Apostasia
Vem do grego apostasia, «afastamento». Aponta para o abandono deliberado da crença na fé cristã (ou em qualquer fé, anteriormente defendida), por alguém que dizia seguir essa fé. No catolicismo romano, indica a total deserção da fé, ou das santas ordens, ou do estado monástico. O apóstata formal está sujeito à exclusão. Em sentido menos amplo, a palavra é usada para indicar pessoas que deslizam para o descuido e o abandono no tocante à sua fé religiosa, embora, teoricamente falando, continuem crendo em algumas das suas doutrinas.
1. Usos do termo. Em forma nominal, encontra-se somente por duas vezes no Novo Testamento: At 21:21 e II Ts 2:3. É uma forma posterior do grego apóstasis, «manter-se longe de». Foi usada por Plutarco para indicar revolta política, sendo usada na Septuaginta, no sentido de revolta contra Deus (Jo 22:22). É dito sobre Antíoco Epifânio que ele favorecia a apostasia do judaísmo para o helenismo (I Mac. 2:15).
2. No Novo Testamento. Indica um «afastamento», talvez indicando uma «revolta», com o abandono dos princípios básicos do cristianismo. (II Ts 2:3). É a dissolução de qualquer vínculo sério com Deus e com Cristo, paralelamente à rebeldia e à hostilidade para com esses vínculos. Dentro do ponto de vista cristão, a apostasia envolve mais do que a mudança de idéias sobre doutrinas reveladas. A princípio, é a outorga da alma a alguma causa maligna, e não o mero abandono daquilo que antes era professado.
3. A apostasia. O trecho de II Ts 2 e certas descrições no Apocalipse indicam que, no fim dos tempos, antes daparousia, isto é, da segunda vinda de Cristo, ou do início da era áurea ou milênio haverá um afastamento especialmente radical de muitos, que abandonarão a fé cristã. Essa rebelião será encabeçada pelo anticristo. Visto que o anticristo será o «filho» da trindade maligna (Satanás, o anticristo e o falso profeta), por meio dele será adorado o pai dele, Satanás. Quanto a trechos bíblicos que dão informações sobre vários aspectos desse ensino, ver Mt 24:4,5; 10:13; Mc 13:5,6,22; Lc 21:8; I Tm 4:1 ss; II Tm 3:1 ss; Ap 13:8,15. A apostasia promovida pelo anticristo será especialmente maligna, porque ele encabeçará uma forma espúria de cristianismo, dentro do arcabouço de uma religião do mundo. No seio da cristandade, os homens deixarão de prestar lealdade ao Senhorio de Cristo, e não mais haverão de considerá-Lo único e sem-par(Cl 2:18; I Jo 4:1-3; II Pe 2:1). Quanto a descrições dos líderes apóstatas (os gnósticos dos tempos neotestamentários), ver II Tm 4:3; II Pe 2:1-19; Jd 4,8,11,13,16. «Eles saíram de nosso meio, entretanto não eram dos nossos» (I Jo 2:19), uma outra declaração a respeito dos gnósticos, é aplicável em espírito a esses desertores. Ramos que antes pareciam participar da vida da vinha, perderão a vitalidade, porque sua união com a vinha será decepada. Por conseguinte, serão lançados fora (ver Jo 15:6).
