou intelectuais, não devemos agora repudiar essas boas coisas que o bom Criador nos deu. Afinal, elas não eram aspectos acidentais da nossa vida. Elas eram parte integrante da providência de Deus, para a qual ele nos havia chamado e que ele havia designado para nós. A soberania de Deus abrange as duas partes da nossa vida. Ele não começou a agir em nós e através de nós a partir da nossa conversão, mas em nosso nascimento e mesmo antes de nascermos, em nossa herança genética, da mesma forma que mais tarde passaria a atuar em nosso temperamento, personalidade, educação e habilidades. E o que Deus fez de nós e nos deu antes de nos tornarmos cristãos, ele redime, santifica e transforma depois disso. Existe uma continuidade vital entre a nossa vida antes e depois de convertidos. Afinal de contas, embora sejamos hoje uma nova pessoa em Cristo, nós ainda somos a mesma pessoa que éramos por criação e que se fez nova em Cristo.

 

Agora vejamos a nossa vida fora da religião. O Deus que muitos de nós adoramos é religioso demais. Aparentemen­te, nós achamos que ele só se interessa por livros, edifícios e cerimónias religiosas. Mas não é bem assim. Ele se preocupa conosco, nosso lar, nossa família e amigos, nosso trabalho e lazer, nossa cidadania e comunidade. Assim a soberania de Deus estende-se a ambos os lados e a todas as áreas da nossa vida. Nós não devemos marginalizar Deus, ou tentar espremê-lo para fora da nossa vida não religiosa. Lembremos que a nossa vocação (i.e. o chamado de Deus) inclui todas estas coisas. É nelas que vamos servir e glorificar a Deus.

 

Ministério

 

Se queremos saber para onde Deus vai nos levar (direção) e para que ele vai nos chamar (vocação), podemos ter certeza de que isto tem relação com a melhor maneira em que podemos servi-lo (ministério). Além do mais, tal como vimos com as palavras "direção" e "vocação", também ao considerar a palavra "ministério" é preciso fazer uma distinção entre o seu significado mais amplo e o outro, mais limitado, entre a sua aplicação num sentido geral e o mais específico. Eis aqui três afirmações acerca do ministério.

 

Primeiro, todos os cristãos, sem exceção, são chamados a ministrar — ou melhor, para gastar suas vidas em minis­tério. Ministério não é um privilégio de uma pequena elite, mas de todos os discípulos de Jesus. Você com certeza notou que eu não disse que todos os cristãos são chamados para o ministério, mas para ministrar —diakonia, serviço. Nós fazemos um grande desserviço à causa cristã sempre que nos referimos ao pastorado como "o ministério". Ao usar­mos o artigo definido, damos a impressão de que o pastorado é o único ministério que existe, tal como os clérigos me­dievais, que consideravam o sacerdócio como a única (ou, pelo menos, o mais "espiritual") vocação que existe. Eu abandonei esta visão e, portanto, esta linguagem, há cerca de vinte e cinco anos, e agora convido os meus leitores, caso necessário, a juntarem-se a mim nesta penitência. Hoje, sempre que alguém diz em minha presença que "Fulano de Tal vai seguir o ministério", eu sempre pergunto com a maior inocência: "E mesmo? A qual ministério você está se referindo?" E quando meu interlocutor replica: "O mi­nistério pastoral", eu reclamo gentilmente: "Então por que você não disse logo?!" O fato é que a palavra "ministério" é um termo genérico; enquanto não lhe acrescentarmos um adjetivo, ela não terá especificidade.

 

Voltemos à minha primeira proposição, de que todos os cristãos, sem exceção, são chamados a ministrar. Como é que eu posso fazer uma declaração tão dogmática? Por causa de Jesus Cristo. Seu senhorio sobre nós tem uma dimensão vocacional. Já que ele é "o servo" por excelência, aquele que se doou sem reservas para o serviço de Deus e dos seres humanos, seria impos­sível ser seu discípulo sem procurar seguir seu exemplo de serviço. Ele pregou o reino, curou os doentes, alimentou os famintos, foi amigo dos que não tinham amigos, defendeu os oprimidos, confortou os enlutados, procurou os perdidos e lavou os pés dos apóstolos. Nenhuma tarefa era pesada demais e nenhum ministério desprezível demais para ele. Ele viveu sua vida e morreu sua morte em serviço inten­samente abnegado. E nós, não vamos imitá-lo? O mundo mede a grandeza pelo sucesso; Jesus a mede pelo serviço.

 

Em segundo lugar, existe uma ampla variedade de mi­nistérios cristãos. É por isso que "ministério" significa "serviço", e há muitas e diferentes maneiras pelas quais nós podemos servir a Deus e às pessoas. Atos 6.1-4 provê uma sólida base bíblica para esta convicção. Uma dissensão étnica e cultural estava dividindo a igreja de Jerusalém. Os "judeus gregos" reclamavam contra os "judeus hebreus", dizendo que suas viúvas estavam sendo discriminadas na distribuição diária da comida. E aí os apóstolos acabaram se envolvendo nessa briga; ela estava ocupando uma grande parte do seu tempo e ameaçava desviá-los do seu papel de pregar e ensinar, o qual lhes havia sido designado por Jesus. Assim eles, sabiamente, convocaram uma reunião da igreja e disseram: "Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir [diakonein] às mesas." Então eles pediram à igreja que escolhesse sete homens para essa responsabilidade, enquanto que, acrescentaram os apósto­los, "quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério [diakonia] da palavra".

 

É essencial notar que, tanto para distribuir a comida como para ensinar a palavra, o termo usado aqui é "mi­nistério" (diakonia). Na verdade, ambos eram ministérios cristãos, podendo ser ministério cristão de tempo integral, e ambos requeriam, para desempenhá-los, pessoas cheias do Espírito Santo. A única diferença é que uma atividade era ministério pastoral, e a outra, social. Não ocorre que uma fosse ministério e a outra, não; nem que uma fosse espiritual e a outra, secular; nem que uma fosse superior e a outra, inferior. Ocorria simplesmente que Cristo havia chamado os doze para o ministério da palavra e os sete pura o ministério das mesas.

 

Eu mesmo, na qualidade de jovem cristão, cresci pensando nas diferentes vocações ou ministérios como se constituíssem uma hierarquia ou pirâmide. Lá em cima, empoleirado no topo da pirâmide, estava o missionário transcultural. Ele era o nosso herói, e ela, a nossa heroína. Ensinaram-me que se eu amasse a Cristo de verdade eu acabaria juntando-me às suas fileiras além-mar. Caso eu não fosse tão apaixonado assim, ficaria em casa e viraria pastor. E se a minha aspiração nem chegasse a tanto, eu provavelmente seria um doutor ou professor, enquanto que, se decidisse entrar no mundo dos negócios, política ou comunicações, eu não estaria muito longe de me perder! Por favor, ninguém me leve a mal. Ser pastor ou missio­nário é um privilégio maravilhoso, se Deus nos chama para isso. Mas é igualmente maravilhoso ser um advogado, industrial, político, gerente ou assistente social, ser um filmador, um jornalista ou uma dona de casa cristã, se Deus nos chama para isso. Conforme Romanos 13.4, um oficial de estado (seja ele um legislador, magistrado ou policial) é tão "ministro de Deus" (diakonos theou) quanto um pastor. O que precisamos rejeitar é a hierarquia; é a pirâmide que temos de demolir.

 

Obviamente, ainda existe uma premente necessidade de missionários autênticos, homens e mulheres que se carac­terizem sobretudo pela humildade — por exemplo, a humil­dade de abdicar do imperialismo cultural e identificar-se com outra cultura, a humildade de trabalhar sob a lide­rança de uma igreja nacional, a humildade de servir às necessidades que o próprio povo sente (sejam elas sociais ou evangelísticas) e a humildade de confiar no Espírito Santo como o seu principal comunicador. Ver O Evangelho e a Cultura (ABU e Visão Mundial, 1983) especialmente ocapítulo 6: "Procura-se: Mensageiros Humildes do Evangelho!". A evangelização continua no topo da agenda da igreja. Há também uma grande necessidade de pastores para ensinar a Palavra de Deus.

 

Ao mesmo tempo, é gritante a necessidade de cristãos, tanto homens como mulheres, que vejam o seu trabalho diário como seu ministério cristão prioritário e que estejam decididos a impregnar o seu contexto secular a fim de ganhá-lo para Cristo.

 

Precisamos de cristãos envolvidos em negócios e na indústria, que priorizem o "serviço ao público" como o alvo principal de sua declaração "missionária", que sejam ousados em fazer experiências nas áreas de relações de trabalho, participação dos trabalhadores e divisão de lucros, e que admitam a sua responsabilidade de, juntamente com a auditoria fiscal, realizar também uma "auditoria social" na sua empresa.

 

Precisamos de políticos cristãos que identifiquem as grandes injustiças de sua sociedade, recusando-se a ser coniventes com elas, e que tenham como objetivo assegurar mudanças legislativas seguras, por mais tempo que isso lhes custe.

 

Precisamos de economistas cristãos que encontrem uma maneira de controlar a inflação e ao mesmo tempo reduzir o desemprego.

 

Precisam-se cineastas cristãos que produzam, não ape­nas filmes explicitamente cristãos ou evangelísticos, mas também filmes saudáveis que, indiretamente, transmitam valores cristãos individuais e familiares, honrando e glo­rificando, assim, o nome de Cristo.

 

Precisamos de mais médicos cristãos que, em cooperação com teólogos da moralidade, encarem os desafios da ética médica e desenvolvam formas de conservar a visão da pessoa humana e da família humana que é característica única do cristianismo.

 

Precisam-se professores cristãos dedicados que, tanto nas escolas cristãs como nas seculares, considerem como privilégio servir aos seus alunos, ajudando-os a desenvol­verem plenamente o potencial que Deus lhes deu.

 

E precisamos de mais assistentes sociais cristãos que, em sua preocupação com os deficientes da mente e do corpo, crianças vítimas de abuso, drogados, vítimas da AIDS e outros, combinem os mais recentes tratamentos médicos e o cuidado social com o amor cristão, a oração de fé e o apoio da igreja.

 

Em terceiro lugar, o ministério específico para o qual Cristo nos chama é provavelmente determinado pelos nossos dons. Ou seja, o principal fator na decisão quanto ao trabalho da nossa vida é, provavelmente, que tipo de pessoa somos nós, a partir da criação e redenção de Deus. Deus não cria ao acaso; ele não nos deu dons naturais para serem desperdiçados. Deus não é, tampouco, um redentor aciden­tal, para nos conceder dons que vão ser desperdiçados. Pelo contrário, ele quer que os dons que nos deu sejam discernidos, cultivados e exercitados. Ele certamente não nos quer frustrados (pelo fato de os nossos dons ficarem ociosos), mas sim realizados (porque estamos usando os nossos dons).

 

Eu acho perfeitamente compatível com as nossas dou­trinas cristãs da criação e da redenção nós dizermos a nós mesmos: "Eu sou uma pessoa única. (Isto não é con­vencimento. É um fato. Se cada floco de neve e cada folhinha de grama não tem paralelo, quanto mais cada ser humano!) Minha unicidade deve-se à minha herança genética, minha personalidade e ao temperamento que herdei, minha ascendência (meus pais), minha formação e educação, meus talentos, inclinações e interesses, meu novo nascimento e meus dons espirituais. Pela graça de Deus eu sou quem sou. Portanto, como é que eu, sendo essa pessoa única como Deus me criou, posso me gastar no serviço de Cristo e do seu povo, de forma tal que nada que ele me deu seja des­perdiçado e tudo que ele me deu seja aproveitado?"

 

Pode ser que haja exceções a este princípio, mas esta me parece ser a pergunta certa que cada um de nós deve fazer a si mesmo. E assim, ao tentarmos avaliar-nos com ho­nestidade, não com orgulho nem com falsa modéstia, nossos pais e os amigos que mais nos conhecem são os que mais chance têm de nos ajudar.

 

Todas as três palavras que acabamos de considerar (direção, vocação e ministério) têm a ver com a vontade de Deus para as nossas vidas e como descobri-la. Concluindo, deixe-me antecipar dois temores que meus leitores podem estar sentindo, e tentar tranquilizá-los.

 

Primeiro, não há necessidade alguma de se temer a vontade de Deus, por medo de que ela seja difícil. Certos cristãos parece que imaginam que quanto maior a chance de alguma coisa ser desagradável, mais provável é que ela seja a vontade de Deus! Mas Deus não é um bicho-papão, sempre pronto para estragar as nossas vidas; ele é o nosso Pai, comprometido com o nosso bem-estar e decidido a nos dar apenas o que é para o nosso bem. "Se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos", disse Jesus, "quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas coisas aos que lhe pedirem?". Mt 7.11. Nós podemos ter certeza de que a vontade de Deus é "boa, perfeita e agradável". Rm 12.2.

 

Segundo, ninguém precisa temer que nunca descobrirá a vontade de Deus. Não temos razão alguma para preocupar-nos ou ficar nos queixando, ou para cairmos num estado de tensão nervosa ou passarmos noites em claro devido à ansiedade. Parece muito estranho, mas uma das lembranças mais antigas da minha infância, quando eu não devia ter mais que seis ou sete anos, é a de minha mãe entrando no meu quarto para dizer boa-noite. Eu sempre a incomodava com a mesma pergunta angustiada: "Mamãe, o que eu vou ser quando eu crescer?" Ela sempre me respondia que eu não precisava me preocupar, pois quando chegasse a hora eu iria saber. E agora, mais de sessenta anos depois, com a sabedoria adquirida pelo tempo, eu sei que ela estava certa e que todas aquelas apreensões infantis eram desnecessárias. Nós temos toda razão para confiar que a vontade do nosso Pai é boa e que se pode descobri-la. Ele tem meios e maneiras de nos mostrar o que ele quer que façamos. A principal condição é que nós mesmos quei­ramos, com sinceridade, discernir a sua vontade, a fim de realizá-la.

 

Bibliografia John R W Stott

 

 

O diaconato é um ministé­rio instituído pelos apóstolos, na Igreja, para servir a Deus e ao seu povo.

