Os irmãos mais fracos precisam de encorajamento (Gl 6:1-6).
Este capitulo mostra-nos que Paulo não havia abandonado totalmente todas as considerações sobre o legalismo e sobre as dificuldades causadas pelo mesmo. Contudo, o irmão «fraco», neste caso, não é principalmente aquele que se prendia a escrúpulos demasiados, embaraçando sua própria caminhada por seguir a muitas formas de legalismo. Esse é o irmão fraco dos capítulos catorze e quinze da epístola aos Romanos ou do oitavo capítulo da primeira epístola aos Coríntios. O «irmão fraco» da presente seção é antes aquele que era «moralmente fraco», o qual, em um momento de forte tentação, caia, mais ou menos a exemplo de Pedro, o qual, embora ordinariamente fosse uma das colunas da igreja cristã, chegou a dar seu apoio à causa legalista, quando tal posição era realmente contrária às suas convicções formadas. (Ver o trecho de Gl 2:11 e ss., em comparação com At 15:7 e ss., que nos mostram atitudes e ações diametralmente diferentes em Pedro).
Andar no Espírito (ver Gl 5:25) e viver nele significam não meramente dirigir apropriadamente as nossas vidas, mas também possuir umespírito de simpatia que nos leve a não censurar em demasia àqueles que caem em algum pecado ou erro, mas antes, a buscar restaurar os tais, com um espírito de brandura, considerando que nós mesmos somos sujeitos a quedas, apesar de todas as nossas realizações e vitórias espirituais. Afinal de contas, o ato de «andar» é apenas uma série de quedas interrompidas, controladas. E alguns controlam essas quedas melhor do que outros. Ora, a igreja é de encorajamento mútuo, e não um lugar onde as pessoas se põem a censurar uns aos outros.
Esta seção, pois, prolonga a advertência do trecho de Gl 5:26, onde somos admoestados a não nos provocarmos uns aos outros. Ao invés de sermos uma provação para a fé uns dos outros, estabelecendo facções em choque e buscando vangloria, deveríamos estar vivamente interessados em usar toda a nossa influência e capacidade em curar e restaurar os irmãos, sempre que isso for mister. Não deveríamos nos aproveitar do ensejo, quando alguém cair em qualquer falta, a fim de nos exaltarmos; pelo contrário, em espírito de humildade, sabendo que também estamos sujeitos a erros e a quedas, deveríamos procurar ajudar aos irmãos a encontrarem o caminho do arrependimento, nos braços de Cristo, a serem plenamente restaurados ao seio da igreja cristã. Aqueles que se recusam a oferecer restauração a seus irmãos caidos, geralmente o fazem devido a um senso de falso orgulho, por causa da avaliação exagerada em que têm a si mesmos e às suas realizações espirituais. Tal homem anda esquecido que ele é apenas um pecador restaurado, e não uma criatura superior, que vive acima dos restantes.
A restauração de um irmão caído, por conseguinte, é demonstração tanto de amor quanto de humildade; e essas são as qualidades que o apóstolo dos gentios via como essenciais em uma comunidade cristã.
6:1 Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não saias tentado.
A obrigação de restaurar aos caídos: «A obrigação de curar aqueles que caem não cabe exclusivamente ao ministro consagrado: este é somente o servo da comunidade que é o instrumento divino da cura. Lutero, em sua explicação sobre o mandamento que diz: 'Não darás falso testemunho contra o próximo', admoesta-nos como segue: 'Deveríamos temer e amar a Deus de tal modo a não interpretar falsamente, a não trair, a não caluniar e a não apresentar relatos injuriosos contra o próximo; antes, devemos apresentar desculpas por ele, falando bem dele, procurando uma explicação caridosa para todas as suas ações'». (Catecismo Menor, Explanação sobre o Oitavo Mandamento). Esse é o grande teste do crente: Que faz ele com o homem que cai? Qual é a sua atitude para com aqueles que são apanhados em alguma falta? Qual é a sua obrigação para com aquele que tiver falhado? E ainda uma outra indagação poderia ser feita: Qual é a responsabilidade do grupo ou comunidade da igreja?» (Blackwelder).
«...Irmãos...» Com esse termo, Paulo demonstrava que não considerava a apostasia dos crentes gálatas como algo consumado, como se o caso deles fosse irrecuperável. Continuava a considerá-los seus «irmãos» na fé. A despeito de suas contundentes admoestações, o apóstolo falava para irmãos. A verdade é que Paulo reputava como falha seríssima a apostasia daqueles crentes, como se quase se tivessem afastado da fé em Cristo. E nesta epístola o apóstolo exibe, alternadamente, desespero e esperança, no que concerne a eles. (Contrastar com Gl 1:19 e ss., os trechos de Gl 5:1,4 e 10).