4. Aspectos históricos da apostasia:
No Novo Testamento, faz-se a distinção entre o apóstata e o herege. Aos crentes é ensinado que tentem preservar a comunhão com os hereges (Tt 3:10),mas a condição dos apóstatas parece ser irreversível (II Ts 2:10-12; II Pe 2:17,21; Jd 11-15; Hb 6:1-6). Naturalmente, essa irreversibilidade não é teórica, porque somente um pecado é considerado imperdoável (Mt 12:31). Portanto, trata-se de uma irreversibilidade prática. Pode-se dizer com plena confiança: «Um apóstata não volta». O herege, por outra parte, é alguém que caiu em algum tipo de erro doutrinário, mas, de modo geral, ele é discípulo de Cristo e pode ser restaurado. Como é óbvio, devemos lembrar que a definição do que é um herege pode ser restringida a idéias denominacionais de ortodoxia doutrinária, de tal modo que um membro em regular situação perante uma denominação pode ser tido como herege perante outra denominação. Além disso, os grandes hereges, como Jesus, Paulo e Lutero, para citar alguns poucos, foram aqueles que trouxeram grandes avanços espirituais. Portanto, devemos usar esses termos com extrema cautela. A palavra «ortodoxia» nem sempre é sinônima de «verdade», pois esse termo com demasiada freqüência é empregado para indicar «o que eu creio», e não, necessariamente, «o que, de fato, é verdade».
Na Igreja pós-apostólica, havia três modos segundo os quais uma pessoa ou uma igreja podiam serconsiderados apóstatas: 1. mediante a renúncia da fé (uma das definições usuais); 2. mediante lapso moral, por haver o indivíduo cometido os grandes pecados de adultério ou homicídio (sem arrepender-se dos mesmos). Os cristãos não recebiam de volta à comunhão aos que assim transgredissem. Porém, na Idade Média, a palavra apostasia parece que era aplicada somente àqueles que renunciavam inteiramente à fé cristã (Tomás de Aquino, Summa Theologica IIa-IIae, gg. 11,12).
Nos primeiros séculos, a apostasia podia ser punida não apenas pela Igreja, mas também pelo governo secular, e muitos apóstatas perderam assim a vida. As leis civis também puniam os apóstatas cortando-os de seus empregos, de suas posições e confiscando-lhes as propriedades, conforme sucedeu na época do rei. Guilherme III, da Inglaterra. Esses costumes, porém, foram abandonados.
Nos tempos modernos, igrejas e denominações inteiras têm sido chamadas apóstatas, e não apenas indivíduos isolados, devido ao liberalismo teológico ou à presença de atividades políticas ou outras, incompatíveis com os ideais cristãos.
Bibliografia (AM BCEH NTI R Z).
Problema
"Porque, se alguém for pregar-vos outro Jesus que nós não temos pregado, ou se recebeis outro espírito que não recebestes, ou outro evangelho que não abraçastes, com razão o sofrereis" (2Co 11.4)
O grande problema das igrejas da Galácia afetava não só a fé daqueles irmãos, mas era uma ameaça aos fundamentos da fé cristã e a sobrevivência do próprio cristianismo como vimos na lição anterior.
Cremos que você percebeu a gravidade do problema enfrentado por Paulo na Galácia. É maravilhoso sermos edificados, hoje através da inspiração divina concedida a Paulo ainda que seu problema-motivação para escrever a epístola tenha sido algo indesejável e, talvez, nem imaginado que viesse a acontecer com o cristianismo em seu início.
O alvo do ataque dos judaizantes, inimigos do apóstolo, era triplo: a pessoa de Paulo, seu apostolado e sua mensagem. Os opositores de Paulo conseguiram fazer com que os crentes gálatas vivessem "outro evangelho", ou seja, queriam que os gentios observassem a Lei de Moisés como condição para salvação. Os legalistas mexeram no cerne do evangelho. O centro do evangelho é a salvação tão somente pela graça, da qual decorre uma vida espiritual espontânea sem a imposição do legalismo, uma fé viva sem o atendimento às formalidades legalistas. Conseqüentemente, eles estavam impedindo os gálatas de viverem a liberdade em Cristo, transferindo para o homem a honra e a glória que pertencem exclusivamente a Deus. Na verdade, era um tentativa diabólica de neutralizar á eficácia do evangelho.
Na verdade o que estava acontecendo nas igrejas da Galácia? Quem eram os responsáveis pela crise espiritual nas igrejas da Galácia? Até que ponto esses problemas afetavam o cristianismo? Vamos relembrar.