 

"Porque os que servirem bem como diáconos adquiri­rão para si uma boa posição e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus" (1 Tm 3.13).

 

Os apóstolos, sozinhos, não podiam mi­nistrar a Palavra de Deus ao povo e, ao mesmo tempo, cuidar da assistên­cia social. Por isso, solicitaram à igreja que escolhesse sete homens cheios do Espírito Santo, a fim de que pudessem ser consagrados ao diaconato, ou seja, servir às mesas.

 

Os sete escolhi­dos desenvolveram um excelente tra­balho filantrópico, em prol das viú­vas carentes e dos órfãos necessita­dos. Porém, dois deles, Estêvão e Filipe, destacaram-se como excelen­tes evangelistas, como prova de que também Deus os chamou para a su­blime obra de evangelização.

 

O trabalho dos diácanos é de suma importância na atualidade. Por isso, precisam ser respeitados e ajudados, a fim de que desenvolvam bem este ministério cristão. Só assim conseguirão man­ter a ordem no culto e servir no que for necessário, para o engrandeci­mento da obra de Deus.

 

Assim como Deus instituiu os levitas, para as atividades sagradas no culto, auxiliando os sacerdotes, da mesma forma a Igreja crescente precisava dos que pudessem ajudar os apóstolos.

 

 

 Atos 4 fala-nos do primeiro ataque contra a Igreja vindo de fora. Atos 5 descreve um ataque vindo de dentro. Em ambos os casos a Igreja continuava crescendo. Agora, vemos em Atos 6, que o número dos discípulos (adeptos, os crente que desejavam aprender mais a respeito de Jesus e do evangelho) continuava ainda a multiplicar-se.

 

O que acontece quando uma comunidade de pessoas cresce? Toda aquela multidão de recém-chegados provoca problemas. Neste caso a Igreja crescente representava um corte transversal da sociedade que estava em Jerusalém e na Judéia. Algumas daquelas pessoas tinham nascido ali e falavam hebraico em suas casas; conheciam o grego como uma segunda língua, porque o grego tinha sido a língua de intercâmbio, comércio e governo desde os dias de Alexandre, o Grande. Entretanto, os judeus nascidos fora da Palestina não conhe­ciam bem o hebraico e, normalmente, falavam grego. Dado que eles representavam muitos países, o grego era a única língua que todos compreendiam.

 

Nos capítulos anteriores vimos que os crentes contribuíam para um fundo comum destinado ao sustento dos necessitados. Com o correr do tempo, a maioria das pessoas arranjou emprego e não mais precisou deste auxílio. As viúvas, entretanto, não podiam sair e procurar emprego. Não era raro, naqueles dias, especialmente entre os gentios, viúvas morrerem de fome. Assim, na ocasião em que este capítulo começa, as viúvas eram as únicas que restavam como dependentes deste fundo. Evidentemente, os crentes que podiam, ainda traziam dinheiro aos apóstolos para a manutenção do fundo; os apóstolos eram os responsáveis por esse atendimento a fim de que as necessidades das viúvas fossem supridas.

 

Alguma tensão foi surgindo, por algum tempo, entre os crentes de fala grega e os de fala hebraica, antes de começar a manifestar-se mais claramente. A língua sempre constitui uma séria barreira entre os povos. É fácil a um grupo que constitui minoria ser negligenciado, especialmente se não compreende a língua. De fato, sua dificuldade em compreender podia ter feito com que as viúvas que falavam grego fossem deixadas para trás e acabassem por ser facilmente esquecidas.

 

Por fim, uma murmuração levantou-se entre os crentes de língua grega contra os crentes de língua hebraica porque as viúvas daqueles estavam sendo negligenciadas (esquecidas) na distribuição diária.

 

Então os Doze (os apóstolos, incluindo Matias) convocaram a multidão (a massa inteira) dos discípulos e lhes disseram que não era razoável que eles deixassem (abandonassem o ensino e pregação de) a Palavra de Deus e servissem às mesas (mesas de dinheiro).

 

Disseram aos crentes que procurassem dentre eles mesmos sete homens cheios do Espírito Santo e de sabedoria prática. A estes, os apóstolos encarregariam deste serviço (necessidade). Em outras palavras, os apóstolos estabeleciam as qualificações e as pessoas examinavam a congregação para ver quem possuía tais qualificações em alto grau. Então, o povo escolhia os sete por meio de uma espécie de eleição. Não se tratava de uma indicação arbitrária. A congregação, e não os apóstolos, fazia a escolha.

 

Os sete não são chamados diáconos aqui, embora o verbo seja uma forma de diakoneo, da qual deriva a palavra diácono. Muito provavelmente esta eleição criou o precedente para o que encontramos como ofício na igreja mais tarde. (Ver 1 Tm 3:8-12; Rm 16:1, por onde se vê que Febe é diácono, não diaconisa.)

 

Alguns vêem, aqui, uma significação especial no número sete. Ele pode significar um número "completo". É mais do que provável que a única razão para ter sete era que sete seria o número suficiente para a contabilidade e para a distribuição do dinheiro às viúvas. (A palavra grega para mesas nesta passagem significa mesas de dinheiro.)

 

A escolha dos sete ajudou os apóstolos a se dedicarem inteiramente à oração e ao ministério (ministração) da Palavra. Isto é, os apóstolos serviam a Palavra, distribuíam a Palavra, enquanto os sete distri­buíam o dinheiro.

 

Não houve discórdia quanto a isso porque o parecer (palavra, logos) agradou a todos (os crentes). Passaram à eleição, sendo eleitos stêvão (palavra grega para "coroa ou laurel de vencedor"), homem Cheio de fé e do Espírito Santo; Filipe (palavra grega para "amante de cavalos"); Prócoro; Nicanor; Timão; Pármenas; e Nicolau, prosélito (gentio convertido ao Judaísmo) de Antioquia (da Síria).

 

Todos eles têm nomes gregos e provinham, não há dúvida, grupo de crentes de língua grega. Seguramente isto mostra a graça de Deus e a obra do Espírito Santo nos corações dos crentes de fala hebraica. Eles eram a maioria, mas escolheram todos os "diáconos" do grupo da minoria. Estes sete teriam a seu cargo a administração do fundo para os necessitados de ambos os grupos. Desse modo, nenhuma queixa podia ser apresentada pelos de fala grega.

 

Isto era sabedoria. E mostra também como o Espírito Santo derrubou a primeira barreira que se levantou dentro da Igreja. As pessoas apresentaram os sete perante os apóstolos, que lhes impuse­ram as mãos. Esta imposição foi, provavelmente, como o reconheci­mento público de Josué em Nm 27:18, 19. O gesto não lhe conferia algo espiritual porque ele já era um "homem em quem está o Espírito". Mas inaugurava um novo nível de serviço. Estêvão e os outros estavam todos cheios do Espírito antes disso. A imposição das mãos também simbolizava oração pela bênção de Deus sobre eles. Provavelmente também oraram para que o Espírito lhes desse quaisquer dons e graças necessários ao bom êxito deste ministério.

 

Lucas conclui este incidente com outra declaração sumária dizendo que a Palavra de Deus era divulgada (continuava crescendo). Isto é, a proclamação da Palavra aumentava, implicando que não somente os apóstolos estavam envolvidos em sua divulgação. O número dos discípulos continuava a multiplicar-se em Jerusalém; ademais, uma grande multidão de sacerdotes se fez obediente à fé. Sua aceitação do evangelho e a obediência ao ensino dos apóstolos constituíam uma brecha importante, desde que a maioria dos sacerdotes se compunha de saduceus, sabendo-se que eles não criam na ressurreição. Estes sacerdotes provavelmente continuaram em seu ofício sacerdotal, desde que os judeus cristãos continuavam fiéis ao culto no templo.

 

Bibliografia S. M. Horton

 

DOIS GRUPOS DE JUDEUS

 

1. Origem dos dois grupos. Des­de o cativeiro babilónico (605 a.C), quando Nabucodonosor levou cati­va a primeira leva de judeus para a Caldeia, muitos deles nunca mais retornaram à sua terra, exceto um pequeno grupo com Zorobabel, para a reconstrução do Templo, e depois outras levas com Esdras e Neemias (Ed 2.1; 7.1-7; Ne 2.9). A maior parte continuou pelas nações, onde eles já estavam.

 

2. Quem eram os gregos e he­breus? (v. 1). Eram dois grupos de judeus que se converteram e esta­vam no seio da Igreja. A palavra helenistikoi é uma referência aos ju­deus de fala grega, ou da diáspora. Muitos preferem chamá-los de "judeus gregos", diferentes dos hebraioi, "judeus palestinenses" ou "aramaicos".

 

3. Tensão cultural (v. l). Havia uma antiga rivalidade entre esses grupos. Os judeus aramaicos olhavam com suspeita os seus compatriotas, helenistas, por terem habitado fora de Éretz Israel, "Terra de Isra­el". Agora, pertenciam a uma nova comunidade, onde Jesus havia abo­lido a parede da separação (Ef 2.14-17). Mas ainda havia certa ten­são cultural entre eles. O termo helenistikoi aparece apenas três vezes em Atos: 9.29; 11.19,20, além da passagem em foco. Até então o Evangelho ainda não havia sido pre­gado aos gentios (At 11.17,18).

 

4. Discriminação e preconcei­to. "Porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano" (v. 1). A discriminação e o preconceito não devem ter lugar no meio dos dis­cípulos de Jesus. Esta praga precisa ser eliminada do nosso meio, pois isso entristece o Espírito Santo e tor­na-se uma barreira que impede o Senhor de operar. Isso divide o povo de Deus e o Diabo se aproveita da ocasião, para suscitar discórdias en­tre os que professam a fé em Cristo.

 

A OBRA DOS DOZE E A DOS SETE

 

1. Começo da estrutura hierár­quica. O texto não diz explicitamen­te que esses sete foram escolhidos para o diaconato, mas, como o substantivo grego diakonia, "serviço, ministério", e o verbo diakonein, "servir", são o tema do texto, desde o terceiro século d.C. todos os expositores admitem que eles exerce­ram ó cargo que o apóstolo Paulo mais tarde chama de diácono.

 

Com o passar do tempo a Igreja foi se estruturando hierarquicamen­te, de modo que a comunidade cris­tã emFilipos, ainda nos dias do apóstolo Paulo, já apresentava "bispos e diáconos" (Fp 1.1). O apóstolo dos gentios, no entanto, estabelece regras para a consagração destes obreiros (1 Tm 3.1-14). Um estudo sobre este assunto mostra que isso depende muito da época e lugar. Não era uma estrutura inflexível e dogmática.

 

2. Convocando uma Assembleia Geral Extraordinária (v. 2). É a primeira vez que os termos "os doze", para designar os apóstolos, e "discípulos", os seguidores de Cris­to, aparecem no livro de Atos.

 

A convocação da multidão pelos apóstolos revela que há decisões na Igreja que precisam ser tomadas em assembleias, juntamente com os crentes. Foi uma reunião democráti­ca, mas na direção do Espírito Santo, diferente da democracia política. Era uma questão interna, um proble­ma entre irmãos, mas muito sério. Os líderes seguiram o modelo determi­nado por Jesus, convocando os cris­tãos (Mt 18.15-17).

 

FUNÇÃO DOS DIÁCONOS

 

Segundo a Bíblia de Estudo Pentecostal, o apóstolo Paulo apresenta 10 qualificações para o diaconato e 16 para o presbiterato (1 Tm 3.1-13; Tt 1.5-9). A função dos diáconos não ficou muito clara nas epístolas paulinas. O texto de Atos 6.1-6 mos­tra qual o dever dos sete escolhidos: "servir às mesas" (v.2).

 

1. O sentido de servir. O verbo grego para servir é diakonein, de onde vem o termo diácono, que sig­nifica servo ou mensageiro. A fun­ção diz respeito não somente ao ali­mento posto para as viúvas, mas tam­bém à administração financeira em geral. O próprio Jesus aplicou esse termo a si mesmo (Mt 20.28; Mc 10.45; Lc 22.27). É, pois, uma fun­ção importante. Geralmente, os pas­tores começam ministerialmente como diáconos.Por isso, acumulam também este cargo, pois a sua cha­mada é a de servir ao povo de Deus. Jesus é o nosso maior exemplo.

 

2. Atividade diaconal. A diakonia, "ministério" ou "servi­ço", palavra usada tanto no versí­culo 1, "ministério cotidiano", como no 4, "ministério da pala­vra", mostra que os dois serviços têm o mesmo valor. Ambos são compromissos cristãos para servir a Deus e ao seu povo. A diferença residia na vocação dos doze. Há os que têm chamada para ministrar a Palavra (v. 4). É comum ouvir em nosso meio falar de "ministério" como sinônimo de pastor ou evan­gelista. Seria bom acrescentar sempre o termo "pastoral", pois a atividade dosdiáconos não deixa de ser um ministério.

 

3. Alimento ou dinheiro? "Me­sas" significa servir refeição e tam­bém a distribuição de fundos aos necessitados. A "boa reputação" re­fere-se às qualificações exigidas pe­los apóstolos, para o exercício desse trabalho. Parece que a tarefa dos sete era a última, mas não é uma inter­pretação unânime dos expositores da Bíblia.

 

4. A função do diácono, hoje. O Diabo estava armando outra estratégia: desviar os apóstolos das obri­gações a que eram vocacionados. Pela expressão "mas nós persevera­remos na oração e no ministério da palavra" (v. 4) mostra que a função dos diáconos se assemelha à dos le­vitas no Antigo Testamento, ou seja, auxiliar todas as atividades ligadas ao culto (Nm 3.6-10). Se os apósto­los deviam se dedicar à oração e ao ministério de palavra, obviamente, os sete estavam sendo separados para os trabalhos auxiliares e não mera­mente as funções filantrópicas, de caráter social.

 

Por isso, a atividade dos diáconos é justamente a de auxiliar nos cultos e nas demais atividades da Igreja. Manter a ordem, recepcionar os visitantes, recolher as contribuições, servir a Ceia do Senhor e cuidar do ambiente, para o bem-estar do povo de Deus.