«...se alguém for surpreendido nalguma falta...» Essas palavras podem indicar uma das coisas seguintes:
1. Alguém apanhado em flagrante, no ato do pecado, de maneira inesperada, por parte de outro ou de outros.
2. Apanhado pelo erro ou pelo próprio pecado, de modo a cair repentinamente, sem que estivesse esperando ser envolvido. Neste último caso, é o próprio pecado que apanha o indivíduo inesperadamente, sem haver a intenção de ser ele assim apanhado. Esse foi o caso de Simão Pedro, quando negou ao Senhor Jesus, ou então mais tarde, quando passou a apoiar a causa do legalismo, de maneira contrária às suas verdadeiras convicções.
Bons intérpretes têm tomado uma ou outra dessas duas posições, embora a maioria deles favoreça a segunda possibilidade.
«...for surpreendido...» Está em uso o termo grego «prolambano», que significa «vir sobre», «tomar de surpresa»; e, na voz passiva, «ser surpreendido». O sentido da própria palavra não determina «por quem» ou «pelo que» o indivíduo é assim apanhado em falta—se pelos demais membros da comunidade religiosa ou se pelo próprio pecado. Porém, sem importar qual seja o caso, a restauração é ordenada.
«...falta...» No grego, «paraptoma», «queda ao lado», «deslize para o erro ou falta», «passo dado em falso», «equívoco crasso». É uma palavra comumente empregada na versão da Septuaginta (tradução do original hebraico do A.T. para o grego, completada cerca de duzentos anos antes da era cristã), para indicar «pecado». Se nos mantivermos próximos de seu sentido etimológico de «cair ao lado», de «não conseguir atingir», teremos aqui o contraste com a ordem de «andarmos no Espírito», que se encontra em Gl 5:25. Se um indivíduo qualquer, ao invés de caminhar espiritualmente, vier a cair, deslizando para um dos lados do caminho, nós por nossa vez, não devemos usar de um espírito de censura; pelo contrário, cumpre-nos fazer tudo quanto estiver ao nosso alcance para ajudá-lo, para recolocar-lhe os pés na vereda correta, para encorajá-lo a caminhar novamente.
«...vós... espirituais...» Estão aqui em pauta aqueles que, por se terem convertido a Cristo, possuem o seu Espírito (o Espírito Santo, ver Rm 8:9), sendo guiados por ele (ver Rm 8:14 e Gl 5:16,25). Esses são aqueles que «andam no Espírito», os quais crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências. (Ver Gl 5:24). Tais crentes são «espirituais», formando contraste com os crentes «carnais» (ver I Co 3:1). Também são «espirituais» em contraste com os indivíduos «naturais» (ver I Co 2:14,15). (Ver igualmente os trechos de Gl 3:2,3,5,14; 4:6; 5:5,16,18,25).
Os crentes «espirituais» são aqueles que atingiram um grau notável de «santificação», o que significa que muito têm aprendido em sua inquirição e desejo de se tornarem moralmente transformados, segundo a imagem de Cristo, a fim de que venham a participar da própria perfeição de Deus Pai (ver Mt 5:48), que é o meio de serem transformados de acordo com a natureza essencial do próprio Cristo (Rm 8:29). Ora, aqueles que têm feito progresso nessa direção, aproximando-se desse elevadíssimo alvo, são aqui intitulados, enquanto ainda vivem neste mundo, de «espirituais». Mas os crentes que se têm mostrado negligentes nessa inquirição, e cuja santificação é deficiente, são chamados «carnais». Aqueles que nem ao menos começaram essa busca, são chamados «naturais».
«...corrigi-o...», ou «restaurai-o», conforme dizem quase todas as traduções. O termo grego por detrás dessa tradução, «katartdizo», tem os sentidos de «emendar», «reparar», «restaurar», «aperfeiçoar», «corrigir». Quando um crente cai em pecado, torna-se necessário um «reparo», porquanto terá sofrido certos danos devido à sua má experiência. Tal reparação haverá de restaurá-lo perante os seus próprios olhos, perante Deus e perante a comunidade cristã. E os «reparadores» ou «restauradores» serão os crentes «espirituais». E o alvo colimado é obter um crente «restaurado», um homem espiritual, capaz de participar da atividade restauradora de outros. Essa palavra era usada para indicar a «reconciliação de facções» (ver Heródoto 5:28), a «correção de ossos deslocados» e a «emenda de redes de pesca» (ver Mc 1:19), além de indicar o suprimento das provisões para um exército, além de muitos atos de restauração, em que coisas são restauradas à sua condição anterior, perdida devido a algum desastre ou fatalidade.