I. As Cartas Paulinas
1. Entendendo Gálatas. Temos, às vezes, dificuldade para entender os fatos bíblicos, como este de Gálatas, por não termos mais informes. Imagine você ouvindo um conhecido a conversar por telefone com outra pessoa, do outro lado da linha. Se você de antemão conhecer o assunto da conversa, pelas respostas e argumentos da pessoa que está ao seu lado é possível saber, em parte, do que se passa naquele momento. Em Gálatas, estamos ouvindo o apóstolo como numa linha telefônica, entendendo o assunto com a ajuda de algumas informações provenientes de Atos dos Apóstolos e das demais epístolas, mas sem saber o que se passa do outro lado da linha.
2. Carta ou epístola? Pergunta feita na aula passada. A palavra grega para ambas é epistole, proveniente do verbo epistello que significa "enviar para, enviar uma carta, expedir uma ordem de comando, anunciar".
Uma carta, segundo o padrão da época, apresentava cinco partes: saudação, uma oração pela saúde do destinatário, ação de graças, tema da carta e finalmente lembranças aos amigos e parentes. Já a epístola tem alcance geral, dirigindo-se a todo aquele a quem possa interessar, é como um discurso e pressupõe sua publicação.
II. A Situação do Apostolo
1. O apostolado de Paulo (v.l). A expressão "(não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos)" é atípica nos prefácios das epístolas paulinas. É comum: "apóstolo de Jesus Cristo" ou "apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus" (1 Co 1.1); ou como servo de Jesus Cristo (Fp 1.1). O apóstolo costuma elogiar seus destinatários nos prefácios de suas epístolas. A ausência de elogios aqui mostra que alguma coisa incomum estava acontecendo.
2. O alvo dos ataques inimigos. Paulo tinha muitos opositores, e seria até infantilidade de nossa parte supor que um homem com a personalidade e na posição espiritual do apóstolo Paulo, liderando um grande movimento de revolução do pensamento religioso de sua geração, não tivesse oposição. Paulo era alvo dos bombardeios de seus inimigos. Esses opositores eram os falsos mestres, tanto internos como externos (2 Co 11.26). O ataque deles era triplo: Paulo, seu apostolado e sua mensagem.
3. Condições para o apostolado. Quanto ao apostolado, seus opositores pareciam levar vantagem, por não ser ele um dos doze que conviveram com Jesus. Talvez soubessem dos requisitos apresentados pelo apóstolo Pedro (At 1.21-25).
Havendo Paulo sido um perseguidor da Igreja antes de sua conversão, talvez eles tentassem com isso excluí-lo da lista dos apóstolos.
4. A defesa de Paulo. A essas acusações ele rebateu veementemente. A ênfase que ele dá a origem de seu apostolado no v.l mostra que o único
que tem autoridade de constituir apóstolos é o Senhor Jesus. Além disso, ele afirma quatro vezes ter visto o Senhor (1 Co 9.1; 15.8; 2 Co 4.6; Gl 1.15,16). Atos dos Apóstolos apresenta Paulo como apóstolo (14.14). Seus oponentes por certo conheciam algo da história do apostolado, mas ignoravam o que está escrito em 1 Co 12.28 e Ef 4.11 sobre os apóstolos que o Senhor constitui sobre a sua Igreja.
III. Os Opositores de Paulo
1. O espanto do apóstolo (v.6). Tão logo Paulo retornou de sua viagem ficou sabendo que os irmãos da Galácia estavam agora vivendo outro evangelho e isso deixou o apóstolo estupefato e atônito. A expressão "maravilho-me" (metatithesthe), no original, referia-se a alguém que desertava do exército ou se rebelava contra ele. No sentido atual é "deixar, abandonar, desertar, mudar de pensamento, virar a casaca". Em outras palavras, aqueles irmãos estavam abandonando a fé.