 

A ESCOLHA DOS SETE

A Escolha dos Sete At 6:1-7

 

Este capítulo e o próximo, que na sua maior parte relatam os "atos de Estevão", servem a um propósito duplo. Em primeiro lugar, completam o retrato que Lucas traça da igreja primitiva, que ainda estava confinada a Jerusalém, observando certos problemas que surgiram relacionados ao fundo monetário comum, e como foram resolvidos. Em segundo lugar, estes capítulos armam o cenário para os outros capítulos que nos mostram a expansão da igreja fora de Jerusalém. Lucas executa esse trabalho de duas maneiras: primeiramente, ao traçar o curso dos acontecimentos que forçaram muitos crentes a fugir da cidade, levando consigo o evangelho para a Judéia e Samaria e, finalmente, "até os confins da terra" (1:8), e em segundo lugar, ao exemplificar o que se tornaria o padrão dessa expansão posterior. A resistência judaica contra o evangelho recrudesce nestes capítulos. Há uma progressão, iniciando-se com advertências (4:21), açoites (5:40) e finalmente a morte (7:58). A morte de Estevãomarca "o fracasso final da missão na capital" (J. C. O'Neill, p. 85). É que agora "o povo", que fora retratado de forma positiva nos capítulos anteriores, alia-se a seus líderes e se torna o populacho hostil. As pessoas rejeitam o evangelho, não se considerando dignas da vida eterna (como diria Paulo), de modo que a igreja se volta para os gentios (cp. 13:46). Isto não aconteceu de súbito, de uma vez, e tampouco começou deliberadamente (do ponto de vista humano); mas o fato aconteceu, e a história começa aqui, em "atos de Estevão". Hengel encontra uma série de expressões distintivas e até mesmo impró­prias de Lucas ("não-lucanas") neste capítulo, que revela "uma fonte realbem posterior" (Jesus, p. 3).

 

6:1 / Lucas não apresenta referências exatas de tempo nesta parte de seu livro, e a nota sobre tempo com que ele dá início à narrativa, simplesmente a coloca naqueles dias nos começos da igreja primitiva. Por todo esse período crescia o número dos discípulos. Aqui, pela primeira vez aparece a palavra discípulos, no livro de Atos, como um título atribuído aos cristãos (cp. vv. 2, 7; 9:36; 11:26; 19:1-4). O emprego do termo "discípulo" nesta altura da história deixa bem claro que os discípulos de Jesus formaram o núcleo da igreja, e que o relacionamento que Jesus mantivera com eles permaneceria o padrão de relacionamento com sua igreja. Uma das características dessa igreja primitiva era a prontidão para atender às necessidades dos seus pobres (cp.2:44s.; 4:32ss.)- Não sabemos se as ofertas vinham em forma de serviço ou de bens materiais, mas vemos aqui que eram dadas diariamente (distribuição diária de alimento). Também notamos que essa distribuição eradescrita como um tipo de "ministério"—a mesma palavra que fora usada no v. 4 para o "ministério" da pregação "da palavra". "Há diversidade de ministérios, mas o Espírito é o mesmo" (1 Co 12:5). Todavia, as exigências deste serviço aumentaram tanto, à medida que a igreja prosseguia crescendo, que já não era executado tão bem quanto deveria ser; o problema ia-se tornando cada vez mais agudo pelo aparecimento de grupos étnicos diferentes (talvez sempre houvessem existido) dentro da igreja, que se reuniam separadamente. Além de toda a dificuldade para manter abertas as comunicações necessárias, havia um único fundo assistencial para atender a todos. Sob tais circunstâncias, seria inevitável que alguns fossem negligenciados — e alguns o foram de fato.

 

Um grupo de crentes a que Lucas dá o nome de "helenistas" (NIV traz "judeus gregos"; ECA, os gregos) queixou-se de que suas viúvas esta­vam sendo negligenciadas no atendimento. A deduzir-se do tempo verbal (imperfeito) parece que essa negligência vinha acontecendo havia algum tempo, pelo que "os gregos" culparam os "hebreus"(NIV, "judeus hebraicos"). Mas quem eram esses gregos e esses hebreus? Estes termos comumente são entendidos em seu sentido linguístico: os gregos eram judeus que falavam o idioma grego (que não tinham motivação para aprender o aramaico, e assim, em sua maior parte, não falavam aramaico), e os hebreus eram judeus que falavam o aramaico, além do grego. Segundo esta definição, Paulo era hebreu, e é assim que ele se chama a si próprio em Filipenses 3:5 (cp. 2 Co 11:22). Em discussões eruditas mais recentes, estas definições têm sido refinadas; o critério para fazer-se a distinção entre gregos e hebreus era a língua em que prestavam culto ao Senhor, em vez de ser a língua em que conversavam no dia a dia. Outros eruditos, não satisfeitos com esta distinção, baseada apenas na língua, sugerem que "os gregos" também teriam sido "helenizados", a saber, tornaram-se "judeus helenizados", pertencentes a uma sinagoga "liberal" que não se prendia com tanta força à lei e ao templo como algumas outras. Esta sugestão apoia-se num verbo cognato que às vezes tem o sentido de "imitar os modos e costumes gregos". Mas na maioria dos casos significava apenas "falar o idioma grego", e seja como for, é preciso lembrar que os helenistas haviam voltado a Jerusalém por nenhuma outra razão senão sua devoção à lei e ao templo. "Como regra, eles com toda certeza não eram 'liberais', mas presos àquela atitude que o próprio Paulo afirma ter sustentado quando era um fariseu... De outra forma, não teriam regressado à Judéia, cuja cultura e economia de modo algum eram atraentes, e teriam preferido ficar noutro lugar, menos Jerusalém, onde viver" (Hengel, Jesus, p. 18). É difícil, portanto, irmos além da definição linguística desses termos; esta conclusão é confirmada pelo fato de que tais termos confinam-se a Jerusalém, onde a maioria da população falava aramaico. Na Diáspora de fala grega, a expressão "os gregos" (ou os helenistas) não teria sentido.

 

Portanto, os gregos desta passagem eram cristãos antes pertencentes às sinagogas de Jerusalém, onde se falava o grego (convertidos presumivelmente pela pregação de hebreus bilíngues), os quais formaram sua própria comunidade cristã de fala grega. Constituíam minoria numa igreja predominantemente hebraica. Os próprios apóstolos, logicamente, eram hebreus. Se havia alguém que fosse particularmente culpado pela negligência com que as viúvas gregas eram tratadas, os apóstolos é que seriam os responsáveis, porque cabia a eles a administração do fundo assistencial comum. Dificilmente poderíamos crer que essa negligência fosse deliberada, proposital (como o sugere Dunn, Unity, "Unidade", p. 272). É bem provável que estivessem inconscientes do problema em razão de muito trabalho que tinham de fazer.

 

6:2-4 / Tão cedo os gregos trouxeram a queixa, passou-se de imediato a procurar uma solução, sem ser negada. Os doze — este é o único lugar em Atos em que os apóstolos recebem este título — convocaram os discípulos e, virtualmente confessaram que não haviam administrado o fundo de maneira apropriada; tampouco tinham condições de administrá-lo bem. O problema deles era a falta de tempo, porque precisavam dar prioridade ao ministério da palavra de Deus (v. 2; cp. v. 4) e à oração (v. 4). Novamente temos o artigo definido, "a oração" (conforme o grego) implicando que se tem em mira um tipo especial de tempo ou de forma de oração (seriam os "cultos" na igreja? cp. 1:14 e 2:42 quanto a "orações", e 3:1 e 10:9 quanto à hora da oração). Sugeriram os apóstolos, portanto, que outros sete homens fossem nomeados para a função de administrar o fundo em seu lugar. Deveriam ser homens cheios do Espírito Santo (v. 3; cp. v. 5; 7:55; 11:24; 13:52; Lc 4:1). É preciso que se faça uma distinção entre "encher-se do Espírito" e "estar cheio do Espírito". "Encher-se do Espírito" refere-se a uma inspiração momentânea; "estar cheio", diz respeito ao crente estar possuído pelo Espírito, isto é, o Espírito domina o crente concedendo-lhe dons espirituais. Neste caso, a igreja deveria procurar homens que fossem dotados de sabedoria prática que os capacitasse a gerir aquele fundo assistencial.

 

6:5-6 / Este parecer contentou a toda a multidão, que escolheu os sete homens relacionados no v. 5. A primeira coisa que se observa, com respeito a esses homens, é que todos tinham nomes gregos. Isto em si mesmo não significa que fossem todos helenistas (gregos), embora isso fosse possível. Muitos judeus palestinos tinhamnomes gregos, como Filipe, Dídimo e André, entre os doze. Mas, com exceção de Filipe, os demais dentre os sete não têm nomes familiares greco-judaicos que era comum nesta região (veja Hengel, Jesus, p. 144ss.). Portanto, se os sete eram gregos, a eleição deles por uma multidão (a igreja toda) diz muita coisa a respeito da gentileza magnâ­nima da maioria hebraica, e do senso de unidade que todos tinham em Cristo. O que os unia era bem maior do que o que os diferenciava.

 

Não podemos dizer que nada sabemos desses sete homens, excetuan­do-se Estevão e Filipe. De acordo com uma tradição posterior, estes dois haviam participado da missão dos setenta (Epifânio, Panarion 20.4; cp. Lc 10: 1ss.), e se Jesus havia enviado os setenta à Samaria (cp. Lc 9:52; 17:11), isto poderia explicar a obra subsequente de Filipe naquela região. Todavia, isto nada mais é do que mera especulação. O que sabemos com certeza a respeito dos dois será objeto de discussão nas seções que vêm a seguir. Aqui, basta-nos dizer que de Estevão está registrado que era um homem cheio de fé e do Espírito Santo (v. 5). A fé que Estevão possuía não era diferente em essência da fé comum a todos os crentes, mas era excepcional como esse homem estava disposto a confiar em Cristo, crer com simplicidade em sua palavra, e arriscar tudo por amor de seu Senhor. Quanto ao resto, Nicolau, prosélito de Antioquia, é digno de nota pelo fato de ser gentio de nascimento, tendo-se convertido primeiro ao judaísmo e, a seguir, à fé cristã (v. 5).

 

Relata-nos Josefo que os judeus de Antioquia eram particularmente ativos no proselitismo (Guerras 7.43-53), e a conversão de Nicolau pode ter sido um caso específico. Ramsay vê sua inclusão entre os sete como algo de grande significado. "A igreja era mais importante do que a pura raça judaica; os elementos não judaicos foram elevados a certa posição", embora, como concorda o próprio Ramsay, nada havia nisto que estivesse em desarmonia com o ponto de vista daqueles cristãos judaicos mais conservadores, que (posteriormente) desejariam manter a igreja dentro do âmbito da rebelião judaica (Paul, p. 375; cp. p. 157). A referência a Nicolau introduz pela primeira vez em Atos o nome da cidade que logo haveria de tornar-se o trampolim da missão gentílica. O próprio nome de Lucas às vezes é associado ao de Antioquia, sendo esta outra razão, talvez, do interesse dele em mencionar o nome da cidade.

 

Os sete homens que a igreja elegeu foram apresentados aos apóstolos que, por sua vez, lhes impuseram as mãos(v. 6). Esta é a primeira vez em Atos que se menciona uma cerimônia de imposição de mãos (as demais são para cura) como rito mediante o qual alguns membros da igreja eram nomeados para tarefas específicas (cp. 13:3). No Antigo Testamento, a imposição de mãos às vezes significava bênção (cp. Gn 48:14), às vezes a atribuição de um encargo (cp. Nm 27:18, 23). Deste modo seria um sinal adequado do reconhe­cimento da parte da igreja dos dons de Deus atribuídos a estes homens, e de sua consagração ao serviço de Deus e da igreja. Além do mais, o fato de os apóstolos terem imposto suas mãos indica que os sete passaram a ter autorização apostólica para a tarefa que deveriam realizar: agiriam, a respeito do fundo assistencial, como repre­sentantes dos apóstolos (cp. 13:3; 1 Tm 4:14; 2 Tm 1:6).

 

6:7 / Assim foi que a igreja, num contexto de oração e de espírito de boa vontade, pôs a casa em ordem. Manteve-se a unidade. Temos a impressão de que essa resolução trouxe renovada bênção — crescia a palavra de Deus; noutras palavras, a pregação apostólica de Cristo era ouvida por mais e mais pessoas, e consequentemente em Jerusalém se multiplicava rapidamente o número dos discípulos. Em ambas as declarações, o pretérito imperfeito desses verbos salienta que se tratava de um processo crescente contínuo (cp.2:41; 4:4; 5:14; 6:1). Dentre os que foram ganhos para a fé em Cristo estavam alguns sacerdotes que haviam subido à cidade a fim de cumprir seu turno no serviço do templo; talvez teriam ouvido o evangelho que era pregado ali. Somos informados que passaram a obedecer à fé grande parte dos sacerdotes obedecia à fé. Este verbo encontra-se somente aqui no livro de Atos, e pode ter sido escolhido deliberadamente para sugerir que tais sacerdotes ficaram sob grande pressão, talvez da parte da hierarquia dos saduceus, que exigia deles que renunciassem àquela fé (entendido isto no sentido objetivo, como um corpo de doutrinas), e apesar de tudo, esses sacerdotes permaneceram fiéis. Não é provável que esses sacerdotes passaram a desempenhar cargos especiais dentro da igreja. A referência deste versículo pode dizer respeito ao trabalho executado pelos doze, agora que podiam entregar-se totalmente à pregação, sem o impedi­mento de outras preocupações. Supõe-se que tal trabalho era desenvolvido principalmente entre as pessoas cuja língua e cultura os apóstolos partilha­vam, a saber, os hebreus.