«...com o espírito de brandura...» Temos aqui o oposto do espírito de censura. Essa «mansidão» ou «brandura» é um dos aspectos do fruto do Espírito Santo, segundo vemos em Gl 5:23, onde o termo é comentado. Aquele que anda no Espírito também possui os diversos aspectos do fruto do Espírito; e esses crentes serão suficientemente «espirituais» para se dedicarem a esse trabalho de restauração.
«...guarda-te...», ou, melhor ainda, «...cuida atentamente de ti mesmo...» Destaca-se a idéia de alguém prestar atenção à sua própria condição, pesando bem a própria fortaleza e debilidade, a fim de não vir a cair em pecado similar. O exame cuidadoso do próprio «eu» visa capacitar-nos a saber melhor como nos convém restaurar, como também de que modo podemos evitar erros semelhantes àqueles praticados pelos caídos. «Aquele, pois, que pensar estar em pé, veja que não caia» (I Co 10:12).
Davi, o herói da fé, serve de excelente exemplo de um crente «espiritual» que veio a cair por ter-se descuidado; e a que nível baixíssimo ele caiu! Dessa maneira aprendemos que não existe homem mortal que tenha atingido tão elevado grau de espiritualidade que esteja isento das tentações e imune à queda. Notemos que o apóstolo dos gentios exorta aos crentes «espirituais» que se acautelem. Essa advertência ele não dirige aos «carnais», porquanto esses já negligenciaram a cautela necessária. «O senso de nossa própria fraqueza deveria tornar-nos pacientes para com os outros». (Faucett, in loc).
«Este é um mal comum; em uma ocasião ou noutra, todos temos cometido erros. Ou somos, ou temos sido ou seremos tão maus como aqueles que condenamos». (Mantuanus, De Honesto Amore).
6:2 Levai as cargas um dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.
Essa «...lei de Cristo...» é a «lei do amor», conforme aprendemos em João 14:21 e 15:10, onde é comentado amplamente o tema «amor, princípio normativo da família de Deus». A passagem de Rm 13:9,10 mostra-nos que o amor é o cumprimento de todas as exigências morais da lei. Nenhum homem é uma ilha—essa é a mensagem do presente versículo. O que um homem faz envolve-o com outros. O crente é o guardião de seu irmão na fé. Tem a responsabilidade de suportar suas cargas, de perdoar suas falhas, de restaurá-lo quando estiver em erro. Assim é que se cumpre a lei do amor de Cristo, que deve ser a principal força motivadora de toda a existência. O retorno a Deus se verifica mais prontamente quando o amor é a norma orientadora da inquirição pelo Senhor.
«...cargas...», no original grego, é «baros», palavra essa que tem muitas aplicações, em seu uso literal e metafórico. Tal palavra significava, literalmente, um «peso», algo difícil de ser transportado. Daí se derivou a idéia de «carga», a coisa transportada que é difícil. Em sua aplicação moral, pode significar uma tarefa cansativa, uma responsabilidade não desejada qualquer. No trecho de At 15:28essa palavra indica uma certa responsabilidade religiosa, exigida de alguém. No texto presente, pode significar, em sentido geral, todas as tribulações, todas as provas, todos os problemas que um irmão na fé tem de enfrentar; ou então em sentido mais específico, podem estar em foco as tentações e quedas que um irmão mais fraco na fé encontra ao longo de seu caminho. Cumpre-nos suportar à esses crentes, demonstrando paciência, procurando ajudá-los, restaurá-los, a fim de aliviá-los de suas cargas. A referência primária do termo, neste texto, embora não se trate de um sentido exclusivo, são as «debilidades morais» dos outros, que provocam vergonha, tristeza e remorso para com todos quantos são envolvidos.
Portanto, o amor, que é a lei de Cristo, exige restauração, ao invés de espírito de censura. No entanto, o orgulho pessoal é o principal obstáculo ao cumprimento dessa lei. «Ora, nós que somos fortes, devemos suportar as debilidades dos fracos, e não agradar-nos a nós mesmos... Porque também Cristo não se agradou a si mesmo, antes, como está escrito: As injúrias dos que te ultrajavam, caíram sobre mim». (ver Rm 15:1,3).