2. Nos dias atuais. Eles ouviram dos apóstolos Paulo e Barnabé a fiel palavra da pregação do evangelho quando estiveram entre eles, receberam o Espírito Santo, sentiram grande gozo e a alegria da salvação. Agora trocam Paulo por aventureiros desconhecidos, portadores de mensagens diabólicas. Como esse povo podia tão facilmente ser levado pelo erro? Parece que é tendência ainda hoje ser mais fácil induzir alguém ao erro do que levá-lo à verdade. Tais pessoas conhecem o seu pastor, sua história, sua origem, sua família, seu trabalho e sua dedicação à igreja, seu cuidado com o rebanho. Trocam esse homem de Deus por estranhos que sequer conhecem sua origem.
3. Quem eram os opositores de Paulo? (v.7). Eram falsos mestres, legalistas judeus, e por isso chamados de judaizantes. Palavra proveniente do verbo grego ioudaizo "viver como judeu, viver de acordo com as normas religiosas dos judeus" (Gl 2.14). Esses judeus, agora ingressos no cristianismo, queriam que os gentios observassem a lei de Moisés como condição para salvação "Se não vos circuncidardes, conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos" (At 15.1). Esses homens saíram de Jerusalém por sua própria conta. Tiago disse que não os enviara, portanto não podiam representar a igreja mãe, de Jerusalém (At 15.24).
IV. O Anátema
1. O "outro evangelho" (v.8). A palavra "outro", aqui, é heteros que significa "outro de natureza diferente"; não é a mesma coisa que "outro" da mesma natureza (como o do v.7, allos). Isso afasta a hipótese de o evangelho pregado pelos opositores de Paulo ser meramente um evangelho "corrompido, distorcido ou pervertido", mas sim outra coisa. O apóstolo foi categórico ao chamar a falsa doutrina desses legalistas de "outro evangelho", isto é, sem vínculo com o Cristo ressuscitado, revelado no Novo Testamento.
2. Ilustração desse "outro evangelho". Digamos que você usou sua senha para acessar Sua conta bancária e digitou corretamente todos os números, menos o último. Será que isso permitirá o acesso à sua conta, ou você consegue se aproximar dela ou terá uma visão parcial de seu saldo? De maneira nenhuma! Isso porque, para o computador não se trata de uma senha parecida ou próxima da sua, mas é reconhecida como outra senha.Essa "nova" senha não serve para nada. Esses legalistas de que trata a epístola aos Gálatas mexeram no cerne do evangelho.
3. O pronunciamento do anátema (vv.8,9). "Anátema" significa "maldição". O fato de o apóstolo amaldiçoar duas vezes esses legalistas mostra a seriedade do assunto. Estavam propagando outro evangelho, privando os cristãos da liberdade com que Jesus nos libertou, transferindo para o homem a honra e a glória que pertencem exclusivamente a Deus, oferecendo a salvação por meio de recursos humanos. Eis porque Paulo foi tão contundente com esses legalistas.
4. Agradar a Deus ou aos homens? (v.10). Esse versículo mostra que os acusadores do apóstolo diziam que Paulo procurava agradar aos gentios pregando-lhes uma mensagem e da mesma forma aos judeus, pregando-lhes outro evangelho. O apóstolo declara que seu compromisso era com Deus.
Concluindo, podemos e devemos, portanto, tomar muito cuidado quando alguém diz que o problema da Galácia era meramente uma tentativa dos primeiros cristãos de transformar a igreja numa sinagoga, em uma época de transição. Era muito mais que isso. Era uma tentativa diabólica de neutralizar a eficácia do evangelho, e Paulo pelo Espírito entendeu toda a situação com clareza meridiana, e deu tudo que tinha pela defesa do evangelho.Que essa lição sirva para os legalistas de hoje que querem acrescentar algo mais que a fé em Jesus para a salvação.