 

Notas Adicionais

 

6:1 / as suas viúvas: Há razão para pensarmos que entre os gregos havia predominância de mulheres, e dentre todas as pessoas, estas mulheres mais idosas, viúvas, vindas da diáspora, teriam sido as mais vulneráveis. Com frequência elas teriam ficado totalmente sob os cuidados e sustento da comunidade cristã. Quanto ao cuidado das viúvas na igreja primiti­va, veja Tiago 1:27 (cp. Deuteronômio 14:29; 24:19; 26:12; Isaías 1:17; Zaca­rias 7:10). Com o passar do tempo, formar-se-ia uma ordem das viúvas (1 Timóteo 5:3-16; Inácio,Smyrnaeans 13.1; Policarpo, Philippians 4.3), mas nem aqui nem em 9:39 há razões para pensarmos que tal ordem estaria iniciando-se.

 

6:2 / o número dos discípulos (veja a disc. sobre o v. 1): a palavra plethos, que ocorre nesta frase, possui dois significados em Atos: primeiro, "uma multidão, grande número de pessoas" (como em 2:6; etc.) e, segundo, "uma assembleia completa, ou uma congregação". Este último significado é o que deve ser aplicado aqui, bem como no v. 5, em 4:32 e 15:12. Em cada um destes versículos a referência é feita à assembleia plena dos crentes de Jerusalém. Com a divulgação do evangelho, o mesmo termo seria aplicado mais tarde aos crentes de Antioquia (15:30). É extraordinário que outra expressão similar, "os muitos", seja utilizada nos Rolos do Mar Morto a respeito dos essênios, quando estes se reuniam em assembleia a fim de decidir questões comuns (veja 1QS 6.1, 7-9, 11-18, 21, 25; 7.16; 8.19, 26; CD 13.7; 14.7, 12; 15.8).

 

E sirvamos às mesas: Esta expressão poderia significar servir refeições nas mesas (cp. Lucas 16:21; 22:21, 30), mas "mesas" era também uma figura de linguagem usada para transações financeiras, visto que os que emprestavam dinheiro sentavam-se às mesas a fim de exercer seu ofício. Essa palavra é usada nesse sentido em Mateus 21:12; 25:27; Lucas 19:23; João 2:15, e talvez aqui também; os apóstolos estão afirmando que não deveriam abandonar seu minis­tério primordial a fim de servir como banqueiros, cambistas de dinheiro ou distribuidores de auxílio.

 

6:3 / Escolhei, irmãos... sete homens: Há vários paralelismos na literatura rabínica no que concerne à nomeação de uma junta de sete homens como delegados, ou representantes de outras pessoas. Ehrhardt sugere que a autorida­de para nomear os sete e os meios pelos quais eles foram selecionados para esse trabalho encontram-se em Números 11:16s. — a história da nomeação dos setenta que iriam ajudar Moisés. "Sabemos, através do Talmude, que os rabis afirmavam que estes setenta homens foram ordenados mediante a imposição demãos. Temos, portanto, uma boa razão para crer que este foi o precedente que levou Pedro e os demais apóstolos a ordenar os sete — em vez de setenta — da maneira como foram ordenados, com imposição de mãos" (p. 30).

 

Embora a tarefa deles fosse "servir" (gr. diakonein) e ao trabalho executado se desse o nome de "serviço" (gr.diakonia), os sete nunca foram chamados de "diáconos" (gr. diakonoi). A primeira menção de diáconos no Novo Testamento só se encontra em Filipenses 1:1. Em Romanos 16:1 menciona-se uma diaconisa. Segundo a tradição, a nomeação desses sete marcou o início desta ordem de oficiais (veja Irineu, Against Heresies [Contra Heresias], 1.26; 3.12; 4.15; Cipriano, Epistles [Epístolas], 3.3); Eusébio, Ecclesiastical History [História Eclesiástica], 6.43), mas o Novo Testamento dá ínfimo apoio à tradição. É digno de nota, p.e., que quando a igreja primitiva quis distinguir Filipe do apóstolo que tinha seu nome, a igreja não o chamou de "Filipe, o diácono", mas de "Filipe, o evangelista" (21:8). Espalhando-se os gregos, o cargo dos sete, com respeito ao fundo assistencial, parece ter passado para "os anciãos".

 

Cheios do Espírito Santo e de sabedoria: cp. v. 5, "cheio de fé e do Espírito Santo". Em ambos os casos é melhor tomar "sabedoria" e "fé" como manifestações particulares da obra do Espírito em suas vidas, embora a ordem das palavras no segundo versículo torne esta interpretação menos viável. O sentido talvez indique que eles estavam "cheios" do Espírito Santo (veja a disc. sobre 6:2-4), fato que ficou demonstrado de modo especial na fé e na sabedoria deles. Outras alternativas são considerar cada frase como expressando apenas uma ideia. "Cheios da sabedoria que o Espírito concede", e "cheios da fé que o Espírito concede", ou interpretar cada frase como significando que eles tinham dois dons separados: "cheios de fé ou de sabedoria e cheios do Espírito Santo", isto é, do entusiasmo divino. Nenhuma delas é tão satisfatória quanto a primeira sugestão.

 

6:5 / Nicolau, prosélito de Antioquia. Esta é uma tradução quase literal, pois o grego diz: "Nicolau, um prosélito", enquanto NIV traz: "Nicolau, da Antioquia, um convertido ao judaísmo". "Sempre que os judeus iam ao mundo dos gentios, sua presença suscitava duas tendências conflitantes. Por um lado, eles possuíam o conhecimento do único e verdadeiro Deus; e no meio da corrupção, idolatria e superstição universais daquela época remota, este conhe­cimento salvífico exercia atração poderosa". Por outro lado, tal conhecimento estava enquadrado numa lei que em muitos aspectos não era tão atraente assim (Racksam, p. 240; veja também J. Murphy-O'Connor, Saint Paul 's Corinth [A Corinto de São Paulo], p. 80). Consequentemente, entre as pessoas atraídas para o judaísmo havia variado grau de fidelidade. Algumas se entregavam de todo ao Senhor, submetendo-se à instrução, à circuncisão e ao batismo. Depois, ofereciam sacrifícios no templo, embora na prática esta última exigência às vezes fosse negligenciada. Mais mulheres do que homens aceitavam o judaísmo, à vista da exigência da circuncisão no caso dos homens. Outros, embora não estivessem dispostos a ir tão longe, dedicavam-se ao culto e ao estudo nas sinagogas. Acredita-se de modo geral que, em Atos, estes gentios interessados no judaísmo são indicados pelas expressões: "que serviam [ou adoravam] a Deus" (gr. sebomenoi;cp. 13:43; 16:14; 17:4, 17; 18:7), "que temiam a Deus" (gr. phoboumenoi; cp. 10:2, 22; 13:16, 26), e os "que eram religiosos" (gr. ensebes; cp. 10:2, 7 e o verbo em 17:23), enquanto os mais devotos, por serem totalmente convertidos ao judaísmo, são os únicos chamados de "prosélitos" (gr. proselytos); cp. 2:10; 6:5. Entretanto, há uma exceção a esta regra, a qual se encontra em 13:43, com a expressão "prosélitos devotos" (gr. ton sebomenonproselytori). Parece que estes seriam os mesmos judeus dos quais se diria que são "tementes a Deus" em 13:16, 26, de modo que, com base nisto, podemos presumir que a palavra "prosélito" esteja sendo usada aqui sem referir-se a judeus totalmente convertidos ao judaísmo, mas simplesmente aos gentios que frequentavam a sinagoga na Antioquia da Pisídia. Entretanto, veja Marshall, p. 229, quanto a uma interpretação diferente.

 

6:6 / Apresentaram estes homens aos apóstolos. Estes, orando, lhes impuseram as mãos: Embora a igreja certamente tenha sido instruída para escolher aqueles sete, disto não se pode ter tanta certeza quanto indicam a tradução de NIV ("oraram e impuseram as mãos sobre eles") e a de ECA. Se as regras gramaticais do grego servirem de guia, isso foi feito pela igreja toda, que agiu "na presença dos apóstolos". Esta interpretação é apoiada por D. Daube, que acredita que este ato praticado pela igreja fez daqueles sete seus repre­sentantes, como certa vez os israelitas fizeram dos levitas seus representantes ao impor as mãos sobre eles (Números 27:18; Deuteronômio 34:9) (The New Testament and Rabbinic Judaism [O Judaísmo Rabínico e o Novo Testamento], p. 237ss.). Todavia, entendendo que possa haver um acordo, não de gramática mas de sentido, o fluxo da sentença no grego sugere, em vez disso, que foram os apóstolos que impuseram as mãos sobre os sete (nomearam-nos) com oração. Esta interpretação torna-se bem clara no texto Ocidental. A luz do v. 3, "aos quais constituamos sobre este importante negócio" (a menos que tomemos o pronome oculto "nós" como estando no lugar da igreja toda), a última interpre­tação nos parece a mais viável, especialmente se considerarmos que ela segue de perto o padrão da nomeação de Matias (l:15ss.) — os apóstolos iniciaram o processo, o povo desempenhou sua função de escolher a pessoa, mas os apóstolos é que fizeram a nomeação. Veja as notas sobre 6:3.

 

Bibliografia D. J. Williams

 

 

 

1. A igreja escolhe seus diá­conos (v 3). O termo "escolhei" mostra que os sete foram eleitos pela igreja. Os apóstolos apresentaram as qualificações para o exercício dessa importante tarefa: "varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria" (v. 3). Depois, Pau­lo apresentou uma lista de requisi­tos necessários para o exercício des­se ministério.

 

"Boa reputação", pois teriam de trabalhar na distribuição de dinhei­ro. Portanto, era necessário que ti­vessem conduta comprovada pelos irmãos.

 

"Cheios do Espírito Santo e de sabedoria", porque o trabalho era também espiritual. Só o batismo no Espírito Santo não basta. É necessá­rio vivermos na plenitude do Espíri­to.

 

Esses requisitos são necessários até hoje na Igreja de Cristo, para que o diácono tenha condições de cum­prir o seu ministério. Não se trata de meras exigências, mas de preparo para tão importante tarefa.

 

2. Os sete nomes (v. 5). O pare­cer dos apóstolos deixou toda a igre­ja satisfeita. Todos viam nessa sábia atitude a solução dos problemas. Não houve imposição, mas sugestão. Quando a obra é dirigida pelo Espí­rito Santo, geralmente, o parecer da liderança é acatado, como se fosse uma determinação divina, e deixa a Igrejaregozijante. Isso prova que Deus estava nesse negócio.

 

A igreja elegeu os que preenche­ram os requisitos apresentados pelos doze. São eles: "Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timão, e Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia" (v. 5). Os sete tinham no­mes gregos. Será que eram todos helenistikoi? Se assim for, isso mos­trava que o direito dessas viúvas esta­va assegurado, além de revelar a ido­neidade deles nessa administração que agora se tornava transparente.

 

3. O destino dos sete. Pouco se sabe do destino de cada um deles. Pelo discurso de Estêvão, registra­do em Atos 7, podemos afirmar que ele era de considerável estatura es­piritual, pois logo revelou seus ta­lentos. Portanto, odiácono pode ser um grande pregador (1 Tm 3.13). Nada mais sabemos sobre os demais, exceto Filipe, que pregou em Samaria e para o eunuco da ra­inha Cândace, da Etiópia (At 8) e, depois de muitos anos, aparece como evangelista, residindo em Cesaréia Marítima (At 21.8). A tra­dição diz que Nicolau, prosélito de Antioquia,se desviou e tornou-se o líder do grupo herético os "nicolaitas", mencionado em Apoca­lipse 2.6,15.

 

4. Imposição de mãos (v. 6). Os sete, escolhidos pela igreja, foram levados à presença dos apóstolos para a imposição de mãos e, dessa forma, receberem a oração.

 

A imposição de mãos é o rito que representa a consagração para um determinado ofício e significa a transferência de bênçãos e dons.

 

CONCLUINDO

 

A lição mostra que os apósto­los sabiam delegar as tarefas. In­felizmente, na atualidade, há os que controlam tudo, pois não dei­xam que outros façam algo, para ajudá-los. Por causa disso, a obra de Deus sofre. Certos líderes ficam sobrecarregados, com atividades que poderiam ser encargo dos diáconos, e não têm tempo para aoração e meditação na Palavra de Deus. À noite, no culto, não pos­suem mensagem, pois não têm ali­mento para o povo e nem entendem a necessidade das ovelhas. Quan­do se segue o padrão dos apósto­los, o crescimento é de grandes proporções (v. 7).

 

O homem, por mais condições que possua, não é capaz de exercer, a contento, diversas funções. Por isso, Deus permitiu que fossem escolhidos sete discípulos, os quais serviriam às meses, enquanto os apóstolos se dedicariam ao estudo e a meditação das Escrituras, a fim de que ministrassem bem o ensino bí­blico.

 

Entendamos que os diáconos exercem um cargo importantíssimo na igreja. Por isso, precisamos honrá-los, a fim de que, com ale­gria, concretizem a função que lhes foi confiada pelo Espírito Santo, em benefício do reino de Deus. Só assim veremos a decência e ordem em evidência nos nossos cultos.

 

O cargo de diácono só deve ser ocupado por pessoas idôneas. Por isso, a escolha precisa ser pre­cedida de jejum e oração, para que não sejam admitidos neófitos, que só trarão prejuízo à obra de Deus. Esta função é local, ou seja, se al­guém não a exerce dignamente, pode ser destituído pelo pastor da igreja.

 

Bibliografia E. Soares

ASSISTÊNCIA SOCIAL, UM IMPORTANTE NEGÓCIO

 

Era imperioso aos apóstolos devotarem-se à oração e ao en­sino da Palavra de Deus. Doutra forma, como haveriam de edificar a Igreja na sã doutrina? Todavia, estavam eles mais do que cien­tes: as obras de misericórdia são também importantes. Que os crentes, pois, sobressaiamos igualmente pelas boas obras (Mt5.16; At 9.36; Ef 2.10). Não alerta Tiago que a fé sem as obras é morta? (Tg 2.17). A assistência social na Igreja Cristã não será menosprezada.

 

1. O "importante negó­cio". O trabalho assistencial foi considerado pelos apóstolos um "importante negócio" (At 6.3). Por isso houveram-se eles com dili­gência na escolha dos melhores homens para exercê-lo. Na Igreja de Cristo, o socorro aos neces­sitados também é visto como prioridade.