«...cumprireis...» Nos manuscritos Aleph, AC e na maioria dos manuscritos posteriores, essa palavra aparece no modo imperativo; porém, nos manuscritos P(46), BG, nas versões latinas f, g e na Vulgata, encontramos o futuro: «...cumprireis...», tal como nesta versão portuguesa. Ambas as possibilidades parecem certas, mas a segunda é a forma mais antiga, devendo ser preferida. A lei do amor se cumprirá quando nos conduzirmos de modo a «cumprir» a lei do amor, de modo a «satisfazer plenamente» à mesma, de modo a «atingir sua plena medida», de modo a «satisfazer todas as suas exigências» (sentidos esses que transparecem no vocábulo grego aqui usado,anapleroo), de modo a concretizar nas ações o amor que Cristo nos ordenou. O amor cristão exige que suportemos as cargas uns dos outros.
6:3 Pois, se alguém pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo.
«...se alguém julga ser alguma cousa...» Embora Paulo pudesse ser posto na categoria dos maiores apóstolos, contudo, à parte de Cristo, ele reconhecia nada ser (ver II Co 12:11). Todas as almas humanas são dotadas de um valor infinito. (Ver Mc 8:36,37). Assim sendo, Paulo não pode estar falando neste ponto, sobre a nulidade absoluta do ser humano. O fato de que o homem é digno de ser remido labora contra tal possibilidade. Mas o homem, por si mesmo, à parte de Deus, de seu desígnio na criação, de seu algo na redenção, nada é. Porém, em conexão com o desígnio e com o alvo divinos, o homem é uma criatura de valor extraordinário. Dessa espécie de valor, entretanto, Paulo não estava falando aqui. Contudo, pensar alguém que é algo «aquele algo em que ele mesmo se fez e no que se escuda o seu orgulho», não sendo ele coisa alguma (por si mesmo e à parte do desígnio e do alvo divinos) é enganar-se a si mesmo. Ora, o autoludíbrio nada vale, tal como o homem nada vale por si mesmo. Se alguém multiplicar zero por zero, o resultado continuará sendo zero. Isso é o que Paulo queria dizer.
A correta atitude e a ação espiritual, em contraste com a nulidade humana, têm as seguintes características:
1. Consideramos os outros melhores do que nós mesmos (ver Fp 2:3).
2. Rejeitamos os pensamentos eivados de orgulho pessoal, condescendendo com aqueles de posição inferior à nossa (ver Rm 12:16).
3. Se qualquer vangloria tiver de haver, essa deve ser por causa do Senhor, e não por nossa própria causa ou por causa de outro ser humano. (Ver I Co 1:31).
4. Evitamos dar um valor exagerado a nós mesmos (ver Rm 12:3).
5. Evitamos a sobranceria própria, devido às nossas realizações e habilidades (ver I Co 8:1,2).
6. O amor de Deus garante que estimamos acertadamente a nós mesmos (ver I Co 8:3).
Aqueles que procuram dominar a seus semelhantes, que procuram degradá-los, usualmente mostram-se indulgentes para consigo mesmos, julgando-se a si mesmos com um padrão suave, mas aos outros com severidade. Tal tipo de indivíduo jamais ajudará a um irmão na fé ou procurará restaurá-lo. Pelo contrário, regozijar-se-á ante o contraste feito entre ele mesmo e o outro, que caiu em falta, e desejará que esse contraste permaneça. Tal homem nunca pensará em comparar-se com Jesus Cristo, mediante o que ficariademonstrado ser ele a pior e mais vil criatura que existe. Pelo contrário, se alegrará em fazer comparações entre si mesmo e aqueles que são menos moralmente controlados do que ele. Sua falta de simpatia e o seu excessivo orgulho, que o levam a pensar que é alguém sem falha, são pecados bem piores do que aqueles cometidos pelos crentes «caídos».
«...julga ser alguma coisa...» Em outras palavras, pensa ser alguém muito importante, valoroso. (Ver a expressão usada no trecho de Gl2:2,6). O verbo grego pode ter ou a idéia de «parecer» ou de «pensar», o que precisa ser definido pelo contexto.
O orgulho envolve dois grandes pecados: 1. Não atribui a Deus a glória que lhe é devida (ver I Co 1:29,31). 2. É um agente natural enganador, que leva o homem a valorizar-se falsamente; portanto, é prejudicial ao progresso da alma. O «engano» aqui aludido é oautoludíbrio. Porém, grande número de enganadores consegue fazer com que outras pessoas os julguem importantes, conforme certamente foi o caso dos falsos mestres que havia nas igrejas cristãs da Galácia.
«Não há pessoas mais inclinadas para censurar aos outros e mais descaridosas do que certas pessoas religiosas que pretendem possuir mais luz e mais profunda comunhão com Deus. Geralmente se deixam arrastar por uma fraseologia sublime e altissonante, que parece transparecer uma familiaridade admiravelmente profunda com as realidades divinas; despidos disso, muitos deles se assemelham a Sansão sem a sua cabeleira». (Adam Clarke, in loc).
6:4 Mas prove cada um a sua própria obra, e então terá motivo de gloria somente em si mesmo, e não em outrem;
Este versículo dá-nos a entender que muitos indivíduos sobranceiros eram exatamente aqueles que se mostravam críticos mais severos dos irmãos caídos em alguma falta. Paulo recomenda a ufania em realizações reais, e não o sentimento de superioridade obtido através de comparações com irmãos mais fracos. Se houver alguma forma de ufania, que seja por causa de alguma autêntica realização em favor de Cristo, e não porque o crente se satisfaz em julgar-se melhor do que os outros. Nem por isso, entretanto, Paulo aprovava a ufania, porquanto isso seria totalmente contrário ao espírito deste texto; mas mostrou que existe um contentamento legítimo e correto devido àquilo que Deus realmente tiver feito por meio de alguém, por meio de seu ministério. Não obstante, não se trata de um orgulho pessoal, já que equivale à satisfação com aquilo que o Senhor tem feito, de mistura com o contentamento por havermos sido usados como um instrumento seu.
«...prove...» No grego temos o vocábulo «dokimadzo», que significa «submeter a teste», como as moedas de ouro ou de prata eram sujeitas a testes específicos que comprovavam ou não sua genuinidade. Destaca-se a idéia de «examinar-se». E a base desse exame é aquilo que tivermos realmente realizado, a evidência palpável do «fruto» que o Senhor Jesus mostrou ser o teste (ver Mt 7:20). Naturalmente, até mesmo esse tipo de teste nem sempre é válido, pois existem grandes produtores que não são grandes cristãos, havendo também grandes pregadores que não são cuidadosos seguidores de Cristo. Não obstante, o exame que o crente deve fazer em seu próprio labor, sem querer averiguar se ele é melhor do que algum outro crente (por ter este caído em alguma falha), continua sendo um teste regularmente digno de confiança. Nesse teste ou exame das próprias «obras», sem dúvida alguma Paulo pensava nos aspectos de «qualidade» e «autenticidade», e não meramente em termos de quantidade. O ministério de alguém realmente resultou em homens terem vindo a conhecer a Cristo? e crentes têm sido ensinados por ele, com o resultado que estão crescendo na graça e estão sendo transformados segundo a imagem de Cristo? Ou então, tal como no caso dos elementos legalistas, apesar de todas as pretensões, o ministério de um crente realmente tem afastado os homens de Cristo, por ter ele substituído a realidade espiritual por qualquer outra coisa? O mandamento paulino, neste ponto, parece que tem esse objetivo, o de exortar principalmente os líderes das diversas facções das igrejas da Galácia, os quais se vangloriavam de sua posição de ministros, degradando a outros.
«...motivo de gloriar-se...» Conforme dizem algumas traduções, tal crente terá motivo de «regozijo», motivo de «ufania». O termo grego «kauchema»
significa «a base» para a vanglória (ver Rm 4:2 e I Co 9:15), e não o «ato de ufania», que é idéia expressa pelo termo grego «kauchesis», conforme se lê em Rm 3:27 e II Co 1:12. Tal distinção, como com freqüência se dá no caso do grego helenista, nem sempre vigora; e sem importar o que se compreenda aqui, o sentido da frase em nada se altera.
Como se deve compreender essa ufania?
1. Mui provavelmente Paulo não falou com ironia, conforme têm pensado alguns intérpretes, os quais observam que toda a vangloria éreputada ilegítima pelo evangelho.
2. Provavelmente essa ufania não é de «tipo indeterminado», como se Paulo houvesse dito que «quanto à ufania, de qualquer espécie, que o crente só se ufane após o exame de si mesmo e de seu trabalho, e não por comparar-se com irmãos menores na fé». No entanto, esse sentido é possível, sendo melhor que a primeira posição.
3. Antes, parece que Paulo admitia alguma forma legítima de ufania. E essa seria aquela forma de ufania que se gloria daquilo que Cristo tem feito através do crente que se ufana. Não como se as realizações em foco houvessem sido feitas pelo próprio crente, por seus esforços humanos, e não através do poder divino do Espírito Santo.
Não é errado alguém ufanar-se daquilo que Deus tem feito em si mesmo ou por seu intermédio, contanto que a glória esteja sendo atribuída à fonte divina, e não ao instrumento daquela realização. Por isso mesmo é que Paulo disse, em II Co 12:5: «De tal cousa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo, salvo nas minhas fraquezas». Paulo se referia a si mesmo, mas como alguém tão intimamente associado a Cristo a ponto de não ter ele glória ou identidade separada por si mesmo, porém, tão-somente aquilo que pertencia a Cristo Jesus. Por isso mesmo é que ele completou a primeira porção de sua declaração com as palavras, «...não me gloriarei...de mim mesmo...» Em outras palavras, Paulo não se vangloriava de si mesmo, à parte de Cristo Jesus. Por outro lado, o apóstolo dos gentios se ufanava de suas experiências místicas elevadíssimas, do poder de Cristo que se manifestava extraordinariamente em sua vida. Por isso, quando Paulo se gloriava, na realidade se gloriava em Cristo, porquanto, conforme ele mesmo declarou, «...Cristo vive em mim...» (Ver Gl 2:20).
Se alguém tiver de ufanar-se, pois, que o faça dessa maneira, e não por fazer comparações com crentes de menor santidade ou de habilidades inferiores. Não consiste motivo de vangloria quando o crente descobre alguém que lhe é espiritualmente inferior. Isso sempre poderá ser feito sem a menor dificuldade. Porém, o difícil é descobrir aquele «alter ego» que tem sido verdadeiramente usado nas mãos de Deus, em quem um crente pode ufanar-se com toda a razão.
6:5 porque cada qual levará o seu próprio fardo.
Tanto na tradução portuguesa como no original grego, temos aqui uma palavra diferente daquela que é empregada no segundo versículo deste capítulo, isto é, «baros» e «fortion». Ambos os termos gregos podem ter esse significado, e isso parece apresentar um paradoxo. Como é que alguém poderia ser exortado a levar as cargas alheias, ao mesmo tempo que precisa levar o seu próprio fardo? Paulo apreciava muito essa forma de paradoxos. (Comparar com Fp 2:12,13; II Co 6:8-10; 7:10).
Na realidade entretanto, não há maior contradição nisso do que há na experiência humana no que diz respeito a tais questões. Pois um ser humano é, ao mesmo tempo, uma ilha isolada e um ser gregário. O que uma pessoa qualquer faz sempre afeta a outros, e lhe émister ajudar os outros a levarem suas cargas. Ao mesmo tempo, porém, cada indivíduo tem uma missão especial a cumprir, que nenhum outro pode realizar. (Ver o trecho de Ap 2:17). Portanto, cada qual precisa submeter a teste sua própria obra e missão, sem jamais fazer confrontos com quem quer que seja. Um homem pode ajudar a carregar os fardos alheios, e uma ajuda mútua é dada dessa maneira; mas cada indivíduo vive isolado quanto à questão de sua responsabilidade. Nenhum homem pode assumir a responsabilidade de outrem, quanto ao progresso de sua alma, quanto à sua missão; e também ninguém pode infringir no terreno que pertence exclusivamente a outro.
Cada vida é um solo; mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de ser um concerto com todos os outros com quem entra em contacto. No segundo versículo deste capítulo, Paulo enfatiza como a vida deve expressar-se em um «concerto», mediante a lei do amor. No presente versículo cada indivíduo como que canta um «solo», no que diz respeito à missão sem igual e à responsabilidade que ele deve ter, obtendo nisso sucesso ou fracasso. Depende exclusivamente do próprio indivíduo se isso soa bem ou mal, se comove ou provoca desgosto, se inspira, rebaixa ou não tem qualquer efeito. Por todas as páginas da Bíblia percorre a necessidade de mutualidade, de participação, de viver segundo a lei do amor; mas a também transparece o tema da responsabilidade individual, que primeiramente envolve a própria conversão, e então continua no andar diário, na missão da vida no alvo nobre em direção ao qual nos devemos esforçar como crentes individuais. O «fardo» também envolve a tarefa de nos examinarmos a nós mesmos, nosso próprio valor, acompanhado pela ausência de qualquer crítica contra nossos semelhantes.
«...fardo...» No grego é «phortion», que indica a «carga» de um navio ou de outro veículo transportador qualquer. Também indicava «a carga levada por um animal qualquer». No trecho de Mt 11:30, o «fardo» de Cristo é expresso exatamente por meio dessa palavra. Cada indivíduo transporta um «fardo», que é a missão de sua vida, com a responsabilidade de apresentar sua própria alma a Cristo e ser usado em suas mãos. Em tudo isso o crente se vê inteiramente sozinho. Mas esse fardo é tão pesado que consome as energias de um indivíduo, e ele não tem mais tempo para preocupar-se consigo mesmo, para fazer comparações entre sua própria pessoa e algum outro crente. Tal fardo ocupa a atenção inteira do crente de modo a eliminar todas as comparações. No entanto, ao mesmo tempo, uma parte desse fardo consiste em ajudar a outros, em aliviar as cargas alheias.
«Perante o tribunal de Cristo, todos terão de suportar o seu próprio fardo. Assim sendo, o louvor do homem cessa quando ele morre. Perante o Juiz eterno não é o louvor que vale, mas a sua própria consciência». (Lutero, in loc.).
Alguns intérpretes pensam que as palavras «...seu próprio fardo...» significam «sua própria carga de debilidades» (conforme pensaFaucett, in loc). Porém, este versículo envolve bem mais do que isso. Não se trata meramente de que o crente ficará sobrecarregado na consciência por causa de seus pecados, de modo a não ter mais tempo para julgar a outros (embora esse aspecto também mostre certa verdade); pelo contrário, toda a sua busca por Deus e pelo bem eterno o impedirá de encontrar motivo de ufania na comparação entre sua pessoa e outros. Por semelhante modo, pensar que essas palavras aludem ao «dia do juízo», segundo pensam alguns estudiosos, também limita desnecessariamente o sentido das mesmas, ainda que a prestação de contas final não possa ser divorciada do sentido do texto. Por essa razão é que Sanday (in loc), expandiu acertadamente a interpretação, ao dizer: «Ele deve carregar o peso de suas próprias virtudes e de seus próprios pecados. Por essas coisas é que ele será julgado, e não devido a alguma suposta superioridade ou inferioridade em confronto com outros. Quanto a esse pensamento, comparar com o trecho de II Co 10:12-14».
«'...fardo...' neste caso, denota a responsabilidade regular diária de que os crentes são encarregados». (Rendall, in loc).
6:6 E o que está sendo instruído na palavra, faça participante em todas as boas coisas aquele que o instrui.
Os pensamentos sobre a necessidade de cada crente ser fiel em seu ministério, de cada crente aquilatar-se a si mesmo, de cada crente não comparar-se com outros, leva a mente do apóstolo à importantíssima questão que ele mencionou somente de passagem, sem desenvolvê-la, a saber, a necessidade que os ministros tem de ser sustentados por suas respectivas congregações, a fim de que possam ocupar-se do ministério do ensino sem empecilhos. A necessidade de serem sustentados financeiramente os ministros do evangelho é um tema que foi desenvolvido algures. (Ver a seção de I Co 9:6-18. Ver igualmente sobre o tema «o direito dos ministros da Palavra de serem sustentados pela igreja», em I Co 9:5-7. E ver sobre «a prática da igreja cristã primitiva era a de sustentar aos seus ministros», em I Co 9:14).
Paulo não queria que os crentes gálatas interpretassem erroneamente seu ensinamento que cada qual deve levar o seu próprio fardo. Pois isso não significa que estão envolvidas questões «financeiras». Pelo contrário, a tradição e a prática é que aqueles que recebem o benefício do ensino, através daqueles que foram dotados pelo Senhor e treinados para tanto, têm o dever e a responsabilidade de compartilharem da «carga financeira» com o seu mestre.
«...todas as cousas boas...» Essa expressão não deve ser limitada somente às coisas físicas e materiais; mas, ao mesmo tempo, não deveríamos excluir tais pensamentos. Essa expressão significa «de toda a maneira e em todas as coisas». Aqueles que são ensinados deveriam contribuir com riquezas suficientes para o mestre, a fim de que este possa devotar o seu tempo integral a seu ministério. Ao mesmo tempo, os crentes deveriam compartilhar com ele de toda a sua vida moral e de seus valores espirituais, mediante uma atitude acolhedora e mediante a disposição de se ensinarem mutuamente. Alguns intérpretes fazem objeção à idéia de «sustento para os ministros da Palavra», como sentido dessas palavras, limitando-as à participação nas realidades espirituais; porém, a maioria dos estudiosos condena com razão esse ponto de vista dos primeiros.
«O objetivo de compartilharem os crentes das coisas materiais com aquele que os ensina visa tornar possível a mutualidade dos dons espirituais. Paulo jamais se colocou em um pedestal, como se não tivesse nunca necessidade da ajuda espiritual dos seus convertidos. (Ver I Ts 2:8; 3:7-9; II Co 1:3-11; 6:11-13; 12:14,15 e Rm 1:11,12)». (Stamm, in loc).
«Já havia classes de ensino desde aquele tempo tão recuado. (Ver I Ts 5:12; I Co 12:28; Ef 4:11 e I Ts 5:17)». (Robertson, in loc).
O fato de que tais classes de ensino eram necessárias mostra-nos que o trabalho cristão era levado muito a sério, e não algo adicional a outras coisas. Aqueles mestres cristãos se preparavam cuidadosamente com antecedência, intelectual e espiritualmente, a fim de que a igreja cristã fosse verdadeiramente instruída. Esse é um dos aspectos que a igreja cristã tem enfraquecido imensamente, ao entregar todo o seu ministério a um único tipo de ministro, o pastor ou sacerdote, o qual, sozinho, não pode ensinar à igreja, sem ajuda, conforme deveria fazê-lo. Na igreja cristã primitiva, aqueles que exerciam vários dons espirituais, todos dentro da comunidade religiosa, ocupavam a posição, como um grupo, que um único indivíduo, hoje em dia, procura ocupar, embora não possa fazê-lo com êxito. Disso é que se derivam as várias fraquezas tão evidentes na moderna igreja evangélica, com sua condição relativamente «sem instrução». O desaparecimento dos dons ministeriais exigiu um ministério «profissional», que procura, sem sucesso, substituir tudo quanto é necessário.
«...palavra...», neste caso, não indica as Escrituras do Antigo ou do Novo Testamentos, e, sim, o «conteúdo geral» da mensagem do mestre cristão, a qual, naturalmente, incluía muito do que agora chamamos de antigo e novo pactos. É possível que haja nesse termo uma referência ao «evangelho concernente a Cristo»; todavia, não é aqui indicado qualquer documento escrito específico, que é a maneira como ordinariamente usamos esse vocábulo hoje em dia.
«...faça participante...» No grego temos o vocábulo «koinoneo», que significa «compartilhar», «ter uma porção», «participar». Um receber e dar mútuos ficam entendidos nesse termo. No trecho de Rm 15:27, tal ação envolve «as coisas espirituais». Já em Phil. Spec, leg. 2 e Fp4:15, essa palavra se limita às questões financeiras, à «contribuição» de cada um para o benefício físico de outrem, às dádivas em dinheiro, às doações na forma de coisas dotadas de valor material. No presente texto, entretanto, a participação, tanto em coisas materiais como em riquezas espirituais, provavelmente está em foco.
«Temos chegado a entender por qual razão é tão necessário reiterar a admoestação constante neste versículo. Quando Satanás não pode suprimir a pregação do evangelho pela força, procura obter o seu propósito ferindo os ministros do evangelho com pobreza material. Assim diminui suas rendas de tal modo que são forçados a sair do ministério, por não poderem viver do evangelho. Sem ministros que preguem a Palavra de Deus, o povo se transformará em feras selvagens». (Martinho Lutero, in loc, que também lamentou o abuso a que o dinheiro é sujeitado nas igrejas, em que as massas populares são exploradas, em que igrejas luxuosas fazem grandes campanhas de levantamento de fundos, etc). O mesmo Lutero afirma que o evangelho quase sempre cria um «subproduto» entre o povo, a saber, a atitude de «não querer contribuir», ao passo que as religiões falsas florescem material e financeiramente. Isso Lutero atribuía à má influência de Satanás, que procura sufocar a igreja cristã com a pobreza).
E finalmente, acrescentou Lutero (in loc): «Quando os membros de uma comunidade cristã permitem que seu pastor se debata na penúria material, mostram ser piores do que os pagãos».
«Não se espera que um mestre-escola comum dê de seu tempo para ensinar aos nossos filhos o seu 'alfabeto', em troca de nada; e poderíamos supor que é direito qualquer pessoa assentar-se a fim de ouvir a pregação do evangelho, para que se torne sábio para a salvação, através disso, sem contribuir para o sustento de seu mestre espiritual? Isso é injusto». (Adam Clarke, in loc).
Fonte Bibliografia R. N. Champlin,comentário do novo testamento,2003
FONTE VEJA www.avivamentonosul.blogspot.com.br