Trechos da epístola aos Romanos e as descrições de Atos 11 e 15 reforçam a principal razão de Paulo ter escrito aos gálatas: a Igreja cristã primitiva estava sendo dividida por controvérsias legalistas. A interpretação de Gálatas deve ser dividida em duas partes: a primeira, histórica (estudo à luz das circunstâncias históricas - cultura, costumes, aspectos geográficos e sociais e problemas religiosos locais); a segunda, é teológica (considera-se os seguintes fatos: 1. a Bíblia é a Palavra de Deus; 2. que ela constitui um todo orgânico, do qual cada livro em particular é parte integrante; 3. que o Antigo e o Novo Testamentos se relacionam como tipo e antítipo, profecia e cumprimento, origem e perfeito desenvolvimento; e 4. que não somente as afirmações explícitas da Bíblia, mas também aquilo que se pode deduzir dela por boa e necessária conseqüência constitui a Palavra de Deus).
Aos convertidos dentre as comunidades judaicas e dentre os povos gentios por toda a Ásia Menor, especialmente na Galácia, era ensinado pelos judaizantes que havia necessidade do sistema de boas obras para a salvação, ou pelo menos, do jato inicial, da circuncisão, e que o crente se mantém perfeito através da observância da lei. Como Paulo não ensinava isso, eles (tanto os judaizantes, quanto, os seus seguidores, muitos dos crentes gálatas) o reputavam um herege dos mais perigosos que pretendia destruir a obra de Moisés. Para eles, Paulo era adversário de Moisés. Essa gente estava certa de que Deus falara por intermédio de Moisés; mas não podia ter a mesma certeza de que Deus falava por meio de Paulo. E mais, lançavam uma sombra de dúvida sobre o seu apostolado, procurando abertamente pô-lo em descrédito.
O "outro evangelho” quer dizer: Não tinha absolutamente a mesma qualidade ou caráter que o evangelho de Cristo. Já o evangelho que Paulo pregou aos gálatas não era diferente do que pregara em outros lugares; pois ele lhes proclamou "...Jesus Cristo... como crucificado..." (3.1) e como aquele que foi ressuscitado "dentre os mortos" (1.1). Essa mensagem constituía seu evangelho essencial, conforme ele mesmo assegura em 1 Coríntios 1.23 e 15.1-11. É a mensagem que conta, não o mensageiro. Até mesmo o mais respeitado mensageiro deve ser amaldiçoado se trouxer uma mensagem falsa - se trouxer outro evangelho que não seja o evangelho de Cristo.
Fonte Bibliografia E.Soares
A APOSTASIA DOS GÁLATAS (1:6-10)
6. Admira-me: no lugar das ações de graças usuais o apóstolo dá vazão a uma expressão irrestrita de assombro, chamando a atenção para um assunto sobre o qual seus sentimentos eram claramente profundos.
tão depressa: parece que a referência diria respeito à rapidez com que os gálatas estavam aceitando um evangelho falso, e neste caso o evento referido deve ser o começo do falso ensino. É possível, naturalmente, identificar o evento como sendo a ocasião em que se converteram, e a causa do assombro de Paulo seria então a rapidez com que abandonaram o evangelho verdadeiro. A referência pode estar também ligada à última visita do apóstolo. Mas a primeira destas interpretações se enquadraria melhor no contexto
estejais passando: o verbo é pitoresco, usado tanto para uma revolta militar quanto para uma mudança de atitude. O apóstolo pensa nos leitores em termos de quem mudou de partido. Era um caso sério de apostasia. Outro evangelho estava exigindo uma lealdade que deveria ter sido exclusiva do evangelho verdadeiro. O assombro de Paulo diante de tal acontecimento é facilmente entendido.
daquele que vos chamou: não resta praticamente dúvida de que esta frase se refere a Deus Pai. O partido da oposição entre os gálatas certamente teria ficado surpreso ao ficar sabendo que na verdade estava se afastando do próprio Deus. Seu entusiasmo centralizava na lei de Deus; como, pois, era possível dizer que estavam desertando dEle? Paulo teria compreendido isto muito bem, porque ele mesmo imaginara estar prestando um serviço a Deus enquanto perseguia a Igreja. Este tipo de ilusão é um dos mais difíceis de lidar porque contém um forte elemento de convicção piedosa. Mas no momento em que se reconheça que o entusiasmo religioso para com a lei de Deus pode acabar transformando-se numa deserção do próprio Deus, há esperança de que a verdadeira natureza do evangelho venha a ser discernida.
na graça de Cristo: alguns manuscritos omitem "de Cristo", mas quase toda evidência o apóia. De qualquer maneira, a palavra "graça" subentende uma ligação com Cristo. A escolha da palavra "graça" por Paulo, pretende provavelmente contrabalançar a ênfase dada à "lei" pelos apóstatas. Eles devem aprender que Deus os chamou pela graça e não pela lei. Sua falha em compreender isto fora um erro fundamental. A preposição (en)pode ser entendida como sendo instrumental (= por meio de), embora isto não esgote o significado aqui. Pode também sugerir a esfera em que a chamada torna-se efetiva, ou até referir-se à entrada numa nova condição. Neste último caso en representaria eis, mas esta possibilidade é mais artificial que as demais. Uma vez que o apóstolo estava pensando na mudança de posição dos gálatas, certo significado local em en se adaptaria melhor ao contexto. A implicação é que os gálatas, com seu evangelho diferente, estavam saindo da graça para dentro da qual tinham sido chamados.
para outro evangelho: o adjetivo expressa uma diferença de tipo, e, portanto, diferencia o evangelho dos falsos mestres daquele pregado por Paulo. Mas em que sentido o evangelho deles é diferente? Não há evidência de que houvesse qualquer disputa quanto aos fatos do evangelho. A diferença consistia na variação das aplicações desses fatos. Sem dúvida, os falsos mestres acreditavam firmemente que sua posição representava na verdade o evangelho, mas Paulo indica que a aplicação do mesmo feita por eles representa, na realidade, um evangelho essencialmente diverso.
7. o qual não é outro: parece que Paulo se corrige aqui, como se reconhecesse repentinamente que aquilo que acabara de dizer pudesse dar a impressão de que estava disposto a atribuir a palavra "evangelho" a qualquer outra forma de ensino. Na realidade, não pode haver outro evangelho, se "evangelho" for entendido como descrição do caminho divino da salvação em Cristo. Aquilo que estas outras pessoas estão ensinando é uma perversão (Duncan). Paulo tem uma idéia clara daquilo que queria dizer com "evangelho", mas não se deve supor que fosse uma noção particular sua, pois neste caso, suas palavras não teriam peso. Com toda probabilidade, havia uma definição geralmente aceita daquilo que era básico ao conceito. A Igreja moderna tornou-se menos clara quanto à natureza do evangelho, mas faria bem em meditar a importância que Paulo atribui aqui às distinções entre o evangelho verdadeiro e o falso.
há alguns que vos perturbam: em outras ocasiões Paulo se refere aos oponentes sem mencioná-los pelo nome (cf. Gl 2:12; 1 Co 4:18; 2 Co 3:1; 10:2). Os leitores os identificariam imediatamente. A palavra usada aqui para "perturbar" (tarassontes) pode referir-se à agitação física, distúrbio mental, ou atividade subversiva. Usada em conjunto com a metáfora de deserção, o último destes três sentidos é preferível.
perverter: o termo (metastrephõ) significa transferir para uma opinião diferente, daí, mudar o caráter essencial de uma coisa. A palavra não precisa subentender degeneração, mas onde aquilo que é mudado é bom, a mudança deve envolver a idéia da perversão, como aqui. Não se trata de uma simples distorção do evangelho; mas, sim, de dar-lhe uma ênfase que virtualmente o transformava em outra coisa. Desta maneira, Paulo demonstra sua compreensão magistral dos princípios por detrás da política dos falsos mestres. Uma salvação dependente da circuncisão; e, por implicação, das observâncias legais, não era de modo algum um evangelho verdadeiro, mas uma perversão. Vale a pena notar que Paulo coloca sobre os falsos mestres a responsabilidade pela anomalia, ao demonstrar que eles mesmos querem (thelontes) perverter.
o evangelho de Cristo: posto que no grego o artigo é usado com o nome de Cristo, o genitivo deve ser considerado uma definição do evangelho num senso específico. Era o evangelho que pertencia ao Messias, mas aqueles que o pervertiam professavam serem zelosos pelas suas reivindicações messiânicas ao insistirem numa aplicação essencialmente judaística. O genitivo também poderia ser entendido como uma descrição do evangelho que Cristo proclamava (i. e., um genitivo subjetivo, cf. Williams), mas a primeira interpretação está mais em harmonia com o contexto.
8. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu: Paulo está antecipando aqui uma objeção. Os falsos mestres poderiam alegar que aquilo que acaba de descrever como sendo o evangelho de Cristo realmente é o evangelho de Paulo. É bem possível terem dito aos gálatas não haver razão para o evangelho de Paulo estar certo e não o deles, especialmente no caso de estarem alegando tratar-se do mesmo evangelho. Mas o apóstolo assevera com forte ênfase que o único evangelho autêntico é aquele originalmente pregado por ele. Nem o próprio Paulo nem um anjo poderia alterá-lo. O evangelho não era de Paulo, mas de Cristo. Este fato o tomava imutável.
que vá além: ou "contrário a" (RSV), não é a única interpretação das palavras gregas (par’ho), embora seja quase certamente correta aqui. Paulo está pensando nas afirmações dos falsos mestres, como sendo absolutamente contrárias à verdade do evangelho. Isto é expresso de modo ainda mais enfático do que a referência à perversão no versículo anterior. As palavras podem significar "além de", e neste caso o anátema seria contra acréscimos ao evangelho puro, como, por exemplo, nas tradições dos homens. Alguns dos primeiros protestantes interpretavam assim a expressão na sua denúncia do apelo católico romano à tradição eclesiástica, como sendo equivalente à Bíblia. Num certo sentido, Paulo talvez estivesse pensando na exigência da circuncisão, feita por estes mestres, como sendo um acréscimo ao evangelho originalmente pregado aos gálatas, mas a forte acusação sugere que Paulo considera as ações deles como sendo a antítese direta do evangelho verdadeiro.
anátema: a palavra anathema é relacionada com o hebraico herem, usado para aquilo que era dedicado a Deus, usualmente para a destruição. Alguns têm suposto que a palavra era usada entre os judeus para expressar a excomunhão (assim Williams). No uso neotestamentário é uma expressão forte, indicando separação de Deus. Ela subentende a desaprovação de Deus. Realmente, "anátema" é o contraste máximo com a graça de Deus. Seu uso aqui como uma asseveração contra os que pervertem o evangelho, reflete a avaliação de Paulo quanto à gravidade do ponto de vista deles. Não se tratava de uma explosão irada pelo fato de estarem abandonando aquilo que Paulo pregara. Não era uma questão de prestígio pessoal, mas a própria essência do evangelho estava em jogo. Se os falsos mestres estavam diretamente contradizendo o evangelho da graça de Cristo, não haveria qualquer possibilidade de evitarem incorrer no forte desagrado de Cristo. É de certo modo estranho que Paulo se expressasse tão violentamente antes mesmo de delinear a natureza da perversão, mas isso demonstra a intensidade das apreensões do apóstolo acerca do problema. Na Igreja primitiva o caráter sagrado do evangelho era mais plenamente apreciado do que tem sido freqüentemente o caso na história subseqüente da Igreja. Nos tempos modernos tem havido uma forte tendência no sentido de confundir as personalidades com o conteúdo do evangelho, mas a inclusão do próprio Paulo ou mesmo de um anjo na possibilidade de um anátema torna indisputavelmente clara a superioridade da mensagem sobre o mensageiro. Para o uso semelhante de um anátema, cf. 1 Co 12:3; Rm 9:3.
9. Assim como já dissemos...: este versículo é quase uma repetição exata do v. 8. Mas, por que Paulo se repete? Ele não poderia deixar de impressionar os leitores com um senso de solenidade ao pronunciar o anátema duas vezes. A única mudança é a substituição de "que recebestes" por "que vos tenhamos pregado". O enfoque muda, portanto, dos mensageiros para os ouvintes. Os dois juntos refletem o aspecto cooperativo da origem de cada nova comunidade de crentes. Paulo não só pregou pessoalmente o evangelho, mas este foi também plenamente reconhecido por aqueles que o receberam. A palavra proeirèkamen pode referir-se àquilo que fora dito por Paulo na sua última visita às igrejas da Galácia (assim Duncan), ao invés de à declaração do versículo anterior. Diz-se que esta última interpretação é excluída pelo uso de arti (agora) na frase seguinte (e agora repito), visto que a declaração deste versículo pareceria estar separada por um intervalo daquilo que Paulo dissera previamente (Lightfoot). Se isto for correto, os gálatas não têm desculpa alguma. Sabiam que um evangelho contrário envolveria um anátema, mas persistiram na sua atividade subversiva.
daquele que recebestes: o verbo usado aqui expressa a comunicação do ensino cristão autorizado. O próprio Paulo já estivera na situação de recipiente neste processo, conforme 1 Coríntios 15:3ss. deixa claro, a despeito daquilo que diz no v. 12 (veja o comentário abaixo). É preciso mais do que pregar o evangelho, ele precisa ser recebido. O processo da transmissão é completo somente quando os homens reconhecem que a mensagem pregada é o evangelho de Deus, e uma vez que isto tenha sido feito, não têm desculpa para desviar-se dele.
10. Porventura procuro eu agora o favor dos homens? O "agora" desta declaração reforça o "agora" no v. 9. Subentende que Paulo está respondendo a uma acusação de que seus motivos se alteraram desde a primeira ocasião em que pregou a eles. Sua pergunta retórica sugere que a acusação de procurar proveito próprio estava sendo feita contra Paulo, sem dúvida com a intenção de desacreditá-lo e, portanto, refutar sua influência. "Procurar favor" (peithō) significa, no contexto, "conciliar", e a idéia parece ser que Paulo, ao afrouxar a exigência da circuncisão para os convertidos gentios, estava facilitando a entrada dos interessados no cristianismo. Em resumo, ele procurava agradar ao povo.
ou o de Deus? Talvez pareça estranho que Paulo declarasse como segunda alternativa a idéia de procurar ganhar o favor de Deus, se é que o verbo deve ser entendido neste sentido. É melhor tomar por certo que esta segunda parte da pergunta significa: Estou procurando a aprovação de Deus? Parece haver uma pressuposição distinta de que o ser humano tem uma escolha direta entre agradar a homens ou agradar a Deus, e os que fazem a primeira opção não podem fazer também a segunda. Era da máxima importância para Paulo demonstrar que estava nesta última categoria.
ou procuro agradar a homens? A primeira das perguntas retóricas é repetida para ênfase adicional, com uma mudança significativa do verbo, de "conciliar" para "agradar" (areskein). É mais do que repetição que está envolvida. O primeiro verbo refere-se a tornar simples para os homens aceitarem o evangelho, ao passo que este verbo sugere o emprego da lisonja tendo em vista a obtenção da popularidade.
Se... não seria servo de Cristo: a idéia de Paulo como interesseiro pode ser imediatamente refutada por um apelo à sua experiência. A escravidão a Cristo tinha a probabilidade de levar à popularidade? A palavra usada(doulos) sugere tal servidão a Cristo que qualquer idéia de popularidade seria totalmente estranha. Paulo usa a mesma descrição da sua categoria na saudação da Epístola aos Romanos (cf. também Tt 1:1).
FONTE Bibliografia D. Guthrie
FONTE VEJA www.avivamentonosul.blogspot.com.br