 

Havendo incumbido os di­áconos de zelar pelo socorro aos pobres, a Igreja Primitiva demonstra ser possível exercer o serviço cristão em sua plenitude. Em sua despensa havia tanto o pão que desce do céu como o pão que brota da terra. Que exemplo às igrejas de hoje! A ordem do Senhor não será esquecida: "Dai-lhes, vós mesmos, de comer" (Mt 14.16).

 

2. Servindo à Igreja de Cristo. Tanto os doze apóstolos como os sete diáconos porfiaram em servir à Igreja. Os primeiros com a oração e a Palavra; os segundos, com o ministério cotidiano. Um não pode subsistir sem o outro. Sanada a dificuldade com a assistência às viúvas gregas, informa-nos Lucas "Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé" (At 6.7-ARA). At 6.3 classifica a Assistência Social como um "importante negócio" que existe para servir a Igreja de Cristo.

 

CONCLUSÃO

 

Ministros de Cristo, temos duas prioridades: a oração e a proclamação da Palavra de Deus. Todavia, que jamais venhamos a descurar das obras de miseri­córdia. O Mestre jamais deixou de saciar os famintos. Por que agiríamos nós diferentemente? É hora, portanto, de zelarmos pelo ministério cotidiano, para que o nome de Cristo seja exaltado e magnificado sempre.

 

Bibliografia Claudionor de Andrade

 

 

"A Comunhão Quebrada

 

Os crentes se dedicam a formar uma comunidade de comunhão (At 2.42), que acha expressão em compartilhar as possessões com os necessitados. Como exemplo posi­tivo de comunhão, Lucas chamou atenção a Barnabé (At 4.36,37); em contraste, Ananias e sua esposa são exemplos negativos (At 5.1-11). No capítulo 6, Lucas informa um desarranjo na comunhão causado pela negligência da comunidade para com suas viúvas gregas. No meio de tremendo progresso da Igreja, este problema coloca a unidade eclesiástica em sério perigo. Nesta época, a comunidade cristã consiste em dois grupos: os judeus gregos (hellenistai,'crentes de fala grega') e os judeus hebreus (hebreaioi, "crentes de fala aramaica'). Os judeus gregos de Atos 6 são crentes que foram fortemente influenciados pela cultura grega. [...] Os cristãos de fala aramaica são mais fortes nas tradi­ções religiosas palestinas e mostram mais restrição em atitude para com a lei judaica e o templo. Sendo mais agressivos na abordagem, os judeus helenísticos provocavam raiva. Em pelo menos uma ocasião a pregação agressiva de um crente de fala grega na sinagoga helenista em Jerusalém termina em apedrejamento. Os judeus helenistas apresentavam o evangelho com tal zelo que eventu­almente os oponentes os compelem a fugir de Jerusalém para salvar a própria vida (At 8.1-3)" (Comen­tário Bíblico Pentecostal Novo Testamento. 2.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2004, p.657).

 

 

"O Descontentamento Social

 

Afirma o eminente teólogo da Universidade de Salamanca Lorenzo Turrado: 'A queixa dos helenistas, a julgar pela iniciativa tomada pelos apóstolos, parece que tinha sério fundamento'. A situação que se desenhava deixou os apóstolos mui preocupados. Como israelitas, sabiam eles que a injustiça e a desigualdade sociais eram intoleráveis aos olhos de Deus (Dt 15.7,11). Não foi por causa da opressão que o Senhor desterrara a Israel? A palavra de Ezequiel não tolera dúvidas: 'O povo da terra tem usado de opressão, e an­dado roubando e fazendo violência ao pobre e ao necessitado, e tem oprimido injustamente ao estrangeiro' (Ez 22.29). Infelizmente, a questão social continua a ser descurada por muitos ministros do Evangelho. Acham eles que a desigualdade social é um problema que cabe apenas ao governo resolver. Mas a Bíblia não ensina assim. Embora a Igreja de Cristo seja um organismo espiritual e desfrute da cidadania celeste, ela é vista como uma comunidade administra­dora de uma justiça que tem de exceder a do mundo (Mt 5.20). O comentário é de Broadman: 'Os cristãos têm infligido quase tantas feridas à comunhão quanto os perseguidores externos, abrigando em si preconceitos raciais, religiosos e de classe. Esse preconceito leva à discriminação, e a discriminação destrói a unidade dos crentes. Estas distinções não deviam ter entrado na Igreja, naquela época, e não devem entrar hoje'" (ANDRADE, Claudionor de. Manual do Diácono. 1 .ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1 999, pp. 1 7,1 8).

 

 6:4: Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra.

 

Cada indivíduo tem os seus próprios dons, de conformidade com aquilo que o Espírito Santo prefere e adota, e todos os dons e serviços são igualmente importantes e necessários para o bem-estar da igreja local. (Ver Ef 4:4-16). Todo indivíduo é responsável por fazer o máximo, sob a mão de Deus, no desenvolvimento e uso de seus dons pessoais. Os apóstolos mostraram-se bem sensíveis a esse fato, sendo que também entregaram a outros as funções que podiam ser feitas por outras pessoas, a fim de que tivessem a liberdade de se entregarem aos importantíssimos ofícios e funções da oração, do ensino, da pregação e da evangelização, além do governo geral e da superintendência da igreja cristã, considerada como um todo. O Espírito Santo vinha fluindo através dos apóstolos em grande e poderosa medida e eles não queriam abafar esse fluxo divino, preocupando-se com coisas que lhes cabiam especificamente como deveres. Era mister que os apóstolos não somente orassem, mas também que se dedicassem à oração, para que se aprofundassem nessa prática, a fim de que experimentassem o autêntico e maior poder de Deus, sendo cheios pelo Espírito Santo, a fim de que por ele fossem usados como vasos consagrados. Para tanto, era necessário que se dedicassem à oração e à meditação, quando o crente espera em Deus para que seja cheio pelo Espírito. Também estava nisso em vista as orações públicas, a iniciação e a instrução dos novos convertidos. Somente assim dedicados é que os apóstolos poderiam levantar-se a fim de ensinarem e pregarem movidos pela unção do Espírito, como instrumentos aptos nas mãos do Senhor, a fim de que pecadores se convertessem e fossem transformados segundo a imagem de Cristo Jesus. É segundo se lê nos escritos paulinos: «...com vistas ao aperfeiçoamento dos santos, para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo». (Ef 4:12,13).

 

O mesmo vocábulo do qual obtivemos nosso termo moderno «diácono», é empregado aqui para descrever oministério deles, conforme se vê no primeiro versículo, onde tal vocábulo é traduzido como distribuição, ou conforme se lê no segundo versículo, onde está em foco a ideia de servir às mesas, demonstrando a lata aplicação dessa palavra a todos os tipos de serviço. Ambos os tipos de serviço, isto é, material e altamente espiritual, eram necessários na igreja primitiva; e ambos visam a glória de Deus, quando são realizados com um coração honesto e sincero.

 

No tocante aos deveres aqui expressos, aos quais os apóstolos precisavam dedicar-se, Calvino (in loc.) diz: «Háuma outra maneira de estudo, outra maneira de zelo, outra maneira de constância requerida, a fim de que, na realidade, pudessem ufanar-se de que estavam inteiramente dedicados a esses misteres».

 

Devemos observar quais os elementos que este texto sagrado mostra serem necessários ao ministério espiritual, comparando isso com a filosofia e o costume da igreja moderna, cujo lema é atividade apenas, onde a ênfase recai exclusivamente sobre o que fazemos, e não sobre o nosso desenvolvimento espiritual, isto é, naquilo em que devemos ir sendo transformados.

 

6:5: O parecer agradou a todos, e elegeram a Estêvão, homem cheio de fé e do Espirito Santo. Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão,Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia,

 

No que diz respeito às questões de governo eclesiástico é importante notarmos aqui que os oficiais e líderes da igreja primitiva eram nomeados e eleitos pela ação da comunidade inteira dos crentes, e não meramente por ação dos apóstolos. Apesar de que o N.T. não estabelece quaisquer preceitos dogmáticos quanto ao governo da igreja, é óbvio, por esta passagem bíblica, que a democracia era a forma de governo geralmente seguida. Isso também transparece no caso da escolha de Matias, em substituição a Judas Iscariotes, porquanto os «cento e vinte» irmãos agiram juntamente para preencher tal ofício, como ação essencial da igreja cristã, posto que em seu estágio inicial de desenvolvimento. Nesse caso, os líderes (os apóstolos) tomaram a iniciativa e mostraram quais as necessidades da comunidade, porquanto eram os responsáveis pela questão; todavia, a própria seleção foi feita pela comunidade. (Quanto à «democracia» como forma de governo eclesiástico, ver as notas expositivas relativas ao segundo versículo deste mesmo capítulo).

 

O Problema Da Autoridade

 

1. Após a destruição de Jerusalém, e a autoridade por ela representada, no sinédrio judaico, foi necessário que a igreja cristã estabelecesse uma nova autoridade. Não houve uma só resposta imediata para essa necessidade, e, sim, uma espécie de crescimento da solução. Pedro exercia grande autoridade em alguns círculos, conforme fica demonstrado pelas notas de Mt 16:16-20.

2. Porém, a autoridade conferida a Pedro mais tarde passou a ser compartilhada pelos demais apóstolos, segundo se vê em Jo 20:19-23.

3. Entretanto, a autoridade entra em vigor com mais poder quando se alicerça sobre uma larga base; portanto, a igreja, por si mesma (mediante o voto democrático), tornou-se uma autoridade, substituindo os sinédrios locais. (Ver Mt 18:15-18 quanto a isso).

4. A democracia é uma base excelente para a autoridade, porquanto promove a vontade da maioria, e assim deve ser aceitável para a maioria. Portanto, há certa sabedoria na democracia.

 

Deve-se observar que nessa lista todos os nomes são gregos. Apesar de ser verdade que muitos judeus da Palestina tinham também um nome grego, além do nome hebraico, é bem provável que a maioria desses diáconos se compusesse de judeus helenistas. Parece quase certo, portanto, que a queixa acerca das viúvas se originara entre os judeus helenistas. E isso fez, naturalmente, com que a maioria dos indivíduos escolhidos para cuidar do problema tivesse sido selecionada dentre os helenistas. Todavia, a menção de Nicolau, prosélito de Antioquia, mui provavelmente significa que ele era gentio puro quanto à sua raça, embora se tivesse convertido anteriormente ao judaísmo, e, subsequentemente, ao cristianismo. Os diáconos restantes dessa lista certamente eram judeus de raça, membros da dispersão, que falavam o idioma grego, tendo sido criados em centros culturais predominantemente greco-romanos. (Ver a nota expositiva sobre o primeiro versículo, quanto ao vocábulo «helenistas»).

 

As Características De Estêvão

 

1. Ele foi um dos personagens secundários mais distintos do N.T. Era homem dotado de dons espirituais e tinha considerável estatura espiritual.

2. Ele serve de clara demonstração do fato de que os primeiros diáconos não atendiam somente às coisas materiais, em seu ministério.

3. Juntamente com Jesus e seus apóstolos, a Estêvão são atribuídas operações de sinais e maravilhas, veremos mais na lição 07.

4. Estêvão mostrou ser homem dotado de graça singular, debaixo da perseguição, pois, tal como seu Senhor, ele orou solicitando o perdão para seus algozes. (Ver At 7:60 e comparar com Lc 23:34).

5. Estêvão obteve a distinção de haver sido o primeiro mártir cristão. Tornou-se assim o cabeça de uma imensa companhia espiritual.

6. Sua vida influenciou a Paulo, podemos estar certos, e essa foi uma de suas mais significativas contribuições para a causa cristã.

7. A execução de Estêvão foi ilegal, mas Josefo mostra-nos que tais execuções, mesmo no recinto do templo, não eram raras. Pilatos, mui provavelmente, fechou os olhos para o caso, ignorando o incidente.

 

O sermão de Estêvão bem como o incidente inteiro de sua morte por martírio, forma um marco muito importante na história da igreja cristã; e isso pelas razões que aduzimos abaixo:

1. Por causa da morte de Estêvão rebentou uma perseguição contra os cristãos (ver o oitavo capítulo de Atos), que só serviu para espalhar mais ainda o testemunho e a expressão da igreja primitiva.

2. A morte de Estêvão foi um fator que eventualmente conduziu Saulo de Tarso aos pés de Cristo (ver At 7:58; 8:1,3 e 22:20).

3. Embora não tivesse sido através do sermão de Estêvão que foi pela primeira vez proclamada a missão universal do evangelho, pelo menos o evangelho foi nessa ocasião mais claramente delineado e enfatizado, porque ele mostrou que a presença de Deus não pode ser localizada.

4. O sermão de Estêvão também demonstrou a atitude perpétua de desobediência por parte da nação de Israel. Por isso é que o tratamento que haviam dado ao Senhor Jesus não era nenhuma novidade, e, sim, a mera continuação de uma desobediência secular. Estêvão mostrou que Abraão e José viveram como peregrinos, e que até mesmo Moisés fora repelido por seus irmãos de raça. Por conseguinte, não deveria constituir surpresa que uma geração inteira de peregrinos se tivesse desenvolvido no cristianismo, e nem que o seu Senhor e Messiashouvesse sido rejeitado pelos judeus.

 

Abaixo oferecemos alguns detalhes mais específicos sobre a pessoa de Estêvão. O seu nome significa «coroa», e é muito significativo que tivesse sido Ele o primeiro a receber a coroa do martírio, ocorrência essa que, naqueles tempos, se foi tornando acontecimento gradualmente mais comum. Assim é que, quando do concílio de Nicéia dificilmente havia qualquer de seus representantes que não trouxesse alguma marca visível de injúria física, recebida por estar vinculado ao Senhor Jesus; e dificilmente havia alguma família na igreja cristã que não houvesse perdido ao menos um de seus membros como mártir pela causa de Cristo. De fato, começaram a formar-se clubes de mártires, cujos membros buscavam ativamente o martírio, a maioria dos quais não se desapontou nessa busca. Isso obrigou eventualmente às autoridade cristãs a se pronunciarem contra tal prática. Tudo isso contribui para mostrar-nos até que ponto as perseguições contra os cristãos, iniciadas sanguinariamente na execução de Estêvão, se desenvolveram e intensificaram.

 

Alguns estudiosos veem, no sermão de Estêvão, evidências de que ele não era natural de Jerusalém, e sim«nascido no estrangeiro»; e essa conclusão mui provavelmente é correta. A luz de sua conexão com a sinagoga dos «libertos», tem-se inferido que ele era um daqueles libertos vindos de Roma, isto é, descendente de judeus que haviam sido levados para Roma como escravos, mas que eventualmente, por diversos meios, obtiveram a sua liberdade, e talvez até mesmo a cidadania romana, em vários casos. Quando Tácito (Anais ii.85) descreve a expulsão dos judeus de Roma, por ordem de Cláudio, fala sobre quatro mil libertos, aos quais intitula «da classe dos libertinos», que teriam sido banidos para a ilha de Sardenha, no mar Mediterrâneo. Com base nesse informe histórico é que alguns eruditos têm suposto que Estêvão fosse natural da Sardenha.

 

Há também uma tradição que circulou, pelo menos até os começos do século IV de nossa era, que também foi aceita por Epifânio (que viveu nesse século; ver Haer. xx.4), no sentido de que Estêvão e Filipe eram integrantes do grupo especial de setenta discípulos do Senhor Jesus, segundo se lê no décimo capítulo do evangelho de Lucas, cuja missão simbolizava a admissão das nações gentílicas no reino de Deus, conforme transparece nos trechos de Lc 9:52 e 17:11. Entretanto, essa tradição é de data bem posterior, não havendo realmente qualquer alicerce histórico para ela, e nem possuímos quaisquer meios para julgar a sua veracidade.

 

Estêvão era homem cheio de fé e do Espírito Santo. A fé é um aspecto do fruto do Espírito Santo, um desenvolvimento espiritual no crente, que resulta do poder transformador do Espírito que habita no crente, uma evidência da graça divina em sua vida. A fé é mãe de todas as demais graças e virtudes cristãs. A atuação do Espírito Santo pode ser imitada fraudulentamente, mas o serviço cristão contínuo e frutífero só pode ser produto da influência verdadeira exercida pelo Espírito de Deus, e um fruto espiritual autêntico é a prova suprema de sua presença.

 

«...Filipe...» De conformidade com a tradição registrada por Epifânio (Haer. xx.4), corrente no quarto século da era cristã, juntamente com Estêvão, Filipe teria sido membro do grupo especial de setenta discípulos missionários, descritos no décimo capítulo do evangelho de Lucas. Todavia, essa tradição não conta com bases históricas e no presente não nos resta nenhum meio de averiguarmos a veracidade ou a falsidade dessa questão. Após o martírio de Estêvão, quando começaram as perseguições contra os cristãos, Filipe levou o evangelho à Samaria, onde o seu ministério se mostrou extremamente frutífero (ver At 8:5-13). De Samaria ele foi para o sul, pela estrada de Jerusalém a Gaza, a fim de levar o eunuco etíope aos pés de Jesus Cristo, do que também se originou a igreja cristã no continente africano. (Ver At 8:26-38). Dali Filipe se dirigiu a Azoto, que os filisteus chamavam de Asdode e partindo dali ele dirigiu um ministério itinerante que o levou até Cesaréia (ver At 8:39,40), onde evidentemente se estabeleceu, conforme se pode depreender de At 21:8. Passou a ser então conhecido como evangelista, título esse que era usado para distingui-lo do apóstolo do mesmo nome. Filipe tinha quatro filhas que eram profetisas (ver At 21:9), e isso nos deixa perceber a elevada qualidade de vida em família que prevalecia no lar de Filipe.

 

Dentro da história eclesiástica, Eusébio e outros escritores antigos confundiram o apóstolo Filipe com o evangelista Filipe, cuja carreira começou como um dos sete primeiros diáconos da igreja de Jerusalém. Eusébio(História Eclesiástica iii.31,39, v. 24) informa-nos que Filipe e suas filhas viviam em Hierápolis. Nos dias de Eusébio, o túmulo de Filipe e de suas filhas profetisas podia ser visto naquele lugar; e a essa informação Eusébio acrescenta a citação de At 21:8,9. Porém, essa referência visa bem definidamente o diácono-evangelista, e não o apóstolo. Contudo, a maioria dos eruditos acredita que nesse caso está em foco o apóstolo Filipe, a despeito da confusão criada por Eusébio, que talvez tivesse em vista ao evangelista, e não ao apóstolo. Histórias e tradições subsequentes (que surgiram após ter sido escrito o livro de Atos) são confusas e discrepantes, sendo que também nada de certo se pode deduzir por elas. Os martirologistas gregos faziam de Filipe, em data posterior, bispo de Trales, na Lídia. Os escritores latinos, contudo, afirmam que ele permaneceu em Cesaréia, tendo ali terminado os seus dias. A verdade é que em todas as narrações antigas transparece certa confusão entre o apóstolo Filipe e o evangelista Filipe.

 

É interessante observarmos que, neste livro de Atos, tanto Estêvão como o evangelista Filipe ocupam uma atenção maior do que aquela dada à maioria dos doze apóstolos, pois pelo menos muitas coisas nos são contadas sobre esses dois personagens, ao passo que o material dedicado aos apóstolos, excetuando os casos de Pedro e Paulo, é extremamente escasso.

 

«...Prócoro...» Esse homem é mencionado exclusivamente neste versículo, o que não nos permite fazer qualquer ideia sobre ele, além do que as Escrituras aqui nos informam, de que ele foi um dos sete diáconos originalmente selecionados pela igreja de Jerusalém. Todavia, tradicional­mente, Prócoro é o autor do livro Atos de João. Porém, trata-se de uma obra apócrifa e fabulosa sobre o apóstolo João. É extremamente improvável que tal livro tenha sido escrito por Prócoro, um dos sete diáconos originais da igreja de Jerusalém. Essa tentativa foi feita para que o citado livro se escudasse sobre a autoridade de Prócoro, como suposta testemunha ocular dos labores do apóstolo João. No entanto, pouco ou nada existe capaz de autenticar essa obra. Essa obra apócrifa, «Atos de João», apresenta Prócoro como companheiro desse apóstolo e seu biógrafo. A arte bizantina faz o apóstolo João dedicar o seu evangelho a Prócoro. Há também uma outra tradição que ajunta que Prócorofoi consagrado por Pedro como bispo da Nicomédia. Porém, nenhuma dessas tradições é digna de confiança.

 

«...Nicanor...» Não possuímos quaisquer informações certas, bíblicas ou extra bíblicas sobre esse personagem; e a tradição que assevera que ele sofreu martírio na mesma ocasião em que Estêvão foi executado, sem dúvida é totalmente fictícia.

 

«...Timão, Pármenas...» Acerca desses homens também nada se sabe, bíblica ou extra biblicamente, além do fato de que foram dois dos primeiros diáconos da igreja de Jerusalém.

 

«...Nicolau, prosélito de Antioquia...» É bem possível que se faça menção aqui ao fato de que era «prosélito», a fim de mostrar que era gentio puro. O mais certo é que primeiramente se tenha tornado prosélito do judaísmo, e depois se converteu ao cristianismo. Tradicionalmente, esse homem é o fundador da seita herética dosnicolaitas, que podia ser encontrada em Éfeso e em Pérgamo, além de outras localidades, condenada em Ap2:6,15. Tem sido dito acerca dele que ensinava os homens a «abusar da carne» (ver Clemente de Alexandria,Strom. iii.4; Eusébio, História Eclesiástica iii.29). No entanto, Clemente de Alexandria descreveu Nicolau como homem bom, embora houvesse nessa época uma seita que praticava a troca de esposas, escudando-se sobre a suposta autoridade de Nicolau. É evidente que os nicolaitas procuravam obter uma posição de transigência com o paganismo, a fim de permitir aos cristãos participarem de vários costumes e tradições locais, sem qualquer embaraço. Alguns estudiosos têm procurado identificar os nicolaitas com os indivíduos atacados nos trechos de II Pe 2:15 e Jd 11, supondo que sua principal heresia consistia na defesa à lassidão sexual. Existem referências, nos escritos de Irineu, Clemente e Tertuliano, que indicam que essa seita gradualmente se foi identificando como uma organização gnóstica, cujas origens remontavam ao ano 200 D.C. Todavia, outros intérpretes têm negado haver qualquer conexão entre a seita dos nicolaitas e Nicolau, afirmando que o termo «nicolaita» se deriva da forma helenizada do apelativo hebraico Balaão. Por conseguinte, essa seita não teria tido existência real, mas apenas alegórica, pelo que também não teria tido relação alguma com o diácono Nicolau. Tal termo—nicolaitas, portanto, podia ser usado de forma lata, por diversos grupos de expressão religiosa duvidosa. Alguns eruditos chegam mesmo a crer que as tradições que identificam o diácono Nicolau com qualquer culto herético primitivo são tão indignas de confiança como aquelas outras que dizem respeito aos Atos apócrifos escritos supostamente por Prócoro, segun­do se vê nas notas expositivas acima sobre «Prócoro».

 

«...prosélito de Antioquia...»

 

Isso não indica que os outros diáconos não pudessem ter sido prosélitos, primeiramente do judaísmo e então do cristianismo. O mais provável é que tal epíteto significava que Nicolau foi a primeira pessoa a alcançar projeção, na igreja cristã primitiva, a não perten­cer à descendência de Abraão; e através desse fato o rápido avanço da igreja cristã por território não-judaico é aqui introduzido. Toda essa seção quase certamente se deriva de uma fonte informativa antioqueana, questão essa comentada na introdução a este capítulo. Agora a igreja cristã se afastava paulatinamente de sua expressão judaica; e esses homens representam essa expansão.

 

6:6: e os apresentaram perante os apóstolos; estes, tendo orado, lhes impuseram as mãos.

 

Vemos aqui o rito da imposição de mãos. Tal rito se fundamenta nas páginas do A.T., onde simboliza o recebimento de algum poder vital, como transferência de poder de uma pessoa para outra. Assim é que ao nomear Josué como seu sucessor, Moisés lhe impôs as mãos, acerca do que lemos que assim lhe infundiu, algo de sua «...autoridade...» (ver Nm 27:20,23). A cura de enfermidades era por semelhante modo efetuada através da imposição de mãos; e neste último caso os estudos da moderna parapsicologia têm mostrado que há transmissão de uma força real qualquer. Alguns têm pensado que assim também acontecia no caso da consagração de ministros, na igreja primitiva, pois, através desse ato, o Espírito Santo descia sobre os candidatos ao ministério de forma toda especial, a fim de que pudessem ter os dons (no grego, charisma) necessários para desempenho de suas funções. Essa parece ser a indicação dada pelo trecho de I Tm 4:14, no caso da consagração de Timóteo. É possível, por conseguinte, que no começo da história da igreja cristã, quando os dons miraculosos eram comuns, poderes reais fossem transmitidos por meio desse rito. Isso faria da imposição de mãos não uma mera cerimônia, em reconhecimento de dons espirituais já possuídos pelo indivíduo em questão, mas antes, uma aprovação e comissão dada a essa pessoa, para o seu labor cristão.

 

Na passagem de At 13:3, entretanto, vemos a imposição de mãos usada no caso de Paulo e Barnabé, que os comissionou para a sua primeira viagem missionária; e à luz desse texto citado, poderíamos argumentar que nenhum novo derramamento do poder do Espírito Santo é ali subentendido, porquanto tanto Paulo como Barnabé já haviam recebido a sua unção especial da parte do Senhor. No entanto, uma nova unção lhes poderia ser conferida, para alguma nova tarefa. Qualquer que seja a verdade em torno dessa questão, o texto sagrado mostra-nos que esse rito era usado mais largamente do que apenas para aprovar a consagração de alguém a diversos ofícios, porquanto podia também assinalar outros eventos importantes do ministério da Palavra.

 

Esse emprego principal do rito da imposição de mãos era o sinal formal de que alguém fora consagrado a este ou aquele ofício, o que se verifica até mesmo no caso do sinédrio, em que novos membros eram recebidos através dessa cerimônia. Além disso, o rito da imposição de mãos, e não o batismo em água, parece ter estado vinculado, desde o princípio, à doação do Espírito Santo, como doação inicial, e não meramente para a realização de um ofício qualquer. (Ver At 19:5,6 e 8:17).

 

A passagem de Hb 6:2 faz alusão ao ensino sobre os batismos e a imposição de mãos, sem dúvida dando a entender que tais ritos eram usados no caso dos convertidos, a fim de que pudessem ser recebidos na comunhão da igreja primitiva, mediante tal cerimônia. Alguns estudiosos também têm conjecturado que o rito de imposição de mãos era igualmente usado no caso do recebimento de desviados de volta ao redil da igreja. Embora se possam descobrir muitos usos para esse rito, o uso dominante, tanto na igreja primitiva como na moderna igreja evangélica, diz respeito à consagração de alguém para um ofício ou missão especial. Crisóstomodeclarou acerca dessa questão: «As mãos dos homens são impostas; mas a obra toda é de Deus. E é a sua mão que toca na cabeça do candidato, contanto que esteja sendo corretamente consagrado».

 

A forma mais primitiva do rito de imposição de mãos se encontra nas religiões antigas, que se utilizavam de grande variedade de métodos, como parte da invocação das bênçãos divinas (ver Lv 9:22; Eclesiástico 1:20 e Lc 24:50). O ritual sacramental dos judeus, como no caso do bode que simbolicamente levava os pecados do povo para o deserto (ver Lv 16:21), é outro exemplo disso. Ritos similares acompanhavam as ofertas queimadas, pacíficas e a consagração de sacerdotes, conforme se lê nos trechos de Lv 1:43; 24:4 e Nm 7:12. Nessas cerimônias, a ideia dominante é a da transferência do poder, da bênção ou da culpa. A transferência da bênção para outrem necessariamente subentendia a aprovação do indivíduo envolvido, para qualquer ofício ou missão por causa do que fora realizada a cerimônia.

 

O ofício dos diáconos. (Quanto a notas expositivas sobre o «ofício dos diáconos», além dos comentários aqui fornecidos, ver o segundo versículo deste mesmo capítulo).

 

1. Teve por origem a controvérsia que surgiu em torno do cuidado pelas viúvas da igreja de Jerusalém, tendo surgido para providenciar os problemas materiais mais essenciais da comunidade cristã; porém, o fato de que era exigido daqueles homens que fossem dotados de elevadas qualificações espirituais, mostra-nos que o trabalho material não era única responsabilidade e labor de que estavam investidos.

2. O ofício diaconal desenvolveu-se e expandiu-se, e os indivíduos nomeados para o mesmo tornaram-se líderes da igreja cristã de muitos outros modos, além de cuidarem do recolhimento das esmolas, embora isso fizesse parte mais importante da vida piedosa, na igreja primitiva, do que estamos acostumados a ver nas modernas igrejas evangélicas. (Quanto a essa questão, ver At 3:2). Por isso é que no N.T. aparecem as histórias relativas aEstêvão e Filipe, os quais não ficaram muito atrás dos próprios apóstolos no que tange ao poder espiritual e à eficácia de seu ministério de evangelismo.

3. Com base no trecho de I Tm 3:8, além do Didache, e dos escritos de Clemente, vemos que o ofício diaconal era reputado quase paralelo ao ofício dos «bispos» ou anciãos. Parece mesmo que os diáconos eram os assistentes mais diretos dos anciãos ou pastores, especialmente por ocasião da celebração da Ceia do Senhor e da consagração de discípulos.

4. Porém, aqui, no livro de Atos, não devemos procurar encontrar tais distinções, porquanto, neste livro histórico, os diáconos se assemelhavam mais a «anciãos» espiritualmente poderosos, que ocupavam a primeira posição de autoridade e poder, depois dos apóstolos. As palavras «apóstolos e anciãos», que se referem aos doze apóstolos e aos sete diáconos, além de outros elementos investidos de grande autoridade, não fazem ainda a distinção a uma terceira classe, a dos «diáconos», os quais, mais tarde, vieram a ocupar ainda um terceiro lugar, após os «anciãos» e os apóstolos. Portanto, por esta altura dos acontecimentos, segundo a narrativa do livro de Atos, ainda não havia atingido o ministério o desenvolvimento que atingiu anos mais tarde, segundo se depreende especialmente pelas epístolas pastorais, escritas por Paulo.

5. No livro de Atos, os sete se conduziam muito mais como administradores e anciãos da igreja local; porém, também mostraram ser missionários de elevada categoria. Por essa razão é que Crisóstomo acreditava que os «sete» não eram «nem presbíteros e nem diáconos», mas antes, ocuparam um ofício sem igual, quase paralelo ao do apostolado. Essa observação de Crisóstomo é parcialmente válida, apesar de que não há ainda razão em supormos que, com base nessa ação tomada pela igreja primitiva, no começo quase de sua história, consagrando aos «sete», as sementes dos ofícios de «ancião» e «diácono» tivessem sido semeadas, e que ambos esses ofícios tenham resultado dessa consagração especial dos «sete».

 

No que diz respeito à origem do ofício de diáconos, Adam Clarke (in loc.) apresenta-nos o seguinte comentário:«O ofício de diácono (no grego, 'diakonos') chegou ao meio cristão através da congregação judaica. Toda a sinagoga tinha ao menos três diáconos, os quais eram chamados 'parnasim', palavra essa derivada do vocábulo 'parnes', que significa alimentar, nutrir, sustentar, governar. O 'parnas' ou 'diácono' era uma espécie de juiz na sinagoga; e de cada um deles se requeria doutrina e sabedoria, a fim de que pudessem discernir e passar julgamento justo, tanto nas questões sagradas como nas questões civis. O 'chzan' e o 'chamash' eram também ofícios parecidos com o do diaconato. O primeiro era o delegado do sacerdote, e o outro, pelo menos em alguns casos, era o deputado desse delegado, isto é, uma espécie de 'subdiácono'. No N.T. os apóstolos são intitulados igualmente como 'diáconos' (ver II Co 6:4; Ef 3:7 e Cl 1:23; ver também II Co 9:15). O próprio Cristo, Pastor e Bispo das almas, é chamado diácono da circuncisão (ver Rm 15:8). Visto que essa palavra implica ministrar ou servir, ela é variegadamente aplicada para todos aqueles que eram empregados na tarefa de ajudar os corpos ou as almas dos homens; sem importar se fossem apóstolos, pastores, ou até mesmo aqueles a quem chamamos de diáconos. Assim, pois, havia diáconos que serviam às mesas (esmolas) e que serviam à 'Palavra' (aqueles cuja missão consistia em pregar e instruir o povo de diversas maneiras)».

 

6:7: E divulgava-se a palavra de Deus de sorte que se multiplicava muito o número dos discípulos em Jerusalém e muitos sacerdotes obedeciam à fé.

 

Temos aqui um outro sumário do progresso da igreja cristã, o que, neste livro de Atos, assinala o fim de alguma seção importante da obra. No entanto, é um sumário de natureza indefinida, porquanto não fornece qualquer estatística sobre o número dos convertidos, embora isso algumas vezes tenha sido feito, como se vê nos trechos de At 2:41 e 4:4, onde são mencionados, respectivamente, três mil e cinco mil membros adicionados à comunidade cristã. Também é possível que em At 4:4 esteja indicado o número total aproximado dos membros da igreja por aquela altura dos acontecimentos.

 

Sacerdotes judeus recebem o evangelho. Somente neste versículo, em todo o livro de Atos, é que encontramos qualquer declaração no sentido de que o evangelho cristão fazia qualquer impressão sobre a casta sacerdotal judaica. O trecho de Jo 12:42 encerra uma nota similar a esta, observando que muitas das «próprias autoridades» criam em Cristo, embora nunca tivessem declarado a sua fé, por receio de serem expulsos dasinagoga. Essa referência às «autoridades» não pode ser limitada aos membros do sinédrio em seu alcance, embora pelo menos Nicodemos e José de Arimatéia, que eram membros do sinédrio, houvessem confiado verdadeiramente em Cristo Jesus. Porém, além desses, pouquíssimos outros dos membros do sinédrio depuseram fé em Jesus como o Messias. Contudo, havia muitos rabinos nas sinagogas, além de muitos sacerdotes no templo, estando em foco particularmente os levitas e os vários grupos de sacerdotes que cuidavam do templo e tinham por atribuição os diversos serviços ali prestados. (Quanto aos «sacerdotes», ver Lc1:5,8,9; sobre os «levitas», ver Lc 10:31,32; sobre os «principais sacerdotes», ver Mt 21:23; sobre os «escribas», ver Mc 3:22; sobre os «fariseus», ver Mc 3:6; sobre os «saduceus», ver Mt 22:23; sobre o «sinédrio», ver Mt 22:23 e Jo 11:47; sobre os «essênios», ver Lc 1:80 e Mt 3:1; sobre os «herodianos», ver Mc 3:6; e sobre os «zelotes», ver Mt 10:4).

 

Essa declaração acerca da fé que muitíssimos sacerdotes punham em Cristo, serve para mostrar-nos que embora a nação de Israel, em sua esmagadora maioria, tivesse continuado em sua atitude de rejeição ao seu próprio Messias, contudo, em todos os níveis da sociedade judaica, incluindo as classes dominantes e indivíduos de reconhecida piedade, muitos chegaram a perceber a veracidade da mensagem cristã, tendo-se passado de todo o coração para a nova comunidade dos seguidores de Jesus Cristo. Naturalmente, muitos desses homens continuaram certamente a realizar os seus deveres religiosos no templo de Jerusalém, porquanto o tempo certo para o rompimento formal entre o judaísmo e o cristianismo ainda não havia chegado.

 

Provavelmente essa menção da conversão de muitos sacerdotes à fé é feita a fim de deixar entendida uma das razões da grande perseguição que não demorou a rebentar contra os cristãos, a começar pelo martírio de Estêvão; porquanto passou a ser uma situação impossível para o sinédrio contemplar impassivelmente muitos importantes membros de sua comunidade confessarem abertamente a Jesus Cristo.

 

«...crescia a palavra de Deus...» Não há aqui qualquer pensamento em torno da Palavra escrita de Deus, envolvendo o Antigo ou o Novo Testamento. (O N.T., por essa época, ainda não estava formado, pois a maioria de seus livros ainda não fora escrita). Pelo contrário, está aqui em foco a mensagem da igreja cristã primitiva acerca da missão messiânica e do Senhor Jesus, isto é, a mensagem toda que a igreja primitiva anunciava concernente a Jesus, o Cristo, o Filho de Deus, o Salvador, o Juiz e o Rei vindouro. Essa mensagem, pois, é aqui intitulada «palavra de Deus», porque em Cristo Deus apusera o seu selo de aprovação, e através dele é que transmitia a sua mensagem ou palavra de redenção e glória para os homens.

 

«...obedeciam à fé...» Essas palavras podem indicar mais de uma coisa, a saber:

 

1. Pode tratar-se simplesmente da fé em Cristo, isto é, a confiança pessoal depositada nele, em sua pessoa, em suas obras e em suas reivindicações. Sem dúvida alguma, esse é o uso mais comum dessa expressão. (Ver At16:31 e Ef 2:8,9).

2. Porém, também pode significar confiança na doutrina cristã, caso em que a palavra fé é utilizada como termo que indica a doutrina em torno da pessoa de Cristo; esse é o uso «eclesiástico» do termo, conforme alguns lhe chamam. Essa «fé», portanto, seria uma referência ao «evangelho», isto é, ao sistema da fé cristã. (Ver Rm 1:5; Gl 1:23 e Jd 3 quanto ao uso dessa palavra).

 

Os intérpretes diferem quanto ao sentido da expressão, neste caso; porém, a segunda possibilidade, mui provavelmente, é a correta. A fé no evangelho cristão, como é natural, implica na fé pessoal em Jesus como Salvador, de tal modo que a segunda posição necessariamente subentende a primeira.

 

(Quanto à questão da obediência à fé ou evangelho, que nega a teoria do crer somente, tão prevalente hoje em dia nas igrejas evangélicas, ver sobre At 5:32). O assentimento mental e a aprovação verbal a um credo, bem como a aceitação de algumas formas rituais e públicas, como credo, ainda não perfazem a fé, e nem equivalem à obediência da fé.

 

Bibliografia R. N. Champlin

 

Spence (in loc.) acompanha as diversas menções aos «diáconos», quanto à localização geográfica e quanto à passagem do tempo:

 

Jerusalém:           55 D.C.                — I Co 12:28

Roma:                  58-59 D.C.           — Rm 12:7

Filipos:                64.D.C.                — Fp 1:1

Éfeso:                   66 D.C.                — I Tm 3:8,13

Ásia Menor:          63-69 D.C.           — I Pe 4:11

138-140 D.C.       — Justino Mártir, Apologia, i.65,67.

 

É possível que os socorros, que figuram em I Co 12:28, incluam os diáconos. Pode haver também alusão aos mesmos tanto em Rm 12:7 como em I Pe 4:11. Entretanto, algumas dessas referências talvez não digam respeito a eles.

 

1. Respeitáveis. No grego é «semnos», que significa «digno de respeito», «nobre», «digno», «sério». Tal vocábulo é usado acerca dos homens idosos, em Tt 2:2. Indica igualmente a «reverência» que alguém deve ter pelos seres sobrenaturais, em Sb. 4094. É termo usado em Fp 4:8; Tt 2:2 e novamente em I Tm 3:11. «A palavra que ora consideramos combina o senso de seriedade e dignidade com a ideia de reverência». (Trench, in loc). Sim, os diáconos devem ser homens de aspecto digno, mostrando-se intensos nessa qualidade.

 

2. De uma só palavra. Estas palavras representam o grego dilogos, que pode significar «de língua dupla», isto é,insincero, no sentido de alguém dizer uma coisa mas querer dar a entender outra, ou de dizer algo para alguém e dizer algo diferente para outrem, sobre a mesma questão. Os líderes da igreja com frequência agem como mediadores entre partes em conflito. E por muitas vezes são tentados a falar de diferentes modos e tons para pessoas diversas, ocultando informes para alguns e revelando-os para outros. Um diácono deve manter total honestidade e franqueza ao tratar com todos, sem qualquer favoritismo.

 

3. Não inclinados a muito vinho. As pressões do serviço, os hábitos e costumes antigos, as tendências biológicas pessoais, podem fazer um líder da igreja inclinar-se para o excesso de ingestão de bebidas alcoólicas, o que pode suceder a qualquer outra pessoa. Se alguém não pode controlar essa tendência, não pode estar qualificado para liderança na igreja, pois não tardará a fazer seu ofício naufragar, trazendo desgraça à igreja. Outro tanto pode ser dito acerca de qualquer droga ou estimulante artificial que destrua o bom senso do indivíduo, e que o coloque na categoria daqueles que têm um caráter débil. A abstinência total não é imposta no caso dos diáconos. Porém, devido a associação do álcool a outros vícios é bom que um líder cristão seja total abstêmio. O termo grego usado é prosecho, que significa «voltar a mente para», «dar atenção a», «dedicar-se a». Um líder cristão não pode demonstrar tendência para com o vício do alcoolismo, ver I Tm 3:3 e Ef 5:18.

 

4. Não cobiçosos de sórdida ganância. Esse defeito é igualmente repreendido, embora com palavras diferentes, no caso dos supervisores (ver o terceiro versículo deste capítulo na ajuda 3). O termo grego aqui usado é «aischrokerdes», a adição textual àquele versículo, usado novamente em Tt 1:7. Pode significar «ganho desonesto» ou, simplesmente, cobiça pelo ganho. Um líder da igreja não pode fazer de seu ofício um meio de enriquecer-se, conforme muitos têm feito através da história. O seu propósito deve ser antes a dedicação a seu trabalho; e ele deveria investir o máximo de volta no seu trabalho, para enriquecer a este, e não a si mesmo. Isso será sinal de um servo de Cristo verdadeiramente dedicado, que não é um mercenário.

 

Aristófanes, em sua obra Paz, 622, alista dois vícios em que mais se destacavam os espartanos, isto é, a «sórdida cobiça pelo lucro» (a mesma palavra aqui utilizada) e a traição, mascarada de hospitalidade. Ora, essa «sórdida cobiça pelo lucro» é algo que jamais deve caracterizar aquele que serve a Cristo na igreja; embora isso não seja fenómeno desconhecido entre os líderes cristãos. Tal pecado é especialmente tentador para um diácono, que tem a responsabilida­de de manusear o dinheiro na igreja. Pode ser tentado a furtar parte do mesmo, ou então devido a seu contato constante com o mesmo, pode ser encorajado a pensar sobre modos e meios de enriquecer-se através da administração de seu ofício.

 

I Tm 3:9: guardando o mistério da fé numa consciência pura.

 

5. Fidelidade. No grego a ideia de «guardar» vem do verbo echo, que significa «ter», «possuir», indicando o caráterda pessoa. O diácono é o guardião do mistério.

 

Mistério, ver Rm 11:25. Normalmente, no contexto neotestamentário, essa palavra indica alguma verdade divina, antes oculta, mas agora revelada, de forma a tornar-se uma «verdade franqueada». Os gnósticos davam grande importância aos seus próprios supostos «mistérios», ao seu «conhecimento secreto», que eles revelavam exclusivamente a alguns poucos iniciados; e a escolha dessa palavra, neste caso, provavelmente é reprimenda indireta contra a doutrina gnóstica, a heresia tão frequentemente combatida nas epistolas pastorais. Ver o artigo sobre Gnosticismo. — O único outro lugar, nestas epístolas, onde esse vocábulo é empregado, é no décimo sexto versículo deste mesmo capítulo, onde é apresentado um dos principais mistérios do N.T.

 

Da fé. Neste caso devemos pensar na fé «objetiva», isto é, a revelação ou doutrina cristã. (Ver I Tm 1:2 quanto a esse sentido «objetivo» da palavra «fé»). Mas tal termo também pode ser empregado em sentido subjetivo,indicando a confiança pessoal e a outorga da própria alma aos cuidados de Cristo. Além disso, essa palavra pode indicar uma «virtude», paralelamente a muitas outras virtudes cristãs, que são aspectos diversos do «fruto do Espírito» (ver Gl 5:22,23). Porém, quando a «fé» é uma virtude, então deve ser reputada como mera extensão da fé subjetiva, ou seja, a fé subjetiva em operação.

 

O mistério da fé significa que a doutrina cristã contém muitas revelações admiráveis, «segredos abertos» para beneficio da humanidade. Há o Cristo, o Salvador, e suas boas-novas de redenção; há as boas-novas da glorificação e da vida eterna. E todos esses elementos são «segredos franqueados», são verdades divinas que antes estavam ocultas, mas que agora nos foram desvendadas. Conforme diz Vincent (in loc): «O mistério da fé é o tema da fé; é a verdade que serve como sua base, que fora mantida oculta desde a fundação do mundo, até ter sido revelada no tempo determinado, que é um segredo para os olhos comuns, mas que a revelação divina torna conhecida».

 

Pode-se notar, em Rm 16:25, que há uma revelação do mistério, que fora mantido em segredo desde que o mundo começou. Ora, tudo isso está envolvido no «evangelho» e na «pregação de Jesus Cristo», conforme aquele mesmo versículo o declara. O líder cristão deve conhecer essas verdades, deve honrá-las e deve propagá-las. Ele é o guardião das mesmas, bem como seu representante. Outrossim, deve confiar pessoalmente nesses mistérios, tornando-os conhecidos de outros mediante sua pregação e ensino. Também deve «defendê-las» contra os falsos mestres, o que é uma das ênfases constantes das epístolas pastorais. (Ver I Tm 1:18,19). O décimo nono versículo dessa passagem usa a expressão «...mantendo fé...», que é expressão sinônima àquela usada no presente versículo.

 

Com a consciência limpa. (Comparar novamente com I Tm 1:19). O autêntico ministro de Cristo deve ser dotado de «boa consciência». O trecho de II Tm 1:3 contém a expressão «consciência pura», embora no grego apareça exatamente a mesma expressão, «kathara suneidesei». O adjetivo grego é katharos, que quer dizer «puro», «limpo», e que tem inúmeras aplicações. Pode significar fisicamente limpo, cerimonialmente puro, mas, tal como aqui, pode exibir o sentido de «pureza moral». Um líder cristão deve ser isento de vícios degradantes, como os pecados sexuais, a desonestidade e a cobiça. Tudo isso, naturalmente, fala sobre a sua «santificação». (Ver I Ts 4:3). É necessário, pois, que o líder cristão não apenas creia nos mistérios do evangelho mas os aceite. É preciso que esses mistérios operem nele, transfor­mando-o conforme a imagem moral de Cristo, que deve ser o modelo de todo o homem de Deus, pois, do contrário, dificilmente estará apto para ser um dos líderes da igreja. Além disso, é mister que seja um exemplo de santidade para os outros crentes, porque, do contrário, ter-se-á desqualificado automatica­mente. Deve possuir ele a realidade daquilo que prega, em sua própria vida; de outra maneira, sua pregação será inútil e sem vida.

 

«É como se a consciência pura fosse o vaso onde é preservado o mistério da fé». (Weiss, in loc). Notemos que, em II Ts 2:13, a «santificação» é um dos elos imprescindíveis da salvação. Ninguém tem realmente a Jesus, como seu Salvador, se igualmente não o tiver como seu Senhor, se o senhorio de Cristo não estiver operando nele. E assim, todo o líder cristão deve ter mais que mera atitude intelectual para com o mistério; é necessário que esse mistério se tenha apossado de todo o seu ser e o esteja transformando, porquanto, em caso contrário, na realidade não estará «conservando o mistério da fé». Sem a santificação, ninguém jamais verá a Deus. (Ver Hb12:14). É preciso que um líder cristão, portanto, seja ortodoxo em suas doutrinas, mas também é necessário que seja ortodoxo em sua conduta diária. Caso essa conduta não seja ortodoxa, então será ele um «herege prático», ainda que suas opiniões doutrinárias sejam perfeitas. Ora, um herege prático não pode ser líder na igreja de Cristo, tal como não pode sê-lo um herege doutrinário.

 

«Ê óbvio que não entendo a fé como mera credulidade cega e sem criticas... Não, a fé é antes a 'razão em atitude corajosa', conforme L.P. Jacks a definiu em algum lugar. Consiste em apostamos a própria vida que Deus existe', usando as palavras de Donald Hankey, o 'amado capitão'. Ou então, conforme Josiah Roycedeclarou de certa feifa: A fé é o discernimento da alma, ao descobrir alguma realidade, e que capacita o homem a tolerar qualquer coisa que lhe aconteça no universo». (Albert W. Palmer, Treasury of Christian Faith, pág. 273).

 

Consciência. Temos aqui alusão às faculdades intelectuais e morais do «homem interior», da «alma» ou ser essencial, e que dita para nós o que é certo e o que é errado.

 

I Tm 3:10: E também estes sejam primeiro provados, depois exercitem o diaconato, se forem irrepreensíveis.

 

6. Experimentados (provados) é tradução do termo grego dokimadzo, que significa «provar por meio de teste», palavra usada para indicar o teste das moedas, quanto à qualidade de seu metal. E também indica experimento. Mui provavelmente temos aqui uma alusão ao que já fora dito acerca dos supervisores, no sentido de que não devem ser «novos convertidos». Nenhuma regra é baixada acerca de como esse teste deve ter lugar. Mas certamente isso indica que não podiam ser novos convertidos, e, sim, homens dotados de profunda experiência cristã, de notável desenvolvi­mento espiritual, levantados pelo Espírito Santo dentre os irmãos, distinguidos pelas boas obras e pela fé firme. No contexto do N.T., isso deve significar também aqueles que tinham dotes espirituais, e que já haviam demonstrado a capacidade de usar dos mesmos corretamente. Mui provavelmente não há aqui qualquer alusão a algum «período de prova», costume esse surgido em outra época, como meio de aprovar líderes eclesiásticos. Também deve ter uma boa reputação entre os de fora (conforme se vê no sétimo versículo). Segundo comenta Vincent (in loc): «Não fica aqui implícito algum exame formal, e, sim, referência ao julgamento geral da comunidade cristã, para averiguar se cumprem as condições detalhadas no oitavo versículo deste capítulo. Comparar com os trechos de I Tm 5:22 e II Tm 2:2».

 

Também sejam estes. Estas palavras podem significar: 1. Em adição àquilo que Paulo já dissera, como as qualidades que devem caracterizar os diáconos; 2. ou então «tanto os diáconos», como os supervisores, devem ser homens «provados», uma alusão de volta ao sétimo versículo, acerca de não serem eles «recém-convertidos».

 

7. Irrepreensíveis. No grego é «anegkletos», palavra muito bem traduzida aqui, usada por cinco vezes nas páginas do N.T., isto é, em I Co 1:8; Cl 1:22 e Tt 1:6,7. Um diácono deve ser alguém de tão boa reputação que, ninguém, pertencente aos «de fora» (ver o sétimo versículo), ou do seio da igreja, possa fazer acusação contra ele. Deve ser homem liberto de todos os vícios. Essa palavra é forma privativa de «egkaleo», que quer dizer «acusar», «convocar para acusação». O diácono deve ser livre de toda a «acusação justa», contra qualquer defeito em sua vida que poderia servir de obstáculo ao seu serviço. Deve ser homem dotado de elevado grau de santificação.

 

IV. O Oficio dos Diáconos

 

1. Teve por origem a controvérsia que surgiu em torno do cuidado pelas viúvas da igreja de Jerusalém, tendo surgido para providenciar os problemas materiais mais essenciais da comunidade cristã; porém, o fato de que era exigido daqueles homens que fossem dotados de elevadas qualificações espirituais, mostra-nos que o trabalho material não era única responsabilidade e labor de que estavam investidos.

 

2. O ofício diaconal desenvolveu-se e expandiu-se e os indivíduos nomeados para o mesmo tornaram-se líderes da igreja cristã de muitos outros modos, além de cuidarem do recolhimento das esmolas, embora isso fizesse parte mais importante da vida piedosa, na igreja primitiva, do que estamos acostumados a ver nas modernas igrejas evangélicas. (Quanto a essa questão ver At 3:2). Por isso é que no N.T. aparecem as histórias relativas aEstêvão e Filipe, os quais não ficaram muito atrás dos próprios apóstolos no tocante ao poder espiritual e à eficácia de seu ministério de evangelismo.

 

3. Com base no trecho de I Tm 3:8, além do Didache, e dos escritos de Clemente, vemos que o ofício diaconal era reputado quase paralelo ao ofício dos «bispos» ou anciãos. Parece mesmo que os diáconos eram os assistentes mais diretos dos anciãos ou pastores, especialmente por ocasião da celebração da Ceia do Senhor e da consagração de discípulos.

 

4. Porém, no livro de Atos, não devemos procurar encontrar tais distinções, porquanto, neste livro histórico, os diáconos se assemelhavam mais a «anciãos» espiritualmente poderosos, que ocupavam a primeira posição de autoridade e poder, depois dos apóstolos. As palavras «apóstolos e anciãos», que se referem aos doze apóstolos e aos sete diáconos, além de outros elementos investidos de grande autoridade, não fazem ainda a distinção a uma terceira classe, a dos «diáconos», que, mais tarde, vieram a ocupar ainda um terceiro lugar, após osanciãos e os apóstolos. Portanto, por esta altura dos acontecimen­tos, segundo a narrativa do livro de Atos, o ministério ainda não havia atingido o desenvolvimento que atingiu anos mais tarde, segundo se depreende especialmente pelas epístolas pastorais, escritas por Paulo.

 

5. No livro de Atos, os sete se conduziam muito mais como administradores e anciãos da igreja local; porém, também mostraram ser missionários de elevada categoria. Por essa razão é que Crisóstomo acreditava que os «sete» não eram «nem presbíteros e nem diáconos», mas antes, ocuparam um oficio sem igual, quase paralelo ao do apostolado. Essa observação de Crisóstomo é parcialmente válida, apesar de que não há ainda razão em supormos que, com base nessa ação tomada pela igreja primitiva, no começo de sua história, — consagrando aos «sete», as sementes dos ofícios de «ancião» e «diácono» tivessem sido semeadas, e que ambos esses ofícios tenham resultado dessa consagração especial dos «sete».

 

No que diz respeito à origem do ofício de diáconos. Adam Clarke (em At 6:6) apresenta-nos o seguinte comentário: «O ofício de diácono (no grego, diakonos) chegou ao meio cristão através da congregação judaica.Toda a sinagoga tinha ao menos três diáconos, os quais eram chamados parnasim, palavra essa derivada do vocábulo parnes, que significa alimentar, nutrir, sustentar, governar. O parnas, ou diácono, era uma espécie de juiz na sinagoga; e de cada um deles se requeria doutrina e sabedoria, a fim de que pudessem discernir e passar julgamento justo, tanto nas questões sagradas como nas questões civis. O chzan e o chamash, eramtambém ofícios parecidos com o do diaconato. O primeiro era o delegado do sacerdote, e o outro, pelo menos em alguns casos, era o deputado desse delegado, isto é, uma espécie de 'subdiácono'. No N.T. os apóstolos são intitulados igualmente como diáconos (ver II Co 6:4; 9:19; Ef 3:7 e Cl 1:23). — O próprio Cristo, Pastor e Bispo das almas, é chamado diácono da circuncisão (ver Rm 15:8). Visto que essa palavra implica ministrar ou servir, ela é variegadâmente aplicada para todos aqueles que eram empregados na tarefa de ajudar os corpos ou as almas dos homens; sem importar se fossem apóstolos, pastores, ou até mesmo aqueles a quem chamamos de diáconos.

 

Fonte: Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia