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Um Estudo Sobre as Manifestações do Pecado 

 

 

I.             Listas de Vícios

II.           As Características do Pagão

III.         Empregando o Método da Pêntada

IV.         A Maior Lista de Vícios dos Evangelhos Sinópticos

V.           Os Vícios Como Obras da Carne

VI.         Os Vícios de II Tm 3:2-4: as Características dos Homens dos Últimos Dias

VII.       O Vício do Ódio

VIII.     O Vício da Idolatria

IX.        O Mundanismo

 

I. Listas de Vícios

 

 

Filipenses 2.15

 

 

 

2.15: para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus imaculados no meio de uma geração corrupta e perversa, entre a qual resplandeceis como luminares no mundo,

 

 

 

O termo «...irrepreensíveis...» é tradução do vocábulo grego «memptos», que significa «culpado», «faltoso». Mas o original usa o prefixo grego «a», que dá a idéia exatamente do oposto. Portanto, não devemos praticar qualquer vício e nem ter qualquer atitude que leve outros a se escandalizarem ou a «censurarem» as nossas ações. Paulo exige aqui uma elevada integridade moral.

 

 

 

«...sinceros...» No original grego temos «akeraiso», que literalmente significa «sem mistura», ou seja, «puro», «inocente», alguém cujos motivos são inatacáveis, acima de qualquer reprimenda, alguém que vive para agradar ao Senhor, que não visa auto-exaltar-se, que serve a seus semelhantes por puro altruísmo, sem qualquer atitude egoísta ou perversa. Essa palavra tenciona falar do «puro caráter intrínseco» de pessoas boas. (Ver os trechos de Mt 10:16 e Rm 16:19, onde se vê que os crentes devem ser «singelos», e não complexos, no tocante ao mal, sem «racionalizarem» a maldade, como se não houvesse ruindade nela, sem se desculparem por estarem praticando algo condenável). É possível que uma vez mais o apóstolo dos gentios estivesse pensando no antigo povo de Israel, cujo caráter Moisés lamentou em seu cântico de despedida, dizendo: «Procederam corruptamente contra ele, já não são seus filhos, e, sim, suas manchas: é geração perversa e deformada» (Dt 32:5). Paulo queria que os libertos crentes filipenses vivessem muito acima do mau exemplo dos israelitas libertados do Egito.

 

 

 

Essas duas palavras, por conseguinte, irrepreensíveis e «sinceros», aludem à natureza «interna» e à natureza «externa». Internamente deveriam ser «puros», «singelos», «sem mistura»; e externamente deveriam ser «inculpáveis», não atraindo qualquer censura da parte de Deus ou dos homens. Paulo, pois, queria que os crentes filipenses fossem inculpáveis tanto no tocante à sua reputação como no concernente à realidade diária.

 

 

 

«...filhos de Deus...» Temos aqui o termo grego «tekna», e não «uioi». Com freqüência essas duas palavras são empregadas como sinônimos; porém, quando se tenciona estabelecer alguma distinção, «teknon» subentenderelação natural, isto é «filhos gerados», ao passo que «uios» indica a posição legal ou ética. A pureza interna e a reputação inatacável era a de filhos de Deus, que se mantinham nessa condição devido ao respeito que tinham por Deus Pai, devido à comunhão desfrutada com ele, porquanto Deus é a origem suprema de toda a santidade. É a santidade de Deus que estamos absorvendo gradualmente (ver Mt 5:48 e Rm 3:21).

 

 

 

«Aqueles que exibem uma autêntica disposição filial são descritos como 'gerados' ou 'nascidos' de Deus... (ver Jo1:13; 3:3,7; I Jo 3:9; 4:7; 5:1,4,18). Também é verdade que, com freqüência, Paulo reputou as relações cristãs de um ponto de vista puramente legal, como se fora uma adoção. Somente ele emprega o termo 'uiosethia' (ver Rm 8:15,23; Gl 4:5 e Ef 1:5). Entretanto, em Rm 8:14,17, temos tanto a palavra 'uioi' como a palavra 'tekna'. Aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são 'uioi'; e o Espírito Santo testifica com eles que são 'tekna' de Deus. Mas essas são questões éticas». (Vincent, in loc).

 

 

 

«...inculpáveis...» No grego temos o termo «amomos», «sem culpa», termo usado para indicar a ausência de qualquer defeito nos animais que deveriam ser sacrificados em holocausto, bem como para indicar a pessoa de Cristo como o Cordeiro que foi sacrificado (ver I Pe 1:19). Portanto, o mais elevado grau de pureza nos é requerido. (Ver o trecho de Ef 5:27, onde ela ocorre novamente, aludindo à «pura noiva de Cristo», como uma «virgem pura e casta»). O trecho de II Co 11:2 também expressa a necessidade que os crentes têm de pureza. Essa expressão explica melhor ainda as duas expressões anteriores. Quanto à «reputação», os crentes devem ser «inculpáveis»; e isso porque, no tocante à sua vida «real», são «sem defeito». Devem ser crentes «sinceros», «sem mácula», «puros», e isso internamente, visto que realmente não tem defeito.

 

 

 

«...geração pervertida...» No grego original temos aqui a palavra «skolia», que significa «sem escrúpulos», «desonesto», «duro», «injusto», «distorcido», ou seja, moralmente perverso. Isso descreve «...um comportamento externo desonesto e pervertido; mas o segundo termo descreve o caráter íntimo distorcido». (Braune', in loc). (Quanto à primeira dessas palavras, ver igualmente os trechos de At 2:40; I Pe 2:18; Sl 78:8 e Pv 2:15).

 

 

 

«...corrupta...» No grego temos o termo «diestrammenos», uma forma do verbo «diastrepho», que quer dizer «distorcer», «perverter», ou, em sentido moral, «depravar». Essa palavra denota uma condição moral «anormal»; e assim parecia o paganismo aos olhos de Paulo. Ele advertiu aos filipenses, portanto, que não se fizessem participantes com os pagãos, em seus pecados morais.

 

 

 

«...resplendeceis como luzeiros no mundo...» (Quanto a um total desenvolvimento das metáforas da «luz» e das «trevas», como símbolos representativos do «bem» e do «mal», ou daqueles que são «bons» ou «maus», ver Ef 5:8. Quanto às pessoas que vivem no pecado, as quais são «trevas» por si mesmas, ver a mesma referência). Os crentes foram feitos «...luzeiros...» no Senhor. (Quanto à idéia que aquilo que é iluminado transforma-se em «luz» por si mesmo, e não apenas um reflexo da luz, ver Ef 5:13. No tocante a Cristo como «a luz do mundo», ver Jo 1:9). Devido à graça de Deus, os homens iluminados não somente se fazem lâmpadas que transportam luz; mas eles mesmos são luz, adquirindo a natureza mesma do divino Iluminador. E assim podem habitar nas regiões da luz, a saber, as regiões celestes.

 

 

 

«...luzeiros...» No grego temos o vocábulo «phoster», que significa «corpo luminoso», geralmente usado para indicar as estrelas, ou até mesmo o sol. Os crentes, por conseguinte, são mais que meras «lâmpadas» que levam a luz, mas que não são a própria luz. Por semelhante modo, não se assemelham à lua, que reflete a luz do solmas não produz luz própria. Pelo contrário, os crentes são fontes luminosas, que compartilham da natureza da Luz. Os crentes precisam ser corpos luminosos, fontes de luz, em meio às trevas deste mundo.

 

 

 

Bibliografia Champlin,comentário do novo testamento 2000

 

 

 

O estoicismo romano utilizava listas de vícios e virtudes para ensinar seus princípios éticos. Estas listas foram, às vezes, construídas sem qualquer desígnio especial, mas, outras vezes, em pêntadas alternativas de vícios e virtudes. Outros métodos foram empregados, talvez por razões de estilo literário ou para facilitar a decoração das listas, como, em tempos modernos, crianças na Escola Dominical decoram os Dez Mandamentos. A ética é o estudo da conduta ideal, e é impossível alcançar este ideal sem saber o que fazer e o que evitar. Ensinos sobre vícios e virtudes nos ajudam a determinar os elementos desejáveis e indesejáveis de ação moral. O Apóstolo Paulo emprestou este método de ensino do estoicismo romano, obviamente achando que tinha algum valor para o homem espiritual. Demonstrou, com estas listas, a seriedade do pecado, e ilustrou a profundidade do estado pecaminoso do homem. Longe de Cristo, o homem é, verdadeiramente, cheio de vícios.

 

Estudando o pecado. Alistando e examinando os muitos vícios dos homens, aprendemos muitas coisas sobre a própria natureza e manifestações dos pecados.

 

II. As Características do Pagão: Rm 1:23 ss

 

Por haverem desprezado o conhecimento de Deus. Paulo continua, neste ponto, a sua descrição acerca da mentalidade pagã, que rejeitava o conhecimento inerente do verdadeiro Deus, substituindo esse conhecimento pela idolatria, o que resulta nas degradações morais que o apóstolo ventila. A palavra grega, nesse caso, significa pleno conhecimento, no dizer de Vincent, in loc: «Não pensam esses homens que vale a pena conhecer a Deus. Pode-se comparar isso com I Ts 2:4... Não permitem eles que a revelação rudimentar, dada pela natureza, se desenvolva até o pleno conhecimento».

 

Disposição mental reprovável. Literalmente tradu­zida do grego, essa expressão significaria «não passam no teste». Trata-se de uma espécie de atitude mental que não pode ser aprovada por Deus, ficando subentendida uma atitude pervertida, à qual falta razão e bom senso. É uma atitude que rejeita o conhecimento inerente e que prefere criar absurdos. No original grego há um jogo de palavras, posto que o vocábulo que descreve como os homens desprezam o conhecimento de Deus também é usado em outra forma (a mesma raiz vocálica é empregada) para descrever a atitude mental a que Deus os en­tregou. É por esse motivo que Alford (in loc.) traduz: «Posto quereprovaram o conhecimento de Deus, Deus os entregou a uma mente reprovada». Também poderíamos traduzir essa sentença por: «Visto que eles desprezaram o conhecimento de Deus, Deus os entregou a uma mente desprezível»; ou ainda: «Visto que não aprovaram o conhecimento de Deus, Deus os entregou a uma atitude mental reprovável». E isso serve de demonstração da lei da colheita segundo a semeadura. Os homens recebem exatamente aquilo que semeiam.

 

Os Vícios dos Pagãos

 

Rm 1:29: estando cheios de toda a injustiça, malícia, cobiça, maldade; cheios de inveja, homicí­dio, contenda, dolo, malignidade;

 

Os adjetivos aqui utilizados, isto é, cheios possuídos, demonstram claramente que o caso é maligno, característico do paganismo, agravado e contínuo, e não algo cometido ocasionalmente. Observemos que «toda» sorte de injustiça é que os caracteriza.

 

1. InjustiçaEssa palavra mui provavelmente é usada como termo geral para descrever o cabeçalho da lista. Sumaria a disposição mental característica que leva os homens a perpetrarem muitos tipos de maldades contra os seus semelhantes, maldades essas descritas a seguir.

 

«É o egoísmo, entronizado contra todo o direito alheio». (Newell, in loc).

 

«Trata-se de todo o vício contrário à justiça e à retidão». (Adam Clarke, in loc).

 

2. MalíciaTemos aqui a atitude mental de quem se deleita com a ruína, com o desconforto, com o infortúnio alheio; é uma atitude odiosa, que se deleita na perversidade. É o desejo de prejudicar, a malignidade de espírito que produz uma vida cancerosa. É a opressão do homem contra o homem.

 

3. AvarezaRepresenta o «eu» entronizado, o egoísmo total, — a mais completa desconsideração para com os direitos dos outros, que deseja todos os benefícios apenas para si mesmo. Está em pauta o amor intenso ao lucro, a qualquer preço, o gênio de uma alma perenemente insatisfeita com o que já possui, numa atitude extremamente materialista, que expulsa todos os motivos mais elevados. Esse pecado é invariavelmente classificado entre os piores vícios, porquanto é a própria antítese da piedade. Consiste em fazer do próprio «eu» um deus, conferindo a si mesmo o que pertence somente a Deus e aos nossos semelhantes (ver Jr 22:17; Hb 2:19; Mc 7:22; Ef 5:3; Cl 3:5 e II Pe 2:3, que são versículos bíblicos que abordam esse pecado). A passagem de Cl 3:5 define esse erro como «idolatria», porquanto se trata de um desejo pervertido de obter coisas, de desejar anelantemente as possessões materiais, como se a posse das mesmas pudesse satisfazer à alma, ficando assim criado um «deus» das riquezas. Sócrates comparava o homem avarento a um vaso todo esburacado. Sem importar o quanto fosse derramado em tal vaso, ele sempre desejava mais, jamais ficando cheio ou satisfeito. As almas dos ignorantes, no dizer de Platão, são esburacadas. (Ver Górgias, 493).

 

4. MaldadeTemos aqui a má vontade, numa atitude radical e essencialmente perniciosa. É bem possível que essa palavra seja aqui usada em sentido passivo, indicando um vício íntimo, que é a motivação por detrás das ações malignas mais francas. Trata-se daquela malícia que abriga o desejo de prejudicar os outros.

 

5. Possuídos de invejaTrata-se de um sentimento de ódio contra alguém que nos é superior, quer em posição social, quer em qualidade de caráter, quer em possessão material, que desejamos mas não podemos obter. Assim é que lemos sobre Pilatos: «Pois ele bem percebia que por inveja os principais sacerdotes lho haviam entregue» (Mc 14:10). O Senhor Jesus era santo e bom, sem qualquer mácula em seu caráter; mas o hipócrita não podia tolerar tal coisa. A inveja consiste na tristeza de alguém em face do sucesso de outrem, bem como na alegria quando outro incorre em erro ou é derrotado (ver I Co 13:6).

 

«(A inveja) é a dor sentida e a malignidade concebida em face da excelência ou da felicidade de outrem». (Adam Clarke, in loc.).

 

«É a atitude errônea em face do conhecimento e da erudição superiores, em face das riquezas ou prosperidade, em face da felicidade e da prosperidade exterior de outros». (John Gill, in loc).

 

Os pagãos não somente tinham tal vício, mas eram também possuídos, pelo mesmo, o que nos mostra que os vícios os controlavam e não eles os vícios.

 

6. HomicídioEsta palavra, no grego, tem um som similar à palavra anterior, e sem dúvida aparece na lista, nesta altura, simplesmente por esse motivo; e isso nos mostra, conforme afirmam alguns intérpre­tes, que essa lista não pode ser dividida em categorias bem claras e definidas. É simplesmente uma tentativa do apóstolo de fazer uma lista de um bom número dos pecados que caracterizavam o paganismo, sem qualquer ordem especial ou sem qualquer inter-relação entre esses pecados. Todos esses vícios caracteri­zam ações antissociais, conforme vemos nos versículos vigésimo quarto a vigésimo sétimo, que apresentam uma lista de pecados pessoais, morais. Só podemos fazer essa divisão sobre os vícios humanos, mas qualquer coisa mais detalhada do que isso tende para a artificialidade.

 

O homicídio é um ato da mais pura violência, que se deriva de uma perversão íntima, inspirada por qualquer dos vícios anteriores. A inveja pode causá-lo; a avareza também pode produzi-lo; a má vontade íntima, que abriga o desejo de prejudicar a outros também pode ser sua fonte; e a malícia, que se deleita na ruína do próximo, pode ser a sua base fundamental. O trecho de Mt 5:21-26 nos mostra que o ato de homicídio é mais do que um ato desenfreado; pode ser também uma atitude interna, um sentimento de ódio cultivado contra outrem. Muitos daqueles que não ousariam matar a outro, mediante essa atitude íntima criticam e prejudicam seus semelhantes com suas palavras, cometendo autênticos assassinatos de caráter. Essa atitude é tão comum na igreja cristã que se tornou proverbial; pois o que é mais comum do que se falar sobre as «maledicências» das senhoras de uma igreja, quando elas se reúnem em grupo? E muita gente boa é vitimada por esses homicidas morais.

 

Esse pecado se tem tornado tão generalizado que se tornou motivo de piadas e palavras impensadas, em vez de ser severamente censurado. O ódio íntimo contra outra pessoa é uma forma de assassinato; e quem não se tem tornado culpado disso, numa ou noutra ocasião? E existem almas mais egoístas que são continuamente culpadas desse pecado? (Que o leitor consulte o trecho de Mt 5:21-26)

 

7. ContendaLiteralmente traduzida do grego, essa palavra significa o espancamento produzido quando de alguma desavença.«Verdadeiramente, quão repleta de contendas é esta raça humana!» Newell. No entanto, a mitologia grega criou desse vício uma deusa!

 

8. DoloEncontramos nesta palavra o espírito e a prática da mentira, da falsidade, da prevaricação, da desonestidade. Essa palavra portuguesa se deriva do verbo grego delo, que significa «apanhar com uma isca», ou seja, enganar mediante falsificação. O Senhor Jesus designou Natanael como «Eis um verdadeiro israelita em quem não há dolo!» (Jo 1:47). Homens como Natanael são extremamente raros. A sociedade humana virtualmente sobrevive em meio ao ludibrio, especialmente no que diz respeito ao mundo dos negócios. Usa-se de engano nas escolas, no comércio e nas relações pessoais que se baseiam na confiança mútua; os homens preferem usar do ludibrio à honestidade; são mentirosos no coração e são mentirosos com a língua.

 

9. MalignidadeDiz Adam Clarke (in loc), a respeito disso: «Essa atitude consiste em aceitar tudo no pior sentido... o que leva o seu possuidor a dar a interpretação mais negativa a toda a ação. Aos melhores atos, se dá o pior motivo». Trata-se de um sentimento especialmente pernicioso, sendo uma perversão do espírito que se deleita na maldade e que a vê em tudo, mesmo onde ela não existe. É indicação de uma disposição totalmente maliciosa.

 

Rm 1:30: sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais;

 

10. DifamadoresO vocábulo grego produz um som sibilante, que provavelmente era produzido em imitação àqueles que habitualmente se mostram caluniadores. O som sibilante sugere o sibilo da serpente, porquanto a língua ferina com grande frequência tem sido assemelhada aos ataques furtivos e repentinos das serpentes venenosas. O pecado aqui referido é aquele cometido pelos «caluniadores em secreto», e o versículo trinta começa a falar sobre os «caluniadores». O fato é que os «caluniadores» não são melhores do que os difamadores. São igualmente peçonhentos e destruidores em seus ataques. O termo usado neste vigésimo nono versículo se refere àqueles que secretamente se dirigem a alguém, transmitindo-lhe alguma informação que supostamente é só para esse alguém.Mas, ao assim fazerem, atacam difamadoramente o caráter de outro, em sua reputação, lançando dúvidas sobre a sua honestidade ou outra virtude, procurando armar um escândalo qualquer.

 

11. CaluniadoresEssa palavra designa aqueles que fazem, aberta e publicamente, aquilo que os «difamadores» fazem em segredo, na surdina. O termo usado no presente versículo significa «falar contra», subentendendo, normalmente, os acusadores falsos ou caluniadores. O leitor pode examinar o trecho de I Pe 2:12, onde se comenta sobre o uso dessa palavra.

 

12. Aborrecidos de Deusindica aqueles que desafiam abertamente a toda autoridade, não temendo nem a Deus e nem aos homens. E embora supostamente cônscios do desprazer divino, não se deixam refrear por tal conhecimento. Odeiam a todos os objetos sagrados, e ridicularizam daqueles que creem em Deus e na alma. São totalmente profanos, e ainda se ufanam disso. Demonstram seu ódio pelas coisas sagradas porque, no íntimo, odeiam a Deus. Essa rebelião contra Deus, que caracteriza a todos os corações não convertidos, domina tais pessoas completamente. Servem tais indivíduos de suprema ilustração da verdade que «o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar» (Rm 8:7). São pessoas que não mostram apenas uma irreligiosidade passiva, mas são antes ativas e declaradamente profanas. No dizer de Adam Clarke (in loc): «Parece ser esse o toque de acabamento de um caráter diabólico».

 

13. InsolentesEssa palavra descreve os homens que têm prazer em insultar e injuriar seus semelhantes. — Em sua forma verbal, signi­fica «tratar com injuriosa insolência». São os indivíduos tempestuosos, turbulentos e abusivos de caráter. Conforme comentou John Knox (in loc.): «...uma atitude desavergonhada que não se deixa vergar à atitude de reverência, nem se humilha ante a própria conduta errada, nem restringe a sua própria conduta, sem importar a consciência que porventura tenham da presença de Deus. Naturalmente, daí se segue que se mostram altivos em suas relações com seus semelhantes, porquanto são insolentes em sua atitude para com Deus, motivo também porque não mostram qualquer senso de restrição em sua autoglorificação e nos louvores com que favorecem a si próprios».

 

14. Soberbosisto é, tomados de orgulho altivo. É o vício de caráter daqueles que louvam a si mesmos, demonstrando uma atitude exatamente oposta à do Senhor Jesus, que disse: «Vinde a mim todos... porque sou manso e humilde de coração...» (Mt 11:28-30). Em contraste com o Senhor Jesus, tais indivíduos estão tão repletos de si mesmos que não têm espaço algum de sobra para a consideração sobre as coisas relativas a Deus ou aos seus semelhantes. Gloriam-se em seus supostos poderes e realizações, desprezando aos outros. Essa palavra se deriva de uma combinação de palavras que tem o sentido de «brilhar acima». Querem que os outros recebam suas palavras, como se fossem oráculos. Magnificam o espírito de Satanás, e pregam na atitude de Nietzsche e de Trasímico, que viveu muito antes deles, os quais diziam que «a força é o direito».

 

Não nos podemos equivocar quanto ao fato inegável de que uma geração selvagem e descontrolada está entesourando para si a punição, talvez mesmo de uma forma nacional e catastrófica, como uma guerra atômica, acompanhada da fome, da miséria, das revoluções sociais e do destroçamento econômico, que terá lugar nos últimos tempos. As tribulações pelas quais o mundo passará, no inicio do presente século XXI, pelo menos em parte se deverão à natureza descontrolada e desvairada da atual geração jovem, que não considera coisa alguma sagrada. A lei da colheita segundo a semeadura é inflexível, porquanto tudo quanto um homem semear, isso também ceifará.

 

15. PresunçososEssa palavra se deriva, no original grego, do verbo que significa «supor», «tomar», «arrebatar», «agarrar», indicando uma atitude de vangloria, de egoísmo e de arrogância.

 

16. Inventores de males«São os inventores de instrumentos destruidores, a exemplo de Alexandre o Grande. São os inventores de novas modalidades de vícios morais, a exemplo de Nero, —que exibiu em espetáculo a tortura dos cristãos, em seus jardins, tendo chegado ao extremo de convidar seus hóspedes a contemplarem tal espetáculo. São aqueles que têm inventado costumes, ritos, modas,etc, de caráter destruidor. Entre esses podemos citar aqueles que criaram certas cerimônias religiosas diferentes entre os gregos e os romanos, como as orgias de Baco, os mistérios de Ceres, as lupercálias, as festas da Bona Dea...Multidões de cujas maldades, na forma de cerimônias destruidoras e abomináveis, se encontram sempre, por toda a adoração pagã» (Adam Clarke, in loc).

 

17. Desobedientes aos paisTemos aqui um pecado tão moderno e comum em nossos dias, que nem choca mais os nossos ouvidos. No entanto, tal pecado era extremamente chocante para os antigos judeus, com seu código moral mui estrito em certos particulares, o que fazia com que esse pecado fosse considerado por eles como uma falta gravíssima. Literalmente traduzida, essa palavra grega significa «incapazes de serem persuadidos pelos pais». A passagem de II Tm 3:1,2 revela-nos que essa péssima característica humana seria própria dos últimos dias. Esse pecado é uma maldição para o desenvolvimento harmonioso da família, estendendo-se à comunidade inteira dos homens, servindo de verdadeira praga da sociedade. Um dos poucos mandamentos vinculados a uma promessa é aquele que nos ordena respeitarmos e honrarmos nossos genitores: «Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá» (Êx 20:12). E com isso podemos comparar o que diz o trecho de Pv 30:17: «Os olhos que zombam do pai, ou desprezam a obediência da mãe, corvos do ribeiro arrancá-los-ão, e os pintãos da águia os comerão».

 

Com frequência o castigo é adaptado à natureza do pecado cometido; ocasionalmente, entretanto, o castigo não tem conexão alguma aparente com o delito. Uma coisa é certa: nenhum pecado deixa de receber a sua justa retribuição.

 

Rm 1:31: néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, sem misericórdia;

 

«Esta passagem bíblica se aproxima de seu final inexorável. A bancarrota completa do homem sem Deus fica demonstrada pelo seu fracasso intelectual, na falta de lealdade às suas obrigações, no terreno da vontade e das ações, bem como na ausência dos apegos emocionais mais simples e naturais. Neste ponto, uma vez mais, a vida de sua própria geração ilustrava amplamente os males aosquais Paulo se referiu apenas de passagem. Visto que «a afeição natural» se ausentara, tanto o divórcio como o infanticídio se tinham tornado extremamente comuns. Quando o vínculo verdadeiro que deve unir homem e mulher se afrouxa, nenhum outro laço é suficiente para mantê-los juntos; quando aqueles que são responsáveis pela procriação dos filhos não se sentem obrigados a aceitar nem mesmo a mais simples responsabilidade por eles, uma nova vida não tem qualquer segurança, porque também não tem valor. Dois outros comentários completam o delineamento oferecido por Paulo sobre a vida humana, quando os homens tentam se separar de Deus. A amargura e o ressentimento se cristalizam na forma de um endurecimento invencível, e as fontes mais naturais da misericórdia se ressecam». (Gerald R. Cragg, in loc).

 

18. InsensatosAlguns intérpretes pensam que essa palavra envolve alguma forma de insensibilidade moral, traduzindo-a por «sem entendimento moral». (Pode-se comparar isso com Mt 13:14,15; 19:23, 51). Na forma de adjetivo, pois, esse vocábulo pode significar exatamente isso, a falta de entendimento sobre as realidades divinas, a ausência de discerni­mento moral apropriado. E posto que essa palavra foi usada aqui em um contexto teísta, e posto não ser provável que o apóstolo Paulo quisesse dizer que tais pessoas não tivessem compreensão sobre as realidades materiais, como as ciências, etc, é bem provável que devamos compreendê-la em sentido religioso, ainda que, literalmente, tal vocábulo queira dizer, mera­mente, «desconhecedores». Essa mesma palavra é usada no versículo vigésimo primeiro, para indicar uma descrição sobre o «coração», isto é, um «coração insensato», desconhecedor das realidades divinas».

 

19. Pérfidosou seja, sem «boa fé», «infiéis», no sentido de que tais indivíduos não sentem obrigação alguma a contratos ou acordos, pois as suas promessas são sem valor. Essa palavra indica uma espécie de mentalidade de quem não tem a intenção de cumprir promessas, votos ou pactos.

 

«Contratos comerciais rompidos, tratados nacionais violados, confianças pessoais facilmente traídas, tudo isso tem raiz nessa odiosa condição da alma» (Newell, in loc).

 

«Assim como todo o pacto ou acordo é feito como que na presença de Deus, assim também aquele que se opõe ao ser e à doutrina de Deus é incapaz de sentir-se obrigado ante qualquer aliança; não pode comprometer-se a uma determinada conduta» (Adam Clarke, inloc).

 

20. Sem afeição naturalEssa falta de afeição pode ser vista no caso das criancinhas abandonadas, em que os genitores não se importam com o seu bem-estar; mas tal atitude cruel também pode ser percebida na atitude de tantos filhos desumanos para com seuspais. Entretanto, essa palavra envolve relações mais amplas contra a outra, já que os homens, simples­mente porque são seres humanos, normalmente sentem interesse e cuidados pelos seus semelhantes. Por motivo desses cuidados naturais é que se desenvolveram instituições como a educação, os hospitais, os centros sociais e os governos justos, para nada dizermos a respeito das instituições espirituais, como as escolas religiosas e as igrejas. Alguns indivíduos, entretanto, são tão imperfeitamente desenvolvidos espiritualmente que não se importam em prejudicar, física ou espiritualmente a outros homens, ou mesmo a assassiná-los. É entristecedor e lamentável o fato de que os maiores heróis da história humana também têm sido os seus mais fabulosos homicidas, e não aqueles que têm realmente ajudado aos seus semelhantes a progredirem de alguma forma. A história política pouco mais é do que a crônica sobre as atrocidades que os homens têm cometido contra os outros homens. Todas essas coisas lamentáveis servem de provas supremas da avaliação paulina sobre a raça humana, quando vive longe de seu Deus.

 

«Deus 'deleita-se na misericórdia'; mas a 'desumanidade do homem contra o homem faz milhões chorarem'. Considerai: um Deus misericordioso! criaturas destituídas de misericórdia!» (Newell, in loc).

 

«Os pagãos, de modo geral, não sentem escrúpulos por exporem às intempéries (a fim de que morram), as crianças que julgam não serem dignas de sobreviver, e nem sentem escrúpulos por deixarem seus pais morrerem, quando se tornam idosos e não podem mais trabalhar». (Adam Clarke, in loc).

 

O vocábulo grego aqui utilizado significa, estrita­mente, «amor aos parentes de raça», com a partícula negativa. Porém, provavelmente estamos corretos ao compreendê-lo no sentido mais profundo do amor para com qualquer ser humano, porque todos os homens, em certo sentido, o sentido físico, são nossos irmãos e, em outro sentido, o espiritual, são nossos semelhantes.

 

21. Sem misericórdiaO original grego significa exatamente isso: o negativo é prefixado à palavra «misericórdia». Diz-se que Nero se divertia torturando insetos, arrancando-lhes as asas, as pernas, etc, quando era criança. Na sua idade adulta entretinha seus convidados, nos jardins de seu palácio, em Roma, com a tortura e o assassínio de incontáveis cristãos. Foi ele o iniciador das primeiras perseguições oficiais ferozes do império romano contra os cristãos. Não existem muitos homens sem entranhas como Nero, mas até mesmo os indivíduos mais excelentes podem descobrir, em si mesmos, especial­mente em explosões de ira, o ódio e a sanha destruidora, em lugar da gentileza e da misericórdia. Até mesmo os chamados bons cristãos, às vezes, mostram-se tão amargos em suas palavras que ferem aos seus semelhantes, incluindo nesses ataques, não raramente, até mesmo as pessoas melhores e mais santas. A miséria que o mundo sofre, por motivo da falta de compaixão é surpreendente, tendo criado aquilo que os filósofos denominam de «problema domal moral», isto é, como se pode explicar a existência de tantos males à face da terra, inspirados pela vontade humana?

 

Variante Textual. A palavra implacáveis aparece também nesta lista, em alguns manuscritos posterio­res, como Aleph(3), CD(3), KLP, no que são seguidos pelas traduções AC,F,KJ e M. Todas as demais traduções, usadas para efeito de comparação nesta enciclopédia, omitem tal palavra, seguindo a evidência textual superior, isto é, os manuscritos P(40), Aleph(l), ABD(l), EG. Algum escriba deve ter aumentado levemente a lista de vícios já por si devastadora, como uma característica humana per­versa, de acordo com a realidade dos fatos, pois a ideia da implacabilidade envolve um espírito maldo­so, tão vil e violento, que não aceita conciliação, mas sempre prefere avindita, a violência e a injúria. Essa atitude é própria daqueles que proposital e maliciosa­mente rejeitam a «paz». Ninguém pode pacificar tal indivíduo, porquanto suas fibras íntimas foram entretecidas com a própria fibra da vingança e da destruição. Tais pessoas não se interessam nem pela reconciliação com Deus, e nem com os seus semelhantes.

 

Um missionário que trabalhou há muitos anos atrás, R. H. Graves, que passou muitos anos na China, narrou que um chinês, ao ler esse capítulo, declarou que o mesmo não poderia ter sido escrito pelo apóstolo Paulo, mas somente por um missionário evangélico moderno que tenha estado na China poderia fazê-lo. Contudo, o que alguém chegue a dizer sobre a China pode ser aplicado ao mundo inteiro, porquanto Paulo descrevia a natureza aviltada da raça humana inteira, quando se encontra afastada de Deus. Mais adiante o apóstolo dos gentios haveria de mostrar como os homens podem ser redimidos, até mesmo de um estado tão moralmente aviltado como esse. Isso significa que há esperança para todos, porque se Deus pode corrigir tais males, nada existe que ele não possa fazer.

 

Resultados

 

Rm 1:32: os quais, conhecendo bem o decreto de Deus, que declara dignos de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que as praticam.

 

O Decreto de Deus

 

1. Deus determinou a ira para a incredulidade e a rebelião (ver Rm 1:18).

 

2. Os homens reconhecem intuitivamente esse decreto, da mesma maneira que reconhecem a Deus. Certo homem dizia: «Temo que a Bíblia diz a verdade!». O que ele queria dizer é: «Continuo em meu caminho de rebeldia; a Bíblia diz: Haverás de colher o fruto de tuas ações. Espero, pois, que a Bíblia esteja equivocada!» Ora, mesmo sem a Bíblia, os homens sabem que isso expressa a verdade.

 

3. A opção é entre o julgamento e o caos, pois se o bem não será galardoado e se o mal não será punido, então este mundo se transforma em caos, porquanto opera sem razão e sem alvo.

 

4. O homem, em sua apostasia e em seus múltiplos vícios, desafia a Deus para que faça algo a respeito. Mas, em seu coração, ele sabe que Deus o fará, em algum tempo, em algum lugar. Sua alma talvez chegue mesmo a desejar essa providência divina, inconscientemente, pois os juízos divinos armam o palco para o exercício de sua misericórdia (ver Rm 8:32), sendo eles corretivos, e não meramente retributivos (conforme aprendemos em I Pe 4:6).

 

5. O homem pode continuar a usar seu livre arbítrio para o mal, mas algum dia, Deus porá ponto final em tudo isso. O julgamento divino é a única coisa capaz de retificar novamente as tortuosidades tão laboriosamente criadas pelo homem. Assim sendo, que venha o julgamento divino!

 

Aprovação social ao pecado: os homens aprovam os pecados alheios. O pecado é mutuamente aprovado.

 

1. Um homem pode querer fazer muitas coisas — encorajado pela turbamulta, as quais não realizaria doutro modo. Isso se aplica ao caráter geral de sua vida. Um homem, aplaudido pela multidão, é capaz de pôr em prática um vício qualquer. Os homens apreciam praticar juntos os seus vícios e, com frequência, os mais horrendos pecados se tornam formas de entretenimento.

 

2. Este versículo ensina-nos como os homens «aprovam» os pecados de seus semelhantes. Por certo isso os encoraja a prosseguirem. Essa «aprovação» (quase sempre mútua) serve de uma espécie de desculpa psicológica para o erro. Eu faço isto ou aquilo; aquele outro também o faz; portanto, deve ser algo que para nós está certo! Mas então a consciência irrompe com o grito de Mentiroso!

 

3. Uma das mais solenes declarações de Jesus é aquela que nos adverte de que aquele que encoraja a outrem ao pecado, será mínimo no reino dos céus (ver Mt 5:19). É uma insensatez alguém pecar sozinho, de modo proposital. É loucura encorajar outros a fazê-lo.

 

4. Quais são os verdadeiramente grandes? São aqueles que obtêm a aprovação de outros no tocante ao que fazem? Não. São aqueles que observam os mandamentos de Deus.

 

5. Podemos observar que, em nossa época, até mesmo o terrorismo, os homicídios e a violência em massa, são erros aprovados por certas organizações, e esses erros são mesmo considerados ali como «causas santas». A ira de Deus fará reverter todos esses juízos humanos pervertidos. Alguns homens caminham de cabeça para baixo no teto, mas chamam-no de soalho.

 

«Que tremenda descrição sobre este mundo de pecadores, desta raça de alienados da vida de Deus, que estão em inimizade contra Deus e que vivem a contender uns com os outros! Mas todos estão em uma unidade infernal da maldade!» (Newell, in loc).

 

III. Empregando o Método da Pêntada: Cl 3:5 ss

 

«Paulo, em Cl 3:5 ss, adota uma forma literária que não se acha em qualquer outra porção de suas epístolas. Em vez de apresentar um catálogo geral de vícios pagãos, conforme se vê em Rm 1:26-31 e Gl 5:19,21, ele usa aqui o esquema artificial das pêntadas — duas de vícios e uma de virtudes. Dificilmente isso teria sido de sua invenção, não tem conexão necessária com qualquer coisa em seu próprio pensamento. É possível que seus adversários, em Colossos, tivessem traçado esquemas similares, com base na correspondência com os cinco sentidos, que constituiriam os apetites do homem natural. Entretanto, visto que a mesma forma é usada na primeira epístola de Pedro (notemos a pêntada de vícios em I Pe 2:1, e a pêntada de virtudes em I Pe 3:8), provavelmente temos aqui uma convenção dos moralistas helenistas». (Beare, in loc). (Quanto a essas pêntadas (grupos de cinco) ver o quinto versículo (a primeira) e o oitavo versículo (a segunda). Notemos também o décimo segundo versículo, onde há uma pêntada de virtudes, perfazendo um total de três pêntadas).

 

O homem, seu próprio maior inimigo Há uma antiga lenda escocesa que conta acerca de um fazendeiro que se viu a braços com um horrível monstro destruidor. O monstro derrubou seus celeiros, matou e espalhou seu gado, arruinou suas plantações e, finalmente, matou seu próprio filho primogênito. Entristecido e irado, o que venceu momentaneamente o seu terror, resolveu caçar o monstro e matá-lo. Assim, em uma noite fria, se pôs de tocaia em uma ravina. A memória do que o monstro fizera, conservava-lhe a coragem. Repentina­mente, ele ouviu suas passadas pesadas, que se aproximavam. Enfurecido, lançou-se para a frente, soltando um grito de guerra. Seu impulso lhe deu uma vantagem temporária, e o monstro foi derrubado. Mas o monstro era mais forte que o homem havia antecipado, e não demorou a revidar com golpes e maldições. O fazendeiro começou a ser dominado, mas, em desespero de causa, reiniciou a luta heroicamente, de tal modo que enfraqueceu o monstro. Finalmente, o monstro foi subjugado. O fazendeiro puxou da espada e se preparou para desfechar o golpe mortal. Nesse momento, um raio de luar incidiu sobre o rosto do monstro. Horrorizado, o fazendeiro retrocedeu — o rosto do monstro era o seu próprio rosto!

 

Pêntada de Cl 3:5

 

1. ProstituiçãoNo grego é porneia. A melhor tradução aqui seria «imoralidade», porque tal pecado não é apenas o tráfico comercial do sexo, conforme a palavra «prostituição» significa para nós. A tradução «fornicação», que algumas versões usam, também não é boa, pois essa palavra tem o sentido, hoje em dia, de pecados sexuais praticados antes do casamento. A palavra é usada mui geralmente a fim de indicar todas as formas de pecado sexual, a despeito do fato de que se deriva do vocábulo grego porne, «prostituta». Trata-se do agir como uma prostituta, com sua mentalidade e seu estilo de vida. Esse vício também figura em Ef 5:3,

 

2. ImpurezaNo grego é akatharsia, isto é, qualquer forma de «impureza moral»; mas também está em foco qualquer impureza espiritual ou física. No presente contexto, porém, mui provavelmente estão em foco as impurezas sexuais, que corrompem o indivíduo, espiritual e fisicamente. Esse mesmo vício também aparece em segundo lugar na lista de Ef 5:3, onde figura a palavra «toda», isto é, toda a forma de «impurezas». Os pagãos se caracterizavam por muitos vícios sexuais, que eram chocantes para a mentalidade judaica, pelo que também em todas as listas de vícios, os pecados sexuais são os mais atacados, e isso sob boa variedade de termos.

 

3. Paixão lascivaNo grego é pathos. Não se encontra na lista de vícios da epístola aos Efésios. Tal vocábulo pode indicar anelos bons ou maus, dependendo do modo como é empregado. Pode indicar uma emoção passiva ou ativa; mas, usualmen­te, é usado para indicarpaixões violentas prejudiciais, que irrompem na forma de cólera, de ira descontrolada. Também é usada essa palavra em Rm 1:26, onde tem sentido sexual, isto é, «paixões infames», como o homossexualismo ou a concupiscência desordenada. É bem provável que o apóstolo dê aqui prosseguimento aos sentidos «sexuais» deste versículo, o que aponta para paixões ilegítimas e descontroladas. EmHerm. 4,1,6, essa palavra é usada para indicar uma mulher adúltera.

 

4. Desejo malignoNo grego é peithumia, acompanhada essa palavra do adjetivo kaken, «maligno», palavra que também não faz parte da lista de vícios da epístola aos Efésios. Indica todos os «anelos» malignos e «desejos desviados». Tal palavra era usada positiva ou negativamente; aqui temos o último caso, com o acréscimo da palavra «maligno». Trata-se do desejo pelo que é proibido e pervertido, os desejos insensatos (ver I Tm 6:9); as paixões da mocidade (ver II Tm 2:22); os desejos dominadores, que levam a práticas pecaminosas (ver I Pe 1:14); as paixões contaminadoras (ver II Pe 2:10), os desejos enganadores (ver Ef 4:22); os desejos da carne (ver Ef 2:3; I Jo 2:16 e II Pe 2:11). Esses são outros exemplos do uso dessa palavra no N.T.

 

5. AvarezaTrata-se do desejo de possuir coisas pertencentes a outros, a cobiça pela fama, pelo lucro ou pelas vantagens terrenas. Esse vício se encontra na lista de Ef 5:3,5, no contexto semelhante. Entretanto, ali é ensinado que, entre os outros vícios, nem deveríamos nomear tal coisa como característica de um «santo». O quinto versículo, tal como o presente, identifica-o com a «idolatria». O trecho de Ef 4:19 também envolve essa palavra, onde se lê que é uma coisa que não deveria caracterizar os que «aprenderam de Cristo». O indivíduo adora àquilo que ama, seja o dinheiro, as vantagens sociais ou os prazeres. E isso se torna o seu «deus», o seu ídolo, o que significa que suplanta o lugar de Deus em sua vida. Os moralistas estoicos viam esse pecado como a fonte originária de todos os males. O trecho de I Tm 6:16 expressa ideia similar, embora ali o «dinheiro» seja o ofensor, isto é, apenas uma das várias coisas que tornam um homem um idolatra. A equiparação da cobiça com a idolatria é correta, e mostra que apesar de hoje em dia poucos adorarem ídolos de madeira e pedra, contudo, quase todos os homens continuam sendo idolatras.

 

Cobiça.

 

1. Vem do coração (ver Mc 7:22,23).

2. Embota o coração (ver Ez 3:31 e II Pe 2:14).

3. É idolatria (ver Ef 5:5 e Cl 3:5).

4. É uma raiz de todos os males (ver I Tm 6:10).

5. Nunca se satisfaz (ver Ec 5:10 e Hb 2:5).

6. É vaidade (ver Sl 39:6).

7. Não convém aos santos, pois lhes é elemento deletério (ver Ef 5:3 e Hb 13:5).

8. É especialmente errada nos ministros da palavra (ver I Tm 3:3).

 

O que é idolatria. Consideramos as ideias abaixo.

Referências e ideias.

 

A idolatria:

 

1. A idolatria é proibida (ver Êx 20:2,3 e Dt 5:7).

2. A idolatria consiste em se prostrarem os homens perante imagens de escultura (ver Êx 20:5 e Dt 5:9).

3. Consiste em sacrificar perante imagens de escultura (ver Sl 106:38 e At 7:41).

4. Consiste em adorar a outros deuses (ver Dt 3:17 e Sl 81:9).

5. Consiste em ir após outros deuses (ver Dt 8:19).

6. Consiste em adorar ao verdadeiro Deus por meio de alguma imagem de escultura, etc. (ver Êx 32:4-6 com Sl 106:19,20).

7. A idolatria é descrita como uma abominação a Deus (ver Dt 7:25).

8. É odiosa para Deus (ver Dt 16:22 e Jr 44:4).

9. É desprezível (ver I Pe 4:3).

 

Pêntada de Cl 3:8

 

1. Ira(Ver Ef 4:26). — Esta passagem é paralela a Ef 4:26, e a maioria dos vícios também são referidos dentro da metáfora do «despir» do mal e do «vestir» a nova natureza. O grego diz aqui «orge». Esse vocábulo também figura em Ef 4:31. Significa «ira», «indignação», sendo uma emoção alicerçada sobre uma disposição dura e amarga. É uma das obras da carne, tal como o são todos os outros vícios mencionados, tanto no quinto versículo como aqui (ver Gl 5:19,20).

 

«Melhor é o longânimo do que o herói da guerra, e o que domina o seu espírito do que o que toma uma cidade» (Pv 16:32).

 

A ira consiste na impaciência com o próximo, em que são usadas palavras de despeito, maculados pelo egoísmo contra o próximo, — de mistura com sentimentos de superioridade e de ódio.

 

«Há quatro tipos de disposição. Em primeiro lugar, há aqueles que facilmente se iram mas facilmente são pacificados; esses ganham por um lado e perdem por outro. Em segundo lugar, há aqueles que não se iram facilmente, mas só com dificuldade são pacificados; esses perdem por um lado e ganham por outro. Em terceiro lugar, aqueles que dificilmente se iram e facilmente se deixam pacificar; esses são os bons. Em quarto lugar, há aqueles que facilmente se iram, e só com dificuldade se deixam pacificar; e esses são os ímpios». (Midrashhannalam, cap. v.ll).

 

«A ira começa com a insensatez e termina com o arrependimento». (John Dryden).

 

«Temperamente: qualidade que, nos momentos críticos, produz o aço da melhor qualidade e o que é pior nas pessoas». (OscarHammling).

 

«A melhor resposta para a ira é o silêncio». (Provérbio alemão).

 

«A resposta branda desvia o Furor, mas a palavra dura suscita a ira» (Pv 15:1).

 

Referências e ideias.

 

A ira:

 

ira é proibida (ver Ec 5:22 e Rm 12:19).

2. É uma das obras da carne (ver Gl 5:20).

3. Caracteriza aos insensatos (ver Pv 12:16).

4. É companheira da crueldade (ver Gn 49:7).

5. Acompanha a desavença e a contenda (ver Pv 21:19 e 29:22).

 

2. IndignaçãoNo grego é thumos, alistado em Gl 5:20 como uma das obras da carne. Em Ef 4:31 também está vinculada à palavra anterior, embora figure antes dela. Significa «paixão», «ira apaixona­da», «cólera», «explosão de ira». Talvez a primeira forma, «orge», fale de uma disposição fixa, ao passo que esta última alude a manifestações súbitas, explosivas, embora os dois vocábulos, com frequência, sejam meros sinônimos.

 

3. MaldadeNo grego é kakia, palavra de mui lata aplicação, como «depravação», «impiedade», «vício», «malícia», «má vontade», «malignidade». Por ter um significado tão amplo, ao usá-lo. Paulo ataca grande variedade de maldades. Inclui até mesmo a ideia de «prejudicar ao próximo» (Suidas), mas envolve até mesmo mais do que isso. É termo empregado também em I Co 5:8; 14:20; Ef 4:31; Tt 3:3 e I Pe 2:1. Aparece num total de onze vezes, nas páginas do N.T.

 

4. MaledicênciaNo grego é blasphema, a fala abusiva contra Deus ou contra os homens. A linguagem abusiva contra Cristo também é assim chamada (ver Mt 27:39 e Mc 15:29). (No tocante a tal abuso contra o nome de Deus, ver Rm 2:24; II Clemente 13:2; I Tm 6:1 e Ap 1:36). Trata-se da difamação, da injúria contra a reputação alheia, contra a calúnia, conforme se vê em I Co 4:13 e At 13:44 e 18:6, onde é usada acerca dos homens.

 

5. Linguagem obscena do vosso falarNo grego temos uma única palavra, aischrologia, que significa «linguagem obscena» ou «linguagem abusi­va». Provavelmente se deve compreender aqui por «linguagem abusiva», devido à sua conjunção com a «ira» e a «indignação». O termo grego aischros significa «feio», «vergonhoso», «vil», «aviltante». Esta é a sua única menção em todo o N.T. Algumas traduções preferem traduzi-la por «abuso de boca suja», que retém tanto a ideia de profanação como a ideia de obscenidade, juntamente com a ideia de abuso.

 

É da abundância do coração que a boca fala. Um homem, em uma explosão de ira, revelará a condição de seu coração, o que pode ser aquilatado pelo tipo de linguagem que emprega. A carnalidade se expressa mediante linguagem imunda, abusiva e iracunda, conforme se pode verificar todos os dias, na sociedade humana.

 

Notemos a importante adição do trecho de Ef 4:29, após as palavras «palavra torpe», a saber: «...unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim transmita graça aos que ouvem». Essa adição mostra o uso que os crentes devem fazer da faculdade da fala, em contraste com a linguagem dos incrédulos.

 

«Talar é fácil'. 'Palavras, palavras, nada senão palavras'. 'Ele é apenas um falador'. Essas afirmati­vas ilustram a depreciação comum da importância da fala. Porém, haverá coisas no mundo mais poderosas em favor do bem ou do mal, do que as palavras? A fala é a faculdade que distingue o homem dos animais. É o sinal da personalidade. O autoconsciente se manifesta somente pela fala. O pensamento é impossível sem palavras, que enfeixam ideias. As ações são antecedidas pelo pensamento. Conforme diz Heine: 'O pensamento antecede à ação, como o relâmpago antecede ao trovão'. Mas o pensamento é impelido pela sugestão verbal. Toda a cooperação entre os seres humanos depende, para seu sucesso, da comunicação verbal... A solidariedade cultural de um grupo se alicerça sobre uma linguagem comum. O caráter é revelado pela própria maneira de falar, '...porque a boca fala do que está cheio o coração' (Lc 6:45). Assim sendo, Tiago (no terceiro capítulo de sua epístola) não está grandemente equivocado quando dá tanta ênfase à língua». (Easton, referindo-se ao trecho de Tg 3:2).

 

IV. A Maior lista de Vícios dos Evangelhos Sinópticos

 

Comparando-se a lista de pecados, em Mt 15:19-20 com aquela exposta por Marcos, nota-se que Marcos (7:21,22) apresenta uma lista mais completa. Mateus se refere a «falsos testemunhos», que Marcos nem menciona; porém, Marcos declara os seguintes pecados:«...avareza, malícia, dolo, lascívia, inveja, soberba e loucura», os quais não foram registrados por Mateus. Portanto, teremos de acompanhar aqui palavra por palavra das que foram empregadas por Marcos, dando-lhes as explicações correspondentes:

 

1. Maus desígnios—Os atos perversos se originam dos pensamentos. Alguns relacionam esses «maus desígnios» aos pensamentos pervertidos dos homens que criaram as «tradições» religiosas que suplantaram as leis morais de Deus. Essa ideia talvez esteja incluída, mas a intenção foi de sentido geral, isto é, designa toda a esfera de pensamentos pervertidos que criam, em última análise, os atos pecaminosos. John Gill (in loc.) diz: «Todas as imaginações iníquas, os raciocínios carnais, os desejos pecaminosos e as invenções maliciosas estão incluídos aqui».

 

2. Prostituição ou fornicação. Pecados sexuais dos solteiros. Essa palavra pode ser sinônimo de «adultério», e também pode significar pecados sexuais em geral; mas, pelo fato de também haver «adultério» na lista, provavelmente o autor sagrado falava do pecado dos solteiros ou da impureza de modo geral, sem qualquer relação ao estado civil das pessoas em questão.

 

3. FurtosApropriação indébita de objetos alheios. Essa ação pode ser praticada de modo violento, por ludibrio ou por desonestidade.

 

4. HomicídiosArrebatamento da vida humana intencionalmente, pela própria mão ou por mão alheia. Talvez Jesus quisesse incluir aqui os atos que não vão além da intenção, mas que têm a mesma natureza daqueles que são realizados, conforme se aprende em Mt5:21,22.

 

5. AdultérioEsta palavra sempre significa os pecados sexuais dos casados. Novamente é possível que Jesus quisesse incluir aqui a ideia não somente do ato em si, conforme vemos em Mt 5:27,28.

 

6. AvarezaAmor ao dinheiro; desejo maior pelas coisas materiais do que pelas espirituais, o que resulta em uma vida dirigida por princípios materiais, ou pelo materialismo. Ver o manifesto de Jesus contra o materialismo, em Mt 6:25-34.

 

7. MalíciasÓdio, atos violentos, maldade.

 

8. DoloEngano ou ludibrio mediante artifícios; desonestidade por palavra ou ação. O caçador procura uma vítima por meio de umaisca.

 

9. LascíviaPalavra de derivação incerta no original. Frequentemente tinha o sentido que lhe damos atualmente; mas, no grego clássico, indicava um tratamento violento para com os outros, falta de respeito. No N.T. é usada com a ideia de satisfação sexual sem restrições. A palavra pode incluir a ideia de desvios sexuais.

 

10. InvejaLiteralmente, «mau olhado» e, portanto, «inveja» (segundo as traduções AA, AC e IB) é a interpretação correta dessa palavra. Trata-se de uma atividade maliciosa, que procura causar malefício ao próximo, especialmente por motivo de inveja de suas riquezas ou bens, e com a intenção de roubar-lhe os mesmos. O trecho de Mt 20:15 se utiliza dessa palavra: «Porventura não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?» Por conseguinte, o sentido da palavra «inveja», neste caso, é a sua forma mais virulenta.

 

11. BlasfêmiaLinguagem injuriosa, usada contra Deus ou contra os homens (ver Mt 12:31).

 

12. Orgulho próprioA ideia inerente ao vocábulo grego, é a de alguém que ergue a cabeça acima da dos demais. Está em vista um coração altivo contra Deus e contra os homens. Essa é uma palavra rara no N.T. O adjetivo cognato aparece em Rm 1:30 e II Tm 3:2.

 

13. LoucuraLiteralmente, «falta de bom senso»; mas é usada com frequência no sentido de insensatez. Prática de atos ilógicos, desarrazoados. Pode ser realizada por palavras ou por atos. Esse vocábulo também é raro no N.T., porquanto figura somente em II Co11:1,17,21 e neste trecho do evangelho de Marcos. Em Pv 14:18 e 15:21 é interpretado como um tipo de loucura que se constitui da ausência de temor a Deus, a louca paixão da impiedade.

 

14. Falsos testemunhosO evangelho de Mateus acrescenta este pecado à lista apresentada por Marcos. Consiste em dar falso testemunho aos outros ou a respeito de outros, em conversa pessoal ou em tribunal de justiça; mentiras particulares e públicas.

 

Treze vícios aparecem na lista de Mc 7:21,22, ao passo que Mateus contém apenas sete pecados. A adição de «falsos testemunhos», pelo autor deste evangelho, foi tomada de empréstimo dos dez mandamentos. Outras listas de vícios e virtudes são dadas em Rm 1:29-31 e Gl 5:19-23. Tais listas são mais características da filosofia popular greco-romana do que das ideias religiosas dos judeus.

 

As Coisas que Contaminam o Homem: Mt 15:20

 

São estas as coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos, isso não o contamina.

 

«São estas as cousas que contaminam o homem». Jesus repete o seu argumento de forma abreviada e enfática. O Senhor demonstrou diversas coisas que quebram os mandamentos de Deus, como:

 

1. Maus desígnios, que de algum modo quebram a qualquer dos mandamentos.

2. Homicídios, que quebram o sexto mandamento.

3. Prostituição e adultério, que quebram o sétimo mandamento.

4. Furtos, que quebram o oitavo mandamento.

5. Falsos testemu­nhos, que quebram o nono mandamento.

6. Blasfêmias, que quebram o terceiro mandamento.

 

Todas essas coisas contaminam o indivíduo, tornando-o indigno de participar da adoração a Deus, pessoal ou publicamente. E essa contaminação é autêntica, porquanto procede do coração, que indica o homem real, interior, que é sede de seu caráter, mas que não tem qualquer vinculação com as coisas externas, como a lavagem ou não das mãos. Jesus fez a antítese entre «mãos» e «coração». As coisas das «mãos» (que são físicas) não contaminam o homem; mas as coisas do «coração» (que são espirituais) é que, sendo moralmente erradas, certamente contaminam o homem. Esse tipo de moralidade é para nós um conceito comum, o qual aceitamos sem fazer qualquer objeção. Porém, para os judeus daquele tempo era uma ideia revolucionária, pois eles viviam sob a influência de indivíduos que enfatizavam, ato o extremo da tolice, as exigências inerentes às leis cerimoniais.

 

V. Os Vícios como Obras da Carne: Gl 5:18-21

 

Esses vícios mui naturalmente se dividem em quatro categorias:

 

1. Pecados sensuais, vs. 19.

2. Pecados de superstição ou religião falsa, vs. 20.

3. Pecados de mau temperamento, vss 20,21.

4. Pecados de várias formas de excessos, vs. 21.

 

1. ProstituiçãoA tradução imoralidade ficaria muito melhor aqui, como tradução do termo grego porneia, visto que o termo «prostituição» dá a entender o tráfico comercial do sexo. O sentido original desse vocábulo podia realmente ser traduzido por «prostituição», visto que ela se deriva da raiz grega «porne», que significa «prostituta». No entanto, o substantivo «prostituição» gradualmente foi assumin­do um significado mais lato. O termo básico, no grego, é paralelo a «permeni», que significava «vender», o que alude ao comércio que as mulheres faziam e fazem do sexo. Porém, a tradução imoralidade indica todas as formas de pecado de natureza sexual.

 

Algumas versões dizem aqui fornicação; mas essa tradução também é inadequada, porquanto atribuí­mos a esse termo a ideia de pecados sexuais anteriores ao casamento. Todavia, a fornicação e a prostituição são tipos de imoralidade. Na realidade, a palavra grega aqui usada pode indicar até mesmo o «adultério», isto é, o pecado sexual entre pessoas casadas com outras. Os chamados «cultos de fertilidade», que havia nos dias de Paulo, glorificavam todas as modalidades de imoralidade, transforman­do-as em atos de devoção religiosa. O dinheiro que as prostitutas religiosas profissionais recebiam de suas nefandas atividades nos templos pagãos, era empre­gado para o sustento e a expansão de formas de adoração idolatra; por isso mesmo era natural que os judeus sempre tivessem associado a idolatria e pecados sexuais de muitas variedades. A idolatria, pois, era encarada como a raiz da imoralidade sexual.Somente na cidade de Corinto, mais de mil prostitutas religiosas infestavam os seus vários templos pagãos. (Ver o trecho de Rm 1:18-27, onde Paulo denuncia abertamente os pagãos, por sua imoralidade). Entre as muitíssimas razões pelas quais não deveríamos participar de tal forma de pecado, destacamos aquela que aparece em I Co 6:13-20 e 10:1-13, a saber, tais pecados são uma violação de nossa relação e de nossa comunhão com Cristo.

 

2. ImpurezaNo original grego, é akatharsia, que significa, literalmente, «impureza», «imundícia», refugo, ainda que, figuradamente, indicasse imora­lidade, vício, «impureza nas questões sexuais». Tal vocábulo era empregado para indicar uma ferida suja, na carne, ou a depravação moral do espírito, a iniquidade, embora não necessariamente de ordem sexual. Porém, neste contexto, certamente Paulo tinha em mente as impurezas sexuais praticadas com tantas variedades indefinidas. Os vícios sexuais estão em foco, como a homossexualidade, o abuso das funções sexuais que corrompem o indivíduo a ponto de torná-lo espiritualmente imundo. Essa mesma palavra era utilizada para indicar a «impureza cerimonial», na versão da Septuaginta, do A.T., adquirida mediante o toque em um cadáver, em um leproso, em um animal proibido, etc. As impurezas sexuais nos tornam imundos; e isso é o que Paulo enfatiza aqui, sem especificar nenhuma forma particular de vício.

 

3. LascíviaNo grego, aselgeia, que significa «licenciosidade», sensualidade exagerada. Está em pauta a conduta assinalada por indulgência sexual irrestrita, por violência e voluntariedade pervertida. No grego clássico tal palavra não tinha, necessaria­mente, uma conotação sexual; porém, visto que ela é agrupada com outros vocábulos que têm tal sentido, e por ter tal sentido comum, nos escritos de outros autores, é altamente provável que Paulo tenha continuado a frisar pecados sexuais, embora agora o faça sob a luz daqueles que são exageradamente sensuais, violentos, que abusam da moralidade pública e privada. No texto de Ef 4:19, vemos que aqueles que destroem completamente a consciência, tendo-a «cauterizada», entregando-se ao «deboche», aos pecados sexuais exagerados (a mesma palavra é usada naquele texto), entregavam-se à «lascívia».

 

4. Idolatriavs. 20. Os judeus consideravam esse pecado como o motivo básico da corrupção do homem, aquele que aliena o homem de Deus, servindo, dessa forma, de alicerce para todos os demais pecados (ver Rm 1:18-32).

 

«Típica da guerra incansável do judaísmo contra a idolatria destaca-se a epístola de Jeremias, que descreve os ídolos como poeira, como ninhos corroídos de morcegos, de aves e de gatos; não sendo deuses sob hipótese alguma, mas antes, obras das mãos dos homens, impotentes e inúteis como um espantalho em um pepinal. A história de Bel e o Dragão amontoa derrisão e ridículo contra Esculápio, o deus pagão da cura, onde Daniel aparece como alguém que abateu sua serpente ao dar-lhe a fórmula prescrita de piche, gordura e cabelos! Os gentios inteligentes admitiam que os ídolos não são os próprios deuses, mas insistiam que os representavam. Os cristãos primitivos replicavam que esses supostos deuses e senhores não são senão demônios (ver I Co 8:4-6 e 10:19-21). A idolatria, portanto, era uma 'obra da carne'. Mediante a idolatria a natureza humana não regenerada cria suas divindades segundo a imagem humana e conforme os desejos humanos, edificando uma teologia capaz de racionalizar a maneira como os pagãos viviam e como tencionavam continuar vivendo. Por todo o decurso da história da humanidade a sua forma mais sutil e perigosa tem sido sempre o estado da adoração ao próprio 'eu'». (Stamm, in loc).

 

5. Feitiçariasé tradução do termo grego pharmakeia, alusão ao uso de drogas de qualquer espécie, benéficas ou venenosas. Visto que as feiticeiras e bruxas usavam drogas em seus ritos, essa palavra veio a designar a prática da feitiçaria, da mágica, das bruxarias e de todas as formas de encantamento. A lei de Moisés mostrava-se extremamente severa nesse particular, exigindo a pena de morte para aqueles que praticassem ou participassem de tais coisas. As Escrituras do A.T. e os comentários sobre as mesmas denunciam os egípcios, os babilônios e os cananeus pela prática de todas essas atividades. — (Ver At 13:6; 19:15,19 sobre a «mágica»).

 

A experiência mostra-nos que tais práticas, embora em muitos casos sejam fraudulentas, não deixam de ter certo poder; e não há que duvidar que espíritos malignos, de vários níveis do mundo espiritual, algumas vezes se envolvem nessas manifestações, outorgando aos homens os seus desejos, mas furtando-lhes o controle sobre o mal, sobre as poluções morais e reduzindo-os a estados mais profundos ainda de inimizade contra Deus. Nos tempos de Paulo essa prática era evidentemente comum na Ásia Menor. É desnecessário é dizer que, sob as mais variegadas formas, a bruxaria continua bem viva no nosso mundo moderno.

 

6. InimizadesNo grego, echthrai, ou seja, «ódios», «inimizades», uma palavra usada no plural, indicando muitas modalidades de ódios, contra Deus e contra os homens. Essa emoção é o oposto exato do amor, pois, em vez de buscar o benefício e o bem-estar do próximo, busca prejudicá-lo, almejando a sua destruição; e assim fica exibido um caráter profano, visto que Deus é amor. As inimizades geram as hostilidades de todas as formas.

 

7. PorfiasÉ a tradução do vocábulo grego «eris», «desavença», «contenda». Trata-se da atitude mental hostil, que cria problemas os mais inesperados entre as pessoas, resultando em dissensões e divisões. É a mesma coisa que a «discórdia», a «querela», a «briga». É caracterizada essa atitude pela ambição, desatenção, enfeiamento e derrisão.

 

Mais corretamente, facções. Derivado de erithos, «servo alugado». Erithia era, primariamente, «tra­balho por contrato» (ver Tobias 2:11).

 

8. CiúmesNo grego, «zelos», variegadamente traduzida por «emulações», «invejas». Mas o termo também tinha um sentido positivo, como «zelo», «ardor». Porém, é óbvio que, neste caso, está em foco um desejo intenso pela vantagem pessoal, com a degradação das realizações e qualidades dos outros. Naturalmente, a inveja é uma forma maligna de egoísmo, de par com uma avaliação inferior sobre o valor alheio, que deseja o mal ao próximo, e não o seu bem. Nos escritos clássicos podia significar uma paixão nobre, uma emulação que impulsionava à obtenção de coisas melhores, um sentimento ardoroso para com outrem, em contraste com o vocábulo «phthonos», isto é, «inveja». Porém, até mesmo nesses escritos clássicos por muitas vezes esses dois termos gregos são meros sinônimos.

 

9. IrasNo grego, thumoi, «iras», «raivas», uma palavra usada no plural. Esse termo indica a «alma», o «espírito», o «coração», e daí se derivaram as ideias de «coragem», de «mau temperamento», de «ira». É bem provável que Paulo quisesse destacar aquelas explosões de ira, que criam sentimentos de hostilida­des contra nossos semelhantes. Também podia indicar «ardor» ou «paixão», mas a simples ira é o significado natural aqui. Tal vocábulo era usado tanto para Deus como para os homens (ver Ap 14:10,19; 15:1, etc). Indicava tanto a indignação divina como a fúria de Satanás (ver Ap 12:12). Apontava para a ira dos homens (ver Lc 4:28; At 19:28; II Co 12:20 e Cl 3:8). Essa emoção é causa de muitos conflitos pessoais, domésticos e religiosos. É o contrário da ação benigna do Espírito Santo. Tal emoção solapa e destrói o espírito de amor cristão. Transforma em adversários aqueles que deveriam amar-se mutuamente.

 

10. Discórdiasno grego eritheiai, que quer dizer «facções», «espírito partidário». Trata-se de uma das formas pela qual se manifesta o egoísmo, o que causa divisões e partidarismos (ver Rm 16:17). Originalmente, esse vocábulo indicava a ideia de «trabalhar em troca de salário»; mas posteriormente degenerou em seu sentido, passando a indicar a feitura de algo com propósitos egoístas, com espírito de facção. Na passagem de Fp 2:3 aparece como aquilo que faz oposição direta à mente de Cristo. É a «explosão egoísta», que provoca contendas e divisões.

 

11. DissensõesNo grego original é dichostasiai, ou seja, «sedições», «levantes». Podiam ser de natureza política, social ou particular. Paulo quis indicar aqui as várias querelas entre irmãos, que ameaçavam a unidade do corpo de Cristo. (Comparar com o trecho de Rm16:17, onde Paulo nos adverte contra as dissensões, que são provocadas por aqueles que servem a si mesmos, e não a Cristo Jesus).

 

12. Facçõesno grego, aireseis, cuja tradução mais literal seria «heresias», mas que, neste trecho bíblico, bem provavelmente indica «espírito faccioso», por­quanto sua aplicação a doutrinas «não ortodoxas» é de desenvolvimento posterior, que não se encontra nas páginas do N.T. A raiz do termo grego indica a ideia de «escolher», pelo que também airesis é uma «escolha», uma «preferência». Na linguagem filosófi­ca, denotava a tendência demonstrada por uma escola de pensamento qualquer. As diferenças de opinião podem ser úteis ou destrutivas, dependendo de sua natureza tão somente. Porém, as ideias e as ambições rivais tendem para a formação de partidos ou divisões no seio do cristianismo. Essa é a atitude que Paulo condena neste ponto. Paulo condena aquela rivalida­de baseada no egoísmo, o que produz tais divisões. Ver o trecho de At 24:14, onde esse vocábulo denota um «grupo» ou «seita». Na passagem de At 24:5, essa palavra indica a «seita dos nazarenos». Já em Mart. Pol. Epil. 1, esse vocábulo é empregado para designar uma «heresia», tal e qual o termo é usado hoje em dia. Porém, isso já depois do período apostólico, depois da escrita do N.T. (ver I Co 9:19 e II Pe 2:1, quanto a outras passagens neotestamentárias que têm essa palavra).

 

13. Invejas(v. 21). A palavra grega é phthonoi. Deve-se notar o plural que denota várias modalidades de desejos invejosos. Tal vocábulo também podia significar «malícia» e «má vontade». Todos os homens estão familiarizados com as ações malignas provoca­das pelos homens, quando se deixam arrastar por tais paixões. Os trechos de Mt 27:18 e Mc 15:10 dizem que por inveja é que os adversários do Senhor Jesus o entregaram a Pilatos.

 

«É a dor sentida e a malignidade concebida, à vista da excelência ou da felicidade. É a paixão mais vil e a menos passível de cura, dentre todas quantas desgraçam ou degradam a alma decaída (ver sobre Rm 13:13)». (Adam Clarke, in loc).

 

«Uma aflição inquieta tortura a mente, entristecida ante o bem alheio, porque alguém se encontra em igual ou melhor situação». (John Gill, in loc).

 

14. BebedicesNo grego, é methai, que significa «bebida alcoólica» e «alcoolismo», causado pelo uso excessivo de bebidas. — A forma plural bem provavelmente indica aquilo que realmente se verifica, a saber, a «repetição» do estado de bebedeira. A bebedeira é um excesso extremamente prejudicial ao corpo, o que seria suficiente para levar essa condição a ocupar lugar entre as obras da carne. Porém, conforme é fato bem conhecido, o alcoolismo também leva o indivíduo a diversos outros vícios, porquanto remove as inibições naturais, deixando-o livre para praticar coisas degradantes. Essa circuns­tância faz da bebedeira algo ainda mais culposo, como uma das manifestações carnais. As obras da carne, mencionadas no décimo nono versículo deste capítulo (vários excessos de ordem sexual), são encorajadas pelo alcoolismo, conforme é o caso das «farras», o último vício aludido nesta impressionante lista.

 

15. GlutonariasOriginalmente, essa palavra indica­va, no grego, um cortejo festivo, em honra ao deus pagão do vinho, Dionísio. Era uma refeição e um banquete festivos; mas com frequência seus partici­pantes perdiam o domínio próprio e tudo se transformava em ocasião de glutonaria e bebedeiras, de orgia das piores. Assim essa palavra veio a indicar «glutonaria» e «orgia», sendo possível que a lista de vícios, preparada por Paulo, quisesse nos levar a compreender ambos esses sentidos da palavra. As traduções modernas escolhem um ou outro desse significado.

 

Dioniso (Baco) era adorado com os excessos sexuais próprios desse culto, com a bebedeira, com a glutonaria, com os excessos; e os que tais coisas praticavam racionalizavam, tal como se verifica hoje em dia, que nada se fazia de errado com tais atos, apelando para uma ou para outra desculpa. A «adoração ao deus» era boa, segundo pensavam, a despeito das maldades que daí resultavam. O conceito de «liberdade» era identificado com o «direito» de participar de tais festividades, acompanhado da imunidade da censura pública. E hoje em dia, por semelhante modo, muitas pessoas identificam a «liberdade» com o direito de praticar excessos, e ainda exigem os seus «direitos» de fazerem o que bem lhes pareça. Essa atitude tem invadido até mesmo a igreja cristã (ver I Co 11:21), mas Paulo via uma cura para tais excessos com a intervenção decisiva do Espírito de Cristo, em substituição ao espírito do deus Dionísio.

 

Lista Representativa

 

«cousas semelhantes a estas». Paulo não afirma ter apresentado uma lista completa de vícios que condenam a alma. Antes, expõe-nos uma lista representativa, uma indicação dos tipos de coisas que destroem a vida espiritual.

 

Consequências da Prática dos Vícios

 

Não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticamE usado aqui o particípio presente (no original grego) do verbo «praticar», mui provavelmen­te a fim de indicar uma ação contínua. Assim sendo, a ideia de «prática» destaca o sentido almejado. Vinculado ao artigo definido como está, o particípio presente indica «aqueles que se entregam à prática». Se um ato ocasional qualquer de tais vícios, impedisse de ser alguém membro do reino celeste, virtualmente ninguém estaria qualificado para fazer parte do mesmo. Por outro lado, o sistema da graça divina, longe de encorajar a prática do pecado, ou de desculpá-lo, depois de haver sido praticado, assevera claramente que o poder do Espírito Santo deve ser tão real que a atitude do vício seja substituída pela atitude própria de Cristo. A totalidade da mensagem distintiva do cristianismo depende da realidade da presença do Espírito de Deus no íntimo do crente, do que resultam a conversão genuína e a transformação moral. Ora, se essa transformação for real, então não haverá a prática de tais vícios. O crente desfrutará de vitória sobre toda a forma de vício. Em caso contrário, será um crente somente de profissão doutrinária, e não como uma realidade espiritual. Essa é a crua e dura verdade que o apóstolo dos gentios ensina aqui.

 

Reino de DeusNeste ponto, essa expressão é equivalente a vida eterna conforme também se dá com frequência no evangelho de João. Não está em foco algum reino político a ser estabelecido quando da «parousia» (segundo advento de Cristo). Mas essa «vida eterna», sem dúvida alguma, é vista como algo que será inaugurado pela «parousia».

 

VI. Vícios de II Tm 3:2-4As Características dos Homens dos Últimos Dias

 

1. EgoístasNo grego é philautos, que literalmente poderia ser traduzido como «amantes de si mesmos». Aristóteles (de Repub.), refere-se a esse defeito de caráter mui corretamente, ao dizer: «Não se trata tanto do amor próprio, mas de amar indevidamente, tal como o amor às possessões materiais». Portanto, trata-se de um mal, de um vício. O fato de que devemos «amar ao próximo como a nós mesmos» mostra-nos que o amor próprio é natural, algo perfeitamente esperado. Mas é quando amarmos a nós mesmos, com exclusão do próximo, que teremos cometido o mal aqui condenado. Essa palavra se encontra somente aqui, em todo o N.T., sendo uma das cento e setenta e cinco palavras peculiares às «epístolas pastorais». 

2. AvarentosNo grego é philarguros, que literalmente significa «amantes da prata», isto é, «amantes do dinheiro». Esse vocábulo é usado somente aqui e em Lc 16:14, em todo o N.T. O «amor ao dinheiro» é uma forma de «avareza», que, por sua vez, é uma forma de idolatria (ver I Tm 6:10 quanto ao «dinheiro» como uma das raízes de todos os males). 

Os pequenos deuses. Até mesmo os homens que não fazem e nem servem a ídolos de madeira, de pedra ou de metal, têm os seus deuses, que são eles mesmos ou certas coisas. O indivíduo egoísta, faz do seu próprio «eu» um deus. E o cobiçoso tem como seu deus o dinheiro, as possessões materiais. Há também aqueles cujo deus são os prazeres carnais (ver os versículos quarto a sexto de II Tm 3 e também Ef 5:3). O amor ao próprio «eu» e o amor ao dinheiro servem de substituições ao amor a Deus, fazendo do próprio «eu» o centro do universo; e isso é idolatria. 

3. JactanciososNo grego é alazon, que significa «presunçoso», «arrogante». Sua raiz é «ale», que quer dizer «perambulação». Era palavra usada para indicar a atitude mental enlouquecida ou distraída. Os «vagabundos» geralmente eram indivíduos de vil caráter, fingidos, impostores; e assim a forma verbal dessa palavra veio a indicar os «fingidos», os enganadores; e, em sua forma nominal, veio a indicar os «jactanciosos», que proferiam coisas altissonantes sobre eles mesmos, mas que era apenas pre­tensão (ver o trecho de Rm 1:30 quanto a essa palavra que aparece na lista de vícios ali existente). Em todo o N.T. aparece somente em Rm 1:30 e nesta passagem. 

4. ArrogantesNo grego temos o termo uperephanos, que significa «altivo», «orgulhoso». Na literatura bíblica tal palavra é usada somente em mau sentido, ainda que nos escritos clássicos algumas vezes figurasse com o sentido de «magnificente», «nobre». Sua forma verbal significa «brilhar mais que algo», «mostrar-se conspícuo». Aqueles homens, pois, se fariam conspícuos através do louvor próprio, desconsiderando a outros que, supostamente, seriam menos importantes do que eles mesmos. Esse vocábulo aparece por cinco vezes nas páginas do N.T., a saber, aqui e em Lc 1:51; Rm 1:30; Tg 4:6 e I Pe 5:5. 

5. BlasfemadoresNo grego é empregado o termo blasphemos, aquele que profere palavras abusivas e degradantes. Sua forma verbal pode significar «falar com profanação», como quem degrada algum objeto sagrado. No presente contexto, não há que duvidar quedevemos pensar nessa significação. Os gnósticos diminuíam a pessoa de Cristo e a doutrina cristã, a fim de exporem suas doutrinas; por conseguinte, eram indivíduos blasfemos, mesmo que assim não tencionassem ser. Essa palavra também figura por cinco vezes no N.T., aqui e em At 6:11,13; I Tm 1:13; II Pe 2:11. 

6. Desobedientes aos pais(Ver o trecho de Rm 1:30 que também tem esta expressão numa longa lista de vícios. A falta de amor aos pais, além de total desconsideração para com sua autoridade, é própria do «paganismo»; mas igualmente caracteriza aqueles que repelem a autoridade de Deus, na «apostasia». (Comparar com I Tm 1:19 onde se fala sobre os «parricidas e matricidas»). Na passagem de Tt 1:6 é exigido dos «pastores» que eles criem seus filhos sob sujeição. 

7. IngratosNo grego é acharistos, «sem gratidão», forma privativa de charidzomai, «ser grato», «ser agradecido». Esse pecado também é atribuído aos pagãos, em Rm 1:21. A apostasia, portanto, será o levantamento do espírito pagão mais depravado, que não terá respeito por qualquer objeto sagrado, e que se mostrará totalmente deletério em seus intuitos e em sua atuação. Nas páginas do N.T., essa palavra só se encontra aqui e em Lc 6:35. 

8. IrreverentesNo grego é anosios, que quer dizer «sem santidade», ou seja, «iníquo», sem restrição na maldade praticada. Temos aqui a forma privativa de «osios» que significa «sancionado», «aprovado pelas leis da natureza», e que fazia contraste com ieros, que significava «santo». 

9. DesafeiçoadosNo grego é astorgos, isto é, «sem afeição natural», palavra usada somente aqui e em Rm 1:31, onde o apóstolo descreve os pagãos apóstatas (ver Rm 1:31). Trata-se da forma privativa de «stergo», verbo que indica «amor mútuo» entre pais e filhos, entre reis e seus súditos. A apostasia, que é a rebeldia descontrolada contra Deus, arruína até mesmo os sentimentos humanos naturais, transformando as pessoas em subseres humanos. Tal vocábulo se encontra somente aqui e em Rm 1:31. 

10. ImplacáveisNo grego é aspondos, que também aparece na lista de vícios de Rm 1:31, mas em nenhuma outra porção do N.T. Essa palavra significa «irreconciliável». Trata-se da forma privativa de «sponde», «libação», algo oferecido aos deuses. E visto que tal palavra geralmente estava vinculada à feitura de tratados, naturalmente, veio a envolver a ideia de reconciliação, em que duas partes interessadas mostram o desejo de viver em paz, expressando tal desejo por meio de um voto. Mas algumas pessoas, invadidas por grande amargor de espírito, e sem respeito por seus semelhantes, não se sentem nunca aplacadas. 

11. CaluniadoresNo grego é usado o termo diabolos, um dos títulos dados a Satanás, que destaca seu caráter de «caluniador» (ver II Tm 2:26). Estão aqui em foco as pessoas que procuram prejudicar a seus semelhantes com palavras cortantes, que normalmente envolvem o exagero nas informações, distorcendo a verdade até o ponto da mentira desavergonhada. Tais pessoas não somente entram em choque com os seus semelhantes, mas também gostam de propagar as dissensões, lançando uns con­tra os outros. Promovem querelas devido à sua malignidade. Essa palavra figura por 38 vezes no N.T.

 

12. Sem domínio de siNo grego temos akrates, que significa «sem autocontrole», inclinados para a «autoindulgência». Essa palavra é a forma privativa de kratos, isto é, «poder». Portanto, estão em pauta os que «não têm o poder de controlar a si próprios». A perversão moral leva o indivíduo a esse extremo, porquanto essa perversão leva o homem a formar hábitos tão arraigados que sua fibra moral é destruída. O resultado final é um «escravo» das paixões e concupiscências, um homem «viciado» em muitas práticas daninhas. Essa palavra grega é usada exclusivamente aqui, em todo o N.T. 

13. CruéisNo grego é anemeros, ou seja, «selvagem», «brutal». Indica alguém privado de emeros, que significa «manso», «domesticável» (no caso de animais irracionais). Este é o único lugar, em todo o N.T., onde essa palavra é empregada, pelo que se trata de uma das cento e setenta e cinco palavras dessa categoria, nas «epístolas pastorais». 

14. Inimigos do bemNo grego temos uma única palavra, aphilagathos, forma composta da forma privativa de «amar» e da palavra «bom». Portanto, são indicados aqueles que não têm amor natural pelo que é bom. Todavia, isso é deixado indefinido neste ponto, talvez indicando o «bem de todas as espécies», — que tem origem em Deus, que é o «summum bonum». Tais indivíduos farão oposição a Deus e a todas as suas manifestações. Essa palavra se encontra somente aqui, em todo o N.T, embora sua forma positiva, isto é, «amantes do bem», se encontre em Tt 1:8, como sua única outra ocorrência. Ambas as formas aparecem entre os cento e setenta e cinco termos peculiares das «epístolas pastorais». 

15. TraidoresNo grego é prodotes, que figura por três vezes nas páginas do N.T., isto é, aqui e em Lc 6:16 e At 7:52. Significa exatamente isso, «traidor», «traiçoeiro». Em Lc 6:16 tal termo alude a Judas Iscariotes, o principal apóstata do N.T.

 16. AtrevidosNo grego temos propetes, usado somente aqui e em Atos 19:36, e que se refere a uma pessoa «ousada». Deriva-se de uma raiz que significa «cair para diante», «inclinar-se para a frente». Sua forma verbal, propipto, significa «cair para a frente» ou «lançar-se para a frente». Esse atrevimento pode ser nas palavras ou nas ações. São pessoas ousadas quando se entregam à maldade, visto que estão debaixo da influência de paixões descontroladas (ver os trechos de Pv 10:14; 13:3 e Siraque 9:18). 

17. EnfatuadosNo grego é tetuphomenos, forma participial perfeita de tuphoo, «orgulhar-se», «mos­trar-se arrogante». Essa palavra é usada somente aqui e em I Tm 6:4, ou seja, é um dos cento e setenta e cinco vocábulos que figuram somente nas «epístolas pastorais». «Tuphos» significa «fumaça», «nuvem», «neblina». Tais indivíduos, pois, andam «nebulosos de orgulho». Seu bom senso está obscurecido pelo orgulho, por seu senso de elevada importância pessoal.

 

18. Amigos dos prazeres, mais do que amigos de DeusNo grego é philedonos, forma composta encontrada exclusivamente aqui, em todo o N.T. O autor sagrado das «epístolas pastorais», muito aprecia as formas compostas. Está aqui em foco o «hedonismo», que indica aquela filosofia que exalta os «prazeres» como o sumo bem e o alvo de toda a existência. Alguns indivíduos religiosos, infelizmente para eles, se deixam dominar por essa filosofia; e mesmo que não o façam em seu credo, fazem-no como prática da vida diária. Vejamos os contrastes: no segundo versículo, «amantes de si mesmos» e «amantes do dinheiro»; no terceiro versículo, «inimi­gos do bem»; e agora, «amigos dos prazeres», mas «inimigos de Deus». (Ver igualmente II Tm 2:3, onde se lê «Participa dos meus sofrimentos...»; I Tm 6:18, «...pratiquem o bem...»). Quanto àqueles indivíduos, cujas atitudes são previstas, os «prazeres» se tornarão o seu deus. No mundo de hoje em dia não há deus mais servido do que esse, pois seus adoradores são bilhões. Ver a passagem de I Tm 5:6 quanto ao fato de que a pessoa que vive «nos prazeres» embora viva, está morta. Ali a alusão é aos pecados sexuais. 

Não há que duvidar que o aspecto sexual desses «prazeres» faz parte do pensamento do presente versículo, ainda que sua referência seja mais ampla do que isso. O sexto versículo deste capítulo mostra-nos que vários dos mestres falsos eram sedutores que também se deixavam seduzir, eram prostitutos amadores, evidentemente se prostituindo com ele­mentos femininos das igrejas locais. Mui provavel­mente eram os libertinos gnósticos. É interessante que, normalmente, a ética do gnosticismo se inclinava para pontos extremos, ou para o lado da libertina­gem, ou para o lado do ascetismo severo. Os trechos de I Tm 4:3 e Gl 2:16,17,20 e ss se referem ao tipo de gnosticismo ascético. Os seus defensores criam que o corpo é a sede do pecador, porquanto participa da matéria, que seria totalmente incapaz de redenção. Razões Apresentadas Como Desculpas pela Imoralidade 

1. Aqueles que preferem levar vidas imorais, sempre podem encontrar razões para assim agirem. Os mestres gnósticos procuravam justificar suas vidas pútridas, declarando que o corpo físico por si mesmo é um mal. Segundo diziam, o corpo participa da matéria, que é má em si mesma; e, assim sendo, não importaria o que um homem faz através de seu corpo. Na verdade, segundo diziam eles, é conveniente que o homem abuse de seu corpo, porquanto esse abuso contribui para a destruição do corpo; e essa destruição é um bem, pois assim o espírito se liberta. 

2. Hoje em dia, como sempre sucedeu, é comum ouvir-se a corrupção ser definida em nome da liberdade. Alguns indivíduos se consideram livres, quando praticam qualquer ato maligno que desejam fazer. São esses os que andam ao contrário, dependurados de cabeça para baixo no teto. Jactam-se daquilo que praticam de vergonhoso; sua liberdade é a pior espécie de escravidão. 

Os indivíduos viciados como que buscam derrubar a Deus de seu trono, preferem fazer de coisas temporais, e até mesmo pecaminosas, o grande objetivo de sua vida. Esquecem-se os tais que Deus é o summum bonum, a fonte originária de toda a vida, como também o seu alvo colimado (ver I Co 8:6).

 

VII. O Vício do Ódio: II Jo 2:9

 

Aquele que diz estar na luz, e odeia a seu irmão, até agora está nas trevas.

 

veneno do ódio«A pessoa que não ama não sabe que não é amorosa; imputa a outros as falhas de si mesma. Também não sabe o desastre inevitável a que sua maneira de andar a leva. Em certo sentido, anda nas trevas, porque as trevas a cegaram; em outro sentido, ela está cega, porque tem andado nas trevas. Aquele que se recusa a ver, finalmente não pode mais ver. O ódio constante destrói progressivamente a capacidade para o bem. Finalmente (segundo fica implícito no décimo versículo), faz outros tropeçarem. O ódio enerva outros e os faz revidarem; a vindita com frequência prejudica aos inocentes; a vingança envenena os motivos que se veem nos outros; a hipocrisia do crente que diz que anda na luz, mas odeia a seu irmão, é um opróbrio para a igreja, repelindo ao inquiridor sincero e edificando aos cínicos. O ódio pode prejudicar os tecidos do corpo e induzir enfermidades. Um médico diz que meia dúzia de palavras amargas fazem a própria pepsina do estômago perder seu efeito. O ódio desequilibra e inflama a mente. Subverte o pensamento, transfor­mando-o em paixão e mina o julgamento inteligente. Um comentador fez a seguinte paráfrase: 'ele... anda nas trevas; não pode pensar direito'» (C.H. Dodd, in loc). 

Assim como o verdadeiro amor consiste no altru­ísmo verdadeiro, assim também o ódio consiste no egoísmo agudo. Quase todos os problemas humanos podem ser traçados até alguma forma de egoísmo. O amor produz harmonia; o ódio tem na discórdia a sua própria natureza. A ciência médica sabe bem que nossas emoções afetam a saúde. Aquele que odeia estará, naturalmente, sujeito a várias doenças, porquanto seu sistema físico entrará em mal funcionamento. Até mesmo as enfermidades, como câncer, podem ter causas psíquicas.

 

VIII. O vício da Idolatria

 

1. Todos os homens são idolatras! Alguns adoram ídolos, imagens, figuras de madeira ou metal, etc. Mas todos os homens, praticamente, adoram o dinheiro ou a si mesmos. 

2. A idolatria, com frequência, está vinculada ao adultério, e isso é uma excelente colocação, pois a idolatria é o adultério espiritual, por causa do que os votos mais sagrados são quebrados e desprezados. 

3. A idolatria é a alteração proposital da imagem de Deus, na imagem de alguma coisa, material ou mental, para em seguida haver a adoração dessa nova imagem. É bem possível que certas imagens representem forças satânicas e que, através dessas imagens, essas forças estejam recebendo honra­das que pertencem — exclusivamente — a Deus. Também podemos levantar ídolos no próprio coração (ver Ez 14:3,4), mesmo que não os guardemos em nichos, em nossos lares. 

4. A idolatria é uma abominação (ver I Pe 4:3), e não traz qualquer proveito (ver I Juí. 10:14). 

5. Deus aborrece a idolatria (ver Jr 44:4), sendo uma das grandes características daqueles que se olvidam de Deus (ver Jr 18:15), e, por conseguinte, que se desviam dele (ver Ez 44:10).

 

6. Por causa da idolatria, muitos se esquecem de Deus totalmente (ver Jr 16:11). 

7. Pecadores obstinados são entregues por Deus à idolatria (ver Dt 4:28).

 

8. A idolatria exclui o indivíduo da glória celeste (ver I Co 6:9,10).

 

IX. O Mundanismo: I Jo 2:15

 

Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.

 

amor, é a força mais poderosa do mundo. Todos os homens amam alguma coisa. Até o egoísmo é um tipo de amor, isto é, o amor excessivo do próprio ser, que existe sem ser contrabalançado pelo amor a outros. A grande maioria dos homens ama o mundo bem mais do que o bem, a justiça, e a espiritualidade.

 

O amor intenso. A verdadeira espiritualidade exige um intenso amor às coisas espirituais. Mas, o homem comum, só ama intensamente o mundo físico e material. Os objetos deste amor são três:

 

1. Coisas que pertencem as sensações físicas, a concupiscência da carne. O sexo é o rei de quase qualquer lugar.

2. Os desejos dos olhos. Os homens procuram as vantagens do mundo, as coisas materiais, possessões, riquezas, confortos, abundância física. Os homens têm uma cobiça gloriosa, para a qual, gastam tudo que têm.

3. A soberba da vida: posições na sociedade (ou na igreja!), fama, glória, vantagem social, poder político, exaltação.

 

A Natureza dos Vícios Mundanos

 

1. Transgridem contra a lei de Deus (ver I Jo 3:4).

2. Possuem conexões metafísicas, a saber, a criação e estimulação de Satanás e suas forças perniciosas (ver I Jo 3:8). O pecado jamais é meramente o ato de um indivíduo isolado.

3. Não fazer o que devemos, constitui um vício (ver Tg 4:17).

4. A falta de fé inspira os vícios (ver Rm 14:23).

5. Os vícios se originam no coração do homem (ver Mt 15:19).

6. Conduzem à morte espiritual (ver Rm 6:23).

 

Bibliografia: I IB HA LAN NTI WWW.ebd316.com

 

 

 

A moralidade pessoal do crente (I Co 6:12-20).

 

 

 

A presente seção aborda diversas expressões éticas dos crentes. Paulo parece iniciar uma discussão sobre várias questões «indiferentes», como as questões de alimentos proibidos, observância de dias, etc, segundo encontramos nos capítulos décimo quarto e décimo quinto da epístola aos Romanos. Mas a seção anterior, que versa sobre a santidade necessária no reino de Deus, bem como sua reprimenda severa contra vários abusos de natureza sexual, não demora a fazê-lo voltar às suas considerações sobre esse tema, e em termos ainda mais severos e definidos do que antes. 

 

A introdução de Paulo a esta seção, que menciona as regras da «liberdade cristã», em relação a alimentos proibidos e observância de dias especiais, que são questões indiferentes, mui provavelmente nos dá margem a entender que os crentes de Corinto tinham situado os vícios sexuais na mesma categoria das coisas indiferentes, no que, naturalmente, estavam redondamente enganados. Talvez a declaração doutrinária deles pudesse ser expressa da seguinte maneira: «É questão indiferente o que alguém faz com seu próprio corpo. O que importa é somente o espírito». E isso expressa uma boa doutrina gnóstica, ler em ebdareiabranca. Aqueles crentes tinham abusado do ensino paulino da «liberdade cristã», dando-lhe aplicações que não lhe pertenciam por direito. É por essa razão, pois, que Paulo esclarece: «Porém, o corpo não é para a impureza, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo», no décimo terceiro versículo deste mesmo capítulo. 

 

A cidade de Corinto era um centro de vícios sexuais de vários tipos, talvez sem igual em qualquer outro lugar do mundo de então. E a igreja cristã ali existente quase não podia evitar ser contaminada por esse péssimo ambiente. A prostituição fazia parte das antigas religiões pagãs, sendo uma prática totalmente aprovada por elas. Estrabão calculava que em Corinto havia nada menos de mil prostitutas religiosas profissionais, as quais faziam parte ativa da suposta adoração aos deuses, em meio a ritos caracterizados pela sensualidade. Além disso, havia muitas outras prostitutas seculares, abundando por toda parte os lupanares. Por essa razão o termocorintinizar veio a ser usado para expressar os abusos sensuais de qualquer sorte. Não admira, portanto, que Paulo tenha sentido a necessidade de frisar continuamente quão condenável era esse abuso, nesta sua epístola, o que fez de diversas maneiras. Os povos antigos em geral, e não meramente os habitantes de Corinto, tinham um ponto de vista extremamente liberal acerca das relações sexuais anteriores ao matrimônio, não sendo muitos os que viam qualquer malefício nessa libertinagem. Mas de modo geral, a cultura greco-romana era totalmente incompatível com os ideais judaicos sobre essa questão; e o cristianismo na realidade aumentou ainda mais o abismo de diferença de atitudes ao invés de suavizá-lo. É interessante que na cultura judaica prevalecia um duplo padrão; porque um homem podia viver com uma mulher, estabele­cendo com ela alguma forma de contrato, por mais breve que fosse em sua duração, e assim podia ter relações sexuais com ela, com a sanção total da própria lei mosaica. Para a mulher, contudo, as coisas eram bem diferentes, visto que tal liberalidade não se aplicava a ela. Diz-se que certos rabinos estavam acostumados a dizer, quandochegavam a alguma nova cidade: «Quem quer ser minha esposa por um dia?» Sim, um homem podia agir dessa maneira, mas não uma mulher. 

 

Em violento contraste com essas práticas, o cristianismo, apesar de não haver denunciado ou ilegitimado a poligamia, ou mesmo o concubinato, na forma de contratos legais para efeito de relações sexuais, retornou ao princípio mais primitivo como o ideal e o principio que defendiam quanto a esse particular um homem para uma mulher. Outrossim, no seio da igreja cristã, todo o líder tinha de ser «esposo de uma mulher» (ver I Tm 3:12). No cristianismo, pois, a tendência, até mesmo dentro da cultura judaico-cristã, onde a poligamia continuava comum nos dias do Senhor Jesus, foi a de reestabelecer a ética mais antiga sobre essa questão, um princípio mais puro e espiritualmente mais edificante. Podemos estar certos, porém, que em Corinto não havia leis que regulamentassem a poligamia ou o concubinato, embora o vício fosse extremamente generalizado, sancionado até mesmo pelas religiões oficiais. 

 

Foi para uma gente assim mal acostumada que Paulo escreveu esta epístola. Para muitos coríntios, o evangelho, embora tivesse sido ostensivamente recebido, na realidade não modificara os seus hábitos. Por essa razão é que Paulo lhes escreveu, a fim de repreendê-los e instruí-los. Sabiam quais eram as exigências que Cristo lhes impusera. Não ignoram essas exigências. Pois o apóstolo dos gentios estivera entre eles pelo espaço de dezoito meses (ver o décimo oitavo capítulo do livro de Atos), tendo recebido instruções minuciosas da parte dele. Mas simplesmente lhes faltava o caráter cristão necessário para saírem e se separarem do paganismo e de suas práticas aviltantes.

 

 

 

6:12    Todos os coisas me são licitas, mas nem todos as coisas convém. Todas as coisas me são licitai; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas. 

 

Alguns daqueles membros da igreja cristã de Corinto haviam defendido a sua lassidão de costumes abusando da doutrina paulina da «liberdade cristã», o que contribuiu tão-somente para aumentar a gravidade de seus pecados. Paulo já havia mostrado um caso flagrante de «imoralidade» (no grego, «porneia», em I Co 5:1 e ss.); e agora aborda esse mesmo tema, com termos mais generalizados, aplicando-o aos muitos casos de imoralidade havidos na igreja cristã de Corinto. 

 

A menção das questões sexuais faz lembrar a Paulo a questão da liberdade cristã. O apóstolo dos gentios mostra que a sua doutrina da «liberdade cristã», contrariamente ao que pensavam certos, não dava apoio ao «partido dos libertinos». Paulo menciona os «slogans» desse partido, para em seguida refutá-los. Esse partido usava de chavões como «Todas as coisas me são lícitas». «O alimento é para o estômago, e o estômago para o alimento». É até mesmo possível que Paulo tivesse escrito declarações dessa ordem aos crentes de Corinto; mas eles as tinham distorcido em seu sentido tencionado, dando-lhes uma aplicação muito mais ampla do que qualquer interpretação cristã poderia suportar.

 

 

 

«...Todas as cousas me são lícitas...» Podemos supor que o partido dos libertinos, na igreja cristã de Corinto, usava esse «slogan», entre outros, provavelmente utilizando-se de expressões paulinas, embora distorcidas.

 

 

 

Os Exageros Dos Coríntios

 

 

 

1. Alguns pervertiam os ensinamentos paulinos sobre a graça, de modo a não haver mais qualquer distinção moral. Tais homens tornavam-se totais pragmáticos, não percebendo mal algum em qualquer coisa, a menos que houvesse resultados adversos para o próprio indivíduo, resultantes de certos atos. Tudo o mais tornava-se matéria indiferente para eles, e não se deixavam guiar por qualquer lei moral. 

 

2. O ensino de Paulo, neste ponto, fala sobre situações «não-morais». Com isso, Paulo não estava removendo a lei moral, pois existem atos que são malignos em si mesmos. Todavia, através das circunstâncias, há outras coisas que chegam a ser más. 

 

3. Talvez alguma forma primitiva de gnosticismo (ver Cl 2:18) tivesse lançado raízes em Corinto. Essa doutrina ensinava que podemos praticar certos males morais que prejudicam ao corpo, porquanto isso resultaria no bem de destruir o corpo físico, o qual, juntamente com toda a matéria, é princípio mesmo do mal. Imaginavam tolamente que os males físicos não podem causar dano à alma imaterial.

 

 Mas Paulo responde como segue: «Todas as cousas me são lícitas, mas nem todas convém. Todas as cousas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas». Assim sendo, a resposta dada por Paulo é dupla:

 

 

 

1. Nem todas as coisas me são convenientes, nem pessoal e nem socialmente, sem dúvida. Em outras palavras, devo ter cuidado com as minhas ações, para que não venha a prejudicar a outros. (Com isso se podem comparar os trechos de I Co 7:35; 10:23 e 12:7). Ao invés de «...convém...» poderíamos traduzir «são expedientes», «são úteis», são dignas, porquanto, no original grego, temos um verbo que indica algo que resulta em «bem», em seu funcionamento. O argumento de Paulo é que até mesmo no caso das questões moralmente indiferentes, as quais poderiam ser reputadas «legítimas», isto é, não contraditórias com qualquer conceito moral, até mesmo nesses casos nem todas as coisas podem ser praticadas de qualquer modo, visto que nem tudo contribui para o bem-estar espiritual dos crentes, nem para o próprio indivíduo e nem para a comunidade cristã. Dentro dessa categoria poderíamos situar os capítulos catorze e quinze da epístola aos Romanos, bem como o oitavo capítulo da presente epístola, que envolvem questões como alimentos proibidos, observância de dias especiais, dieta vegetariana, o uso geral da liberdade cristã, a prática ou não das cerimônias religiosas do judaísmo, a escolha das diversões, etc. Pois quando a nossa liberdade exerce mau efeito sobre os nossos semelhantes, é que já entramos no terreno das coisas que não são moralmente indiferentes, ainda que aquilo que é praticado não é mau por si mesmo. 

 

2. Todas as coisas são legítimas, isto é, «estão em meu poder» de serem praticadas, mas «...eu não me deixarei dominar por nenhuma delas». Pode-se notar o jogo de palavras, porquanto a palavra básica, em cada caso, é a mesma, no original grego. Assim sendo, todas as coisas podem ser praticadas dentro dos limites do padrão de autoridade que me serve de orientação; porém, quando qualquer ação começa a «fazer-me exigências autoritárias», procurando «dominar-me», então tal ação não é mais moralmente indiferente. Porque comomeu Senhor reconheço unicamente a Jesus Cristo. Não posso tornar-me escravo de qualquer outro princípio. Não posso ser escravizado por princípios de dieta vegetariana, pela necessidade de observar determinados dias especiais, nem insistindo sobre a necessidade dessas coisas e nem combatendo contra a sua conveniência. Simplesmente não posso deixar-me dominar pelo que quer que seja, e nem por quem quer que seja, exceto pelo Senhor Jesus. Poderia tornar-me escravizado até mesmo pelo uso excessivo da minha liberdade cristã, ou então pelo temor de usar de qualquer liberdade cristã. Quando eu não mais for liberto de Deus, em minha expressão ou vida diária, então terei perdido a minha liberdade em Cristo, e terei sido dominado por algo; e assim sendo, terei cometido um grave pecado, contra mim mesmo e contra meus semelhantes. 

 

A palavra «...eu...» é enfática aqui. É como se Paulo tivesse declarado: «Quanto a mim, tenho limitações em minha liberdade cristã, pelas duas razões acima declaradas». 

 

«Abusamos da nossa liberdade cristã quando a usamos para debilitar nosso caráter e diminuir nossa faculdade de autocontrole...Devemos usar de cautela para que não usemos dessa liberdade de tal modo que a percamos, como, por exemplo, quando nos tornamos escravos de hábitos sobre coisas que, por si mesmas, são legítimas». (Robertson e Plummer, in loc). 

 

Ora, exatamente isso é que os legalistas tinham feito, em sua insistência sobre a observância das leis cerimoniais mosaicas. E aqueles que defendiam o ponto de vista oposto, também se tinham deixado escravizar, devido à sua insistência sobre uma maneira de viver mais livre. Ambos os grupos tinham prejudicado um ao outro, não tendo buscado o bem-estar e a vantagem espirituais uns dos outros; pelo contrário, haviam desobedecido à injunção paulina de nada fazerem que não seja «benéfico» e «expediente» em suas tendências e resultados. 

 

A verdadeira liberdade consiste no modo como e na maneira pela qual escolhemos um determinado senhor ou dominador. No caso dos crentes, o único Senhor só pode ser Jesus Cristo. Ora, se assim é o caso, até mesmo quanto às questões moralmente indiferentes, certamente não podemos aplicar a doutrina paulina da «liberdade cristã» visando abusar do corpo, na forma de perversões sexuais; e isso porque tal coisa nem ao menos se trata de uma questão indiferente, mas antes, envolve um princípio moral bem real e vital, conforme Paulo passa a demonstrar em seguida. (Uma exposição completa sobre o tema da liberdade cristã se encontra nos capítulos décimo quarto e décimo quinto da epístola aos Romanos, bem como no oitavo capítulo da presente epístola). Paulo lança mão aqui desse conceito a fim de introduzir seu severíssimo estudo sobre as coisas não indiferentes, e também a fim de negar enfaticamente que aquilo que é «moralmente indiferente» pode ser um princípio aplicado a uma conduta sexual frouxa, conforme vários crentes coríntios de inclinações libertinas vinham fazendo.

 

Se sacrificarmos a capacidade de escolha, implícita no pensamento da liberdade, deixaremos de ser livres; e passaremos a ficar sujeitos ao poder que deveria estar debaixo do nosso poder. 

 

Até mesmo de acordo com o princípio da liberdade cristã, e quanto mais segundo o princípio daquilo que convém ou não, a fornicação, a imoralidade de todas as variedades, são atitudes errôneas. Porquanto aquele que comete fornicação é posto sob o poder de uma prostituta, e não mais é um crente livre. O crente que cai nesse pecado somente debilitou seu próprio poder, bem como o poder de Cristo sobre ele, tendo, entregue as rédeas de sua vida às forças tenebrosas da maldade. Tal crente deixou de ser senhor de si mesmo, tendo rejeitado o domínio de Cristo Jesus. (Ver os trechos de Jo 8:34-36; Gl 5:13; I Pe 2:16 e II Pe 2:19). 

 

«Somos senhores de todas as coisas; tão-somente não devemos abusar desse senhorio de modo a sermos arrastados para a mais miserável servidão, ficando sujeitos às coisas externas, através da falta de controle e dos desejos desordenados, que antes deveriam estar sujeitos a nós». (Calvino, in loc). 

 

«O corpo foi designado para ser o órgão do Espírito Santo, para dominar a natureza, e não para ser o órgão da natureza para dominar o Espírito». (Kling, in loc). 

 

«'Não me deixarei dominar por nenhuma delas...' são palavras que se referem sobretudo à sensualidade no comer e no beber, através do que, aquele que cede a tais tentações, perde o domínio sobre si mesmo, que ele entregara às mãos de Deus, tornando-se o mais vil de todos os escravos. Com isso comparar o final do sétimo capítulo da epístola aos Romanos». (Bloomfield, in loc). 

 

6:13    Os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos; Deus, porém, aniquilará, tanto um como os outros. Mas o corpo não é para a prostituição, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo.

 

 

 

Paulo admite aqui que existem realmente questões indiferentes, que não têm ligação alguma com a fé, com a vida eterna e com a esperança do crente, mas que pertencem inteiramente a esta esfera física e transitória. O Senhor Jesus declarou algo similar a respeito dos alimentos indiferentes e de outras coisas da mesma natureza, no trecho de Mc 7:18,19. Os alimentos foram criados para serem comidos, e a ingestão de alimentos serve para sustento do corpo físico. Não há qualquer moralidade envolvida no ato de comer, nos alimentos, no estômago e nos processos digestivos. Nessa área, o indivíduo pode fazer o que melhor lhe parecer. (Ver Rm 14:2,3,14,15). Mas o apóstolo dos gentios nega aqui que o próprio corpo seja uma questão indiferente, como se o mesmo pudesse ser usado ao bel-prazer do crente. E isso porque a contaminação do corpo afeta o espírito e corrompe a pessoa inteira. A imoralidade não pode ser situada dentro da mesma categoria dos alimentos para sustento do corpo, porquanto há algo de aviltante e degradante nas relações sexuais ilícitas, que afeta a própria alma e o seu bem-estar espiritual. 

 

«O seu argumento é que há uma lei de adaptação que percorre a natureza inteira, ilustrada pela adaptação mútua dos alimentos e dos órgãos da digestão. Mas essa lei é violada pela prostituição do corpo, na fornicação, para o que, segundo a ordem determinada por Deus, o corpo não foi adaptado». (Vincent, in loc). 

 

Os crentes de Corinto, por conseguinte, misturavam a questão dos alimentos para o corpo, como algo que é indiferente, com o corpo entregue a práticas sensuais, um assunto inteiramente diferente daquele, embora aqueles crentes não pudessem ou não quisessem perceber tal distinção. Os filósofos gnósticos pensavam que o corpo físico já é inevitavelmente a sede mesma do princípio do mal, visto que o pecado é material, e eles imaginavam que a matéria é má e que o espírito é bom. E daí concluíam que aquilo que acontece ao corpo é inteiramente indiferente, visto que o espírito humano só seria libertado desse princípio do mal por ocasião da morte física. Mas Paulo salientou que se o homem abusar de seu corpo, mediante práticas pecaminosas, também estará prejudicando a sua alma, em sua espiritualidade e progresso. (Com isso se pode confrontar o trecho de I Pe 2:11, onde se lê: «Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais que fazem guerra contra a alma»). Isso expressa com precisão o pensamento de Paulo neste ponto.

 

 O fato de que a filosofia pagã, ao tratar das questões morais, com frequência classificava coisas não-essenciais, como os alimentos, paralela­mente a pecados morais supostamente não-prejudiciais, também pode ser visto no trecho de At 15:23-29, —onde as exigências impostas aos primitivos gentios convertidos ao cristianismo incluíam ambos esses aspectos, como se ambos fossem igualmente importantes. 

 

«...Deus destruirá...» isto é, tanto os alimentos como os estômagos ou órgãos de digestão, tudo o que está sujeito à decadência, começando e terminando dentro do tempo. Porque essas coisas pertencem, estritamente, à ordem das coisas temporais. Mas não acontece assim com a alma, que participa da eternidade. (Ver décimo sétimo versículo deste mesmo capítulo). Moralmente falando, essas coisas temporais são indiferentes, a menos, naturalmente, que certos alimentos sejam prejudiciais para o corpo, motivo pelo qual devem ser evitados, a fim de não causar dano ao templo do Espírito Santo. (Ver I Co 3:16 e ss.). É possível que aqui haja certa referência ao tempo, já no estado futuro, especialmente na eternidade, quando não mais precisaremos de qualquer alimento físico. Então esse tipo de coisas temporais desaparecerá inteiramente.

 

 «...Porém, o corpo não é para a impureza...» Embora o corpo seja temporal, material, como o é o estômago, tem uma missão mais alta do que aqueles crentes de Corinto suspeitavam. O corpo do crente é templo do Espírito Santo, uma casa santa, que deve ser usada como instrumento do Espírito de Deus para o bem, e não para o mal. (Ver I Co 3:16 e ss. e 6:19). 

 

A metafísica de Paulo, aqui abordada, é tipicamente hebraica. Paulo não separava corpo e espírito como duas entidades separadas, conforme ele faz no quinto capítulo da sua segunda epístola aos Coríntios, que é nosso melhor capítulo acerca da «imortalidade». Para os hebreus, o corpo físico era um objeto psiquicamente animado. E segundo esse ponto de vista não é algo transitório, passageiro, visto estar sujeito à ressurreição e à vida eterna, quando o crente será transformado para possuir um corpo espiritual.

 

 

 

A Metafísica De Paulo

 

 

 

1. Paulo seguia a linha de pensamento dos hebreus, não distinguindo claramente entre o corpo e o espírito, mas antes, encarando o princípio físico como a condição natural e necessária do homem, agora e para sempre. No estado eterno, o espírito será revestido de um corpo, presumivelmente o corpo terreno ressurreto.

 

 

 

2. Portanto, é de extrema importância aquilo que um homem fizer através do seu corpo. Além disso, dificilmente se pode imaginar que o corpo, por si mesmo, seja maligno (conforme os gnósticos pensavam). Todavia, o corpo físico torna-se uma vítima fácil do mal.

 

 

 

3. A espiritualidade, portanto, dificilmente poderá ser atingida enquanto o indivíduo abusa de seu corpo por meio da imoralidade.

 

 

 

«...impureza...» O vocábulo grego por detrás dessa tradução é o mesmo que vem sendo usado desde I Co 5:1, isto é, «porneia», palavra essa que indica toda a forma de «imoralidade».

 

 

 

«Paulo mostra aqui ousadamente a falácia existente no paralelo que alguns faziam entre o apetite do estômago para com os alimentos e a imoralidade. O corpo humano possui uma missão muito mais elevada do que a mera satisfação dos apetites sensuais desordenados.O sexo foi criado por Deus para a propagação da raça, e jamais para a prostituição. E Paulo já havia asseverado que Deus habita em nós como santuário do Espírito Santo. (Ver I Co 3:16 e ss.).» (Robertson, in loc).

 

 

 

Paulo ensinava aqui que de alguma maneira, que ele não explana, tanto o corpo como a alma têm um destino eterno. Sem importar se os átomos deste corpo físico terão ou não tal futuro, ou se o «corpo» será uma nova criação, de material distinto da alma, e como veículo de expressão da alma, o fato é que o corpo também tem um elevado destino, embora Paulo não esclareça de que modo. Não obstante, o apóstolo dos gentios declara que aquilo que é feito através deste corpo físico tem reflexos sobre a personalidade inteira do indivíduo, afetando o seu destino, e degradando ou elevando toda a pessoa. Por conseguinte, é muitíssimo importante aquilo que fazemos com os nossos corpos.

 

 

 

«...mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo...» Quando da ressurreição, o corpo de Cristo foi ressurreto e espiritualizado. Ele levantou-se dentre os mortos e posteriormente ascendeu aos céus como o primeiro homem verdadeiramente imortal de Deus. O espírito de Jesus não foi deixado despido do corpo, mas foi revestido de um corpo glorificado, transcendental. Assim também sucederá no caso de todos os crentes. A ressurreição dos crentes será a recomposição da personalidade inteira dos remidos. A alma humana é imortal; mas também existe aquele revestimento da alma por meio do corpo já glorificado, que terá por modelo a semelhança do corpo glorioso de Jesus Cristo. Não sabemos dizer, contudo, se o «corpo glorificado» incorporará os átomos do nosso antigo corpo ou não; mas isso é inteiramente destituído de importância para o argumento aqui apresentado por Paulo. (Ver o trecho de Fp 3:21 quanto ao «corpo glorioso de Cristo», do qual também participaremos). Seja como for, o corpo é «para o Senhor», tendo seu destino e propósito, seu uso próprio, visando a glória do Senhor, não se destinando certamente à «imoralidade», à satisfação dos desejos sensuais desordenados.

 

 

 

«...Senhor...», neste caso, como na maioria das ocorrências do termo, indica o Senhor Jesus Cristo, o Salvador dos homens.

 

 

 

Referindo-se à mensagem geral deste versículo, Faucett (in loc.) comenta como segue: «Temos aqui o gérmen dos três assuntos abordados nas seções subsequentes: 1. A relação entre os sexos; 2. A questão dos alimentos oferecidos aos ídolos; 3. A ressurreição do corpo. Uma essência real subjaz os fenômenos superficiais da presente organização do corpo; esse gérmen, quando todas as partículas são espalhadas, envolve a ressurreição de um corpo incorruptível». 

 

É possível que Paulo tenha usado aqui o termo corpo, a fim de subentender o próprio «eu». Os pecados do corpo prejudicam ao «eu», à pessoa inteira. Jesus Cristo veio para redimir a pessoa inteira, incluindo o corpo, que deve ser considerado como o veículo físico, que será transformado e espiritualizado quando da ressurreição. Por conseguinte, o corpo deve ser redimido, e não sujeito à imoralidade. Nesse sentido, a salvação envolve igualmente o corpo. (Ver Rm 8:23). 

 

«O Senhor Jesus e a 'porneia' lutam pelo domínio dos corpos dos crentes; se quiserem ser leais a ele, precisam renunciar àquilo; se cederem àquilo, terão de renunciar a ele». (Findlay, in loc). 

 

Visto que o corpo é «para o Senhor» em sentido final, isto é, pertencente a ele por toda a eternidade, tendo sido redimido por ele, é lógico que agora mesmo os crentes usem os seus respectivos corpos para serem usados no serviço de Cristo e para sua glória, e não para fins de degradação moral. Cristo comprou nosso corpo, e é a ele que o corpo pertence, tal como um escravo pertence totalmente ao seu senhor. (Ver o vigésimo versículo deste capítulo).

 

 

 

6:14    Ora, Deus não somente ressuscitou ao Senhor, mas também nos ressuscitará a nós pelo seu poder.

 

 

 

Consideremos o exemplo de Cristo Jesus. Durante toda a sua vida terrena ele viveu com pureza, e ninguém podia convencê-lo de pecado. Não corrompeu ao seu corpo. Outrossim, após a morte física, seu corpo foi ressuscitado pelo poder de Deus, tendo sido espiritualizado. Dessa maneira ele ascendeu aos céus e está ocupado em um serviço celestial, para glória de Deus. Assim também sucederá a todos os crentes. O corpo dos crentes é passível de ressurreição, estando destinado aos lugares celestiais, razão pela qual não pode ser usado para o serviço da maldade. Portanto, a moralidade não é uma questão indiferente, como indiferentes são as questões dos tipos de alimento e dos órgãos digestivos, tudo o que não demorará a perecer, jamais tendo sido criados para caracterizarem a natureza do estado futuro.

 

 

 

«Já que o corpo está destinado a compartilhar, juntamente com o corpo de Cristo, da ressurreição, quando será erguido incorruptível, está sujeito a uma mais elevada adaptação, com o que a fornicação é incompatível». (Vincent, in loc). 

 

Dessa maneira, pois, Paulo empresta maior peso ao seu argumento, acerca da sua dignidade e elevados propósitos, bem como acerca do alto destino do corpo do crente. 

 

É frisada aqui a primeira ressurreição. (Ver Ap 20:5). A esperança escatológica tem elevado a importância do corpo do crente muito além das inadequadas filosofias que alguns crentes de Corinto aplicavam. 

 

A ressurreição se verificará mediante o «...poder...» de Deus, o que é frase comum vinculada à ideia da ressurreição, embora não envolva qualquer sentido comum, mas antes, um significado elevadíssimo. A ressurreição é a demonstração mesma do poder de Deus, visto que os homens não podem realizar tal coisa, e muito menos ainda a grande espiritualização dos corpos ressuscitados que se seguirá. A ressurreição dos crentes, pois, inclui a ideia da espiritualização, como também, usualmente a ascensão aos lugares celestiais, com a glorificação resultante. Ora, isso pode ser realizado exclusivamente por Deus, através do poder sem igual que ele possui. (Comparar com os trechos de At 2:27,30,31,33; Ef 1:19 e ss.).

 

 

 

Deus abolirá os alimentos e os estômagos, visto que são coisas que pertencem à ordem temporal de coisas. Mas Deus ressuscitou a Jesus Cristo (seu corpo), e assim também fará conosco, utilizando-se do seu mesmo poder divino. Portanto, o corpo do crente é para o Senhor, e não para a imoralidade.

 

 

 

Paulo não se refere aqui à sua esperança de escapar inteiramente da morte física, o que era uma esperança real para ele, conforme se aprende em I Co 15:51. Esse aspecto de sua esperança é omitido porque ele abordava um assunto que requer o concurso da ressurreição. Por causa de seu argumento, ele deixou passar ao largo uma doutrina que faria alguns crentes negligenciarem a realidade da morte física.

 

 

 

Variante Textual: Existem várias modificações, nos manuscritos antigos, do tempo do verbo que expressa a ressurreição dos homens. O futuro, «ressuscitará» se encontra nos mss P(46) (primeiro corretor), Aleph, D(c),

 

vg(s cl w), Sa (pt) Bo e os manuscritos gregos mais recentes (minúsculos). O aoristo, «ressuscitou», aparece também nos mss P(46) (segundo corretor), B, 1739, nas versões latinas r,t, vg(pt), Sa(pt) e nos escritos de Orígenes. O tempo presente «ressuscita», aparece nos mss p(ll) século V d.C.) e pela mão original de P(46) (o documento mais antigo que possuímos, dos escritos paulinos, século III d.C), como também em A,D (mão original), 69 e alguns pontos outros manuscritos de menor importância.

 

 

 

O tempo futuro dá a entender a ressurreição escatológica, sendo esse o prisma preferido pelos escribas. Mas é bem provável que isso seja uma emenda feita no aoristo, que mui provavelmente representa o original. Se o aoristo foi realmente usado por Paulo, então está em foco aqui a ressurreição espiritual dos crentes, em Cristo Jesus, o que é um acontecimento passado, tal como lemos também no trecho de Rm 6:4. Porém, mesmo que Paulo realmente tenha usado o tempo aoristo, ainda assim a ressurreição escatológica pode estar em vista, visto que, quando da ressurreição de Jesus Cristo, também fomos realmente «ressuscitados», numa potencialidade certa, que aguarda tão-somente a ocasião própria para que tal acontecimento se realize.

Alguns estudiosos, entretanto, supõem que o tempo aoristo aparece aqui como assimilação do verbo que aparece neste mesmo versículo e que alude à ressurreição de Cristo, verbo esse que também está no tempo aoristo. Nesse caso, o original poderia estar no tempo presente ou no tempo futuro. Porém, o mais provável mesmo é que o tempo aoristo represente o original, o qual sofreu diversas modificações, conforme é esclarecido neste parágrafo. Sendo esse o texto «mais difícil», também é o mais provável, de acordo com as regras textuais. A modificação mais óbvia é aquela feita para o futuro. Alguns bons editores, entretanto, preferem realmente o futuro. Todavia não há maneira indiscutivelmente certa de dar solução a esse problema.

 

 

 

6:15    Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei pois os membros de Cristo, e os farei membros de uma meretriz? De modo nenhum.

 

 

 

Paulo dá início aqui a um outro argumento, visando mostrar que a polução do corpo dificilmente pode ser classificada dentro da mesma categoria dos alimentos para o estômago, conforme alguns crentes coríntios entendiam. Cada crente, individualmente, faz parte do corpo místico de Cristo. (Ver Rm 12:4,5 acerca desse tema. Ver também I Co 12:13). Cada membro é dotado de uma função toda especial, o que significa que cada crente é um membro sem igual, importante, ainda que não independente dos demais membros do corpo, e muito menos ainda, da Cabeça, que é Cristo Jesus. Ora, tudo isso fala da nossa «intimidade mística» com Cristo, em que há união de espíritos, conforme também lemos no décimo sétimo versículo deste mesmo capítulo. Há, portanto, uma união espiritualíntima, a participação dos crentes na mesma natureza espiritual de Cristo, mediante o poder transformador do Espírito Santo. E como poderiam, por conseguinte, aqueles que estão nessa comunhão mística com Cristo, terem também intimidade, no nível físico, com uma prostituta, através de atos imorais? Tais ações são mortíferas para o espírito do crente, detrimentos em extremo para a sua comunhão com Cristo, a sufocação mesma da espiritualidade. Ora, isso é algo totalmente contrário ao progresso espiritual, o que só pode ocorrer mediante a comunhão com Jesus Cristo, através de seu Santo Espírito. Tais concupiscências «guerreiam contra a alma», no dizer de IPe 2:11.

 

 

 

O corpo é «...para o Senhor...», para glória do Senhor, para seu serviço, para ser glorificado segundo o corpo glorificado de Jesus, para seu serviço eterno; mas também é «adaptado» para ele, em comunhão mística, do que também se deriva o nosso poder espiritual. Ora, ter qualquer contato com a imoralidade é sufocar essa intimidade e arruinar essa adaptabilidade da personalidade humana para com Cristo. Por essa razão é que a palavra «...corpo...», neste versículo, certamente envolve a ideia da «pessoa inteira», tema esse que atravessa todo o texto, ainda que o corpo físico literal também esteja em foco como algo sujeito à ressurreição, quando então a personalidade inteira será restaurada em Cristo e glorificada nele. Ora, essa «adaptação» (ver o décimo terceiro versículo deste capítulo) vem através da comunhão mística com o Senhor. E deveríamos estar interessados no aprimoramento dessa comunhão, ao invés de estarmos interessados no pioramento dessa intimidade, que é exatamente o que a prostituição efetua. 

 

O ponto de vista pagão sobre o corpo sempre fazia com que o homem fosse reduzido ao nível dos animais; e, em um sentido totalmente físico, isso é uma verdade. Mas o «corpo», sem importar se está em foco apenas a entidade física, ou se queremos dar a entender a «pessoa inteira», tem algo em comum com o Cristo glorificado, e não com os animais irracionais, razão pela qual deve ser tratado com respeito, e não como se fosse apenas um organismo animal. Outrossim, o corpo do crente, quando da glorificação, juntamente com o «eu inteiro», torna-se membro de Cristo, desfrutando de comunhão mística com ele. Essa é outra razão poderosa pela qual o corpo (a entidade física e o eu inteiro) não pode ser entregue à prostituição. Agostinho observava: «Não podem eles ser, ao mesmo tempo, membros de Cristo e membros de uma prostituta». (De Civ. Dei xxi.25). 

 

«...e os faria membros de meretriz?...» Poderia Paulo, do alto de sua autoridade apostólica na igreja, mediante ensinamentos frouxos, dizer aos crentes que lhes é facultado participar da imoralidade, assim prejudicando a sua comunhão com o Senhor Jesus? Nunca, responde Paulo. «Deus o proíba». «Longe de nós tal pensamento». 

 

«...Absolutamente, não...» Literalmente traduzidas, essas palavras diriam: «Que não seja assim». Têm sido variegadamente traduzidas como «Deus proíba» (não literalmente, mas demonstrando o espírito de aversão), «Longe de nós tal pensamento», ou, mais simplesmente,Jamais! No original grego, temos «me genoito», uma das poucas ocorrências do modo optativo, nos escritos de Paulo. Essa expressão é de uso frequente na epístola aos Romanos, mas, nesta primeira epístola aos Coríntios figura somente aqui. Sempre que Paulo usa tal expressão, queria rejeitar vigorosamente a ideia anteriormente expressa, como que tocado por grande sentimento de repulsa. E isso mostrava como Paulo encarava a questão dos costumes sexuais lassos, que eram tão comuns em Corinto e por todo o mundo pagão daquela época.

 

 

 

«Segundo o ponto de vista helenista, o corpo era o envelope perecível da alma; segundo o ponto de vista das Escrituras, é o veículo permanente do seu espírito. Devotar o próprio corpo a uma prostituta é retirá-lo, antes de tudo, da possessão de Cristo; e fazer 'isso', e 'com tal propósito', basta a declaração (sem elaboração), para mostrar a infâmia de tal proposição». (Findlay, in loc).

 

 

 

A declaração de repulsa do apóstolo Paulo contra a ideia da entrega do corpo à prostituição (no grego, «me genoito», conforme foi comentado mais acima), também foi utilizada por outros autores antigos, como Epicteto (ver Odisséia, vii.316). Por conseguinte, não era expressão original de Paulo, mas mui provavelmente podia ser ouvida comumente nos seus dias, mais ou menos da mesma maneira como ele a usou.

 

 

 

6:16    Ou não sabeis que o que se une à meretriz, faz-se um corpo com ela? Porque, como foi dito, os dois serão uma só carne.

 

 

 

A linguagem utilizada por Paulo é mais do que simbólica e poética. O que ele afirmava é que o contato sexual não é um ato físico passageiro, mas antes, de alguma maneira mística, une duas pessoas no mesmo tipo de laço íntimo. Mui provavelmente ele defendia a tese que, em tal união, ocorre alguma espécie de união de energias vitais físicas e psíquicas, uma real união de seres, de alguma maneira. Nos escritos dos místicos é comum a declaração que expressa o sentimento de que o sexo está envolvido em alguma forma qualquer de aura. E é fato bem conhecido que os impulsos sexuais suprimidos podem, realmente, provocar experiências místicas. No sexo, embora não saibamos dizer como, há um elemento transcendental qualquer, o que talvez envolva alguma forma de profunda comunhão entre as duas pessoas, no nível de suas energias vitais, tanto físicas como espirituais. Parece ocorrer uma espécie de união de seres. Talvez seja por esse motivo que, nas Escrituras, a relação matrimonial é empregada para ilustrar simbolicamente a união entre Cristo e a sua igreja, porquanto, de maneira bem real, exemplifica uma real comunhão de energias espirituais vitais, e não meramente uma união poeticamente expressa. 

 

Paulo cita aqui o trecho de Gn 2:24, de acordo com a versão da Septuaginta (tradução do A.T. hebraico original para o grego, completada cerca de duzentos anos antes da era cristã), onde, naturalmente, há alusão às relações matrimoniais. Não obstante, Paulo deixava entendido que quer dentro do casamento, quer fora dele, as relações sexuais envolvem alguma espécie de união vital dos seres de duas pessoas. Essa união pode justificar nossa comum afirmativa que, de certa forma, elas se tornam «uma só pessoa». Ora, e seria possível que um crente, que professa ter a Jesus Cristo como seu Senhor, e que assim se encontra supostamente em Cristo, isto é, que goza de alguma espécie de comunhão mística com ele, possa ao mesmo tempo unir-se tão vitalmente a uma mulher sensual, carregada de pecados, impelida por diversas concupiscências fortes, como ocorre se se unir a uma prostituta? Paulo não podia admitir que ambas essas coisas podem ser realidade na vida do crente. Ter tal união com uma mulher dessa natureza é romper a comunhão mística com Cristo, é sufocar a intimidade com ele. Por conseguinte, tal imoralidade sob hipótese alguma pode ser reputada como questão «indiferente», moralmente falando, conforme alguns crentes de Corinto supunham. 

 

«Ter contato sexual com uma das sacerdotisas de Afrodite (o que fazia parte do ritual pagão em Corinto), significava consagração a essa deusa, e, naturalmente, exclusão do corpo de Cristo». (C.T. Craig, in loc). 

 

No Talmude encontramos uma declaração similar: «Quem quer que se una à mulher de outro homem, com isso renuncia ao Deus Santo e Bendito e se exclui da congregação dos israelitas». (Sohar Genes., fol. 19). 

 

O problema da prostituição: Paulo não aborda esse e outros problemas relacionados do ponto de vista da saúde da comunidade, do orgulho individual ou do respeito próprio ou pelos outros, conforme fazem a medicina e a sociologia modernas. Para o apóstolo dos gentios tratava-se, essencialmente, de um problema espiritual, pesadamente sobrecarregado de proposições espirituais da mais elevada ordem. As relações entre um homem e o seu Deus são afetadas por sua vida sexual, razão pela qual é algo que se reveste das mais importantes consequências. A comunhão com Deus pode ser totalmente abafada, e a intimidade com Jesus Cristo pode ser destruída, através do abuso das funções sexuais. 

 

«A indulgência nesse particular do sexo embota o fino fio da vida pessoal e diminui a sensibilidade do indivíduo para com as realidades espirituais... E grande parte desses abusos, se não mesmo todos eles, tem sido combatida pela sociologia, particularmente no que diz respeito à prostituição abusos esses igualmente condenados por Paulo. Apesar de ser possível ao indivíduo escapar, pelo menos durante algum tempo, de quaisquer consequências físicas e fisiológicas, não é possível escapar das consequências psicológicas. A prostituição tende por produzir efeitos psicológicos adversos sobre os indivíduos envolvidos, e, em adição a isso, efeitos adversos inevitáveis sobre a estrutura moral e espiritual da sociedade. Outrossim, conforme o ponto de vista do apóstolo, qualquer pessoa que se permite tais práticas une sua ,personalidade' com a de sua companheira, ou vice-versa, assim contaminando o próprio templo de Deus, de quem pertence, com exclusividade, a 'personalidade' do crente... Uma das mais antigas heresias contra a qual o apóstolo teve de combater foi a ideia perniciosa que dizia que a liberdade cristã subentende licenciosidade... Suas convicções precisam ser reafirmadas pela igreja, século após século». (John Short, in loc).

 

 

 

Paulo cita aqui certos trechos do A.T., a fim de encontrar apoio para o seu argumento, prática essa comumente vista em suas epístolas, usualmente com o acompanhamento da fórmula está escrito.

 

 

 

«Aquilo que tem sido feito sobrevive, moralmente, em ambos. E daí por diante um não pode livrar-se do outro». (Findlay, in loc).

 

 

 

«...serão os dois uma só carne...» Essas palavras não significam fazer uma só carne, reproduzindo sua própria espécie, ao que tem sido reduzido o significado deste versículo, mas que é um sentido realmente alheio ao texto.

 

 

 

6:17    Mas, o que se une ao Senhor é um só espirito com ele.

 

 

 

A declaração paulina aqui é de grande importância:

 

 

 

1. Não fala de uma simples disposição que compartilhamos com Cristo.

 

 

 

2. Compartilhamos a mesma essência de natureza com ele. A declaração, então, é paralela àquela de Rm 8:29 que fala sobre a nossa transformação à imagem de Cristo.

 

 

 

3. É o Espírito que transforma a alma humana. Ver II Co 3:18. Aqui, a palavra «espírito» é uma referência ao «espírito humano.» Alguns intérpretes preferem «Espírito». O grego nunca tem um «p» maiúsculo na palavra «pneuma», portanto, às vezes, não é claro se «disposição», «espírito humano», ou «Espírito Santo» é o sentido. No presente versículo uma referência ao Espírito é remota. A nossa união com Cristo nos dá a essência espiritual dele, mesmo como a união com uma prostituta obriga-nos a compartilhar das energias vitais dela.

 

 

 

4. A dignidade de Cristo não é prejudicada pela participação dos outros filhos na natureza dele. O Filho e o Pai possuem a natureza divina infinitamente; os filhos, finitamente. Mas toda a eternidade consiste no aumento contínuo da participação dos filhos, porque na eternidade não pode existir estagnação. Sendo que existe uma—infinidade—com a qual devemos ser enchidos, deve existir também um enchimento eterno, infinito.

 

 

 

5. O versículo, embora declarando uma imensa verdade metafísica, é principalmente ético. A nossa comunhão com Cristo, no nível da alma, exige de nós uma vida de pureza e grande avanço ético. O nosso privilégio como filhos exige de nós uma renúncia das coisas mundanas.

 

A palavra «...Senhor...», que aparece neste versículo, se refere a Jesus Cristo, o que representa um uso muito comum nas páginas do N.T. (Ver quanto ao tema da «intimidade entre a cabeça e o corpo», os trechos de Gl 2:20; Ef 2:5 e ss.; 3:16 e ss.; Cl 2:10; 3:1 e ss.; Jo 15:1 e ss. e 17:23 e ss.).

 

 

 

Assim, pois, o apóstolo Paulo mostra que a nossa união mística com Cristo é muito mais íntima do que aquela que temos com nossas respectivas esposas. E a aplicação dessa verdade é aquela expressa por Calvino (in loc): «Pois se aquele que é casado não deve ter relações sexuais ilícitas com uma prostituta, muito mais hediondo será o crime dos crentes, se se unirem a prostitutas, visto que não somente formam 'uma só carne' com Cristo, mas também 'um só espírito'. E isso nos mostra a comparação entre o maior e o menor».

 

 

 

«Meyer observou com razão que o casamento místico entre Cristo e a sua igreja não deve ser pressionado aqui (como fez Olshausen, com base em Ef 5:23 e ss.), visto que as relações dos comparados não correspondem entre si. Não obstante, a veracidade íntima dessa relação mística é a 'base' fundamental de ambas essas passagens». (Alford, in loc).

 

 

 

«Aquele que se une com Deus, mediante a fé em Cristo Jesus, recebe o Espírito e se torna participante da natureza divina. E quem poderia modificar tal relação a fim de ter contato com uma prostituta? ou para desfrutar de qualquer satisfação sensual? Aquele que pode fazer tal troca deve estar caído profundamente!» (Adam Clarke, in loc).

 

 

 

O presente versículo, por conseguinte, ensina-nos que está envolvido muito mais do que a comunhão com Cristo, na experiência mística, embora essa experiência também seja uma realidade. Na verdade, ensina a participação real na sua natureza essencial.

 

 

 

6:18    Fugi da prostituição. Qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo.

 

 

 

«...Fugi da impureza...» É usada aqui a mesma palavra grega empregada no décimo terceiro versículo, «porneia», igualmente traduzida por «impureza», a qual é comentada em I Co 5:1. Essa palavra indica qualquer contato sexual ilícito, qualquer forma de imoralidade. Cumpre-nos fugir de toda e qualquer forma de desvio moral que se afaste dos elevados padrões do cristianismo, pelos motivos seguintes:

 

 

 

1. Os indivíduos imorais na realidade não podem ser pessoas convertidas, pelo que também não herdarão o reino de Deus, cujo sentido, neste caso, é «vida eterna» (ver o nono versículo).

 

 

 

2. Porque a conversão e a santificação cristã formam uma nova criatura, o que é comprovado pelas experiências da vida diária. (Ver o décimo primeiro versículo).

 

 

 

3. Porque aquilo que fazemos com nossos corpos não pode ser classificado entre as «questões indiferentes», do ponto de vista moral, como indiferentes são as diferenças de dietas, observância de dias especiais, etc. (Ver os versículos doze e treze).

 

 

 

4. Porque o «corpo» tem um grande destino, não sendo apenas o lar temporário da alma. Além disso, o corpo não é a sede do mal, mas antes, o lugar de habitação do Espírito Santo, o santuário de Deus, o qual será também ressuscitado pelo poder de Deus, tal como o Senhor Jesus foi ressuscitado. (Ver os versículos catorze e dezenove).

 

 

 

5. Porque quando das relações sexuais há uma união vital de duas pessoas, de corpo e espírito, numa espécie de comunicação mística; razão também pela qual nenhum crente pode unir-se legitimamente com uma mulher sensual. Isso rompe a comunhão do crente com Cristo. (Ver o décimo sexto versículo).

 

 

 

6. Porque, em Cristo, e devido à nossa transformação íntima segundo sua imagem, somos unidos a ele em espírito, passando a participar de sua mesma natureza espiritual. Por esse motivo, é um crime horrível alguém poluir sua natureza espiritual com a imoralidade. O espírito humano remido pertence a Cristo, e só pode ser devidamente unido a ele mediante o processo da santificação.

 

 

 

7. Finalmente, o pecado de imoralidade é um pecado mais grave do que qualquer outro que o crente possa cometer, visto que polui o seu corpo, o qual é passível das seguintes coisas:

 

a. Será ressuscitado pelo poder de Deus;

 

b. Recebeu grande destino em Cristo;

 

c. Tendo sido redimido através da expiação pelo sangue de Cristo, pertence a ele com exclusividade, não podendo, por conseguinte, ser sujeitado a abuso por nossa vez (ver a última porção do presente versículo e o versículo vigésimo);

 

d. O corpo agora é templo do Espírito Santo, santuário de Deus, lugar da habitação de Deus, onde o Senhor torna-se conhecido à personalidade humana, não podendo, por essas razões, ser poluído pela imoralidade. (Ver o décimo nono versículo);

 

e. O corpo é possessão de Deus (ver o vigésimo versículo);

 

f. Tudo deve ser feito visando a glória de Deus (ver o vigésimo versículo).

 

 

 

Como se podem derrotar os pecados sexuais? Paulo aconselha a fuga do pecado, tanto aqui como no trecho de I Co 10:14 (onde a mesma coisa é dita acerca da idolatria). É somente nesses dois trechos que Paulo fala em tais termos, em todas as suas epístolas. Existem alguns pecados poderosos demais para serem enfrentados diretamente, por demais enganadores ou por demais atrativos. Os pecados do sexo não podem ser derrotados enfrentando-os e lutando. O encontro com situações que provocam a tentação inevitavelmente leva à queda. Isso nos mostra quão sábio é evitar os filmes perversos, a literatura sensual, as produções teatrais, etc, porquanto tais coisas e espetáculos aguçam um apetite que inevitavelmente conduz à queda. E temos aqui, por semelhante modo, um poderoso argumento contra os contatos e carícias durante o namoro e o noivado, bem como contatos sociais por demais íntimos com outros, numa sociedade onde os padrões morais são bem frouxos. Compete-nos, portanto, evitar todos os contatos dessa natureza, todas essas tentações. Paulo recomenda que «fujamos» dessas coisas.

Porque, se não fugirmos delas, mais cedo ou mais tarde ocorrerá inevitavelmente a queda, porquanto nesse campo da sexualidade enfrentamos um inimigo que nos pode derrotar sem qualquer grande esforço. Não convém que enfrentemos frontalmente esse pecado, oferecendo-lhe resistência através da força da vontade. Nosso plano de batalha, nesse caso, consiste em fugir. E nessa fuga que fujamos para os braços de Cristo, desenvolvendo nele as virtudes morais positivas (ver Gl 5:22,23), as quais nos protegerão dessa forma de pecados. A alma remida que permanece em comunhão com Cristo, através de seu Espírito, mediante a meditação, o estudo das Escrituras, a oração, e, idealmente, mediante as experiências místicas reais, perderá seu apetite pelas concupiscências carnais. Nesse processo de fuga (do mundo), para os braços de Cristo, podemos derrotar as paixões da carne, não havendo, na realidade, qualquer outro método através do que isso possa ser feito com sucesso.

 

 

 

Paulo já havia declarado algo similar, com o mesmo sentido básico, na passagem de Rm 13:14: «...mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências». Assim sendo, não devemos frequentar aqueles lugares, ler aquelas coisas, ter contato com aquelas pessoas, que formariam provisões para as ações sensuais. Pelo contrário, «revistamo-nos do Senhor Jesus Cristo». Que seja ele o nosso revestimento espiritual. Que ele nos cubra e proteja com o seu sangue.

 

 

 

Com esses pensamentos podemos comparar o ensinamento de Jesus Cristo sobre o adultério visual (ver Mt 5:28). E também podemos confrontar a admoestação e censura de Simão Pedro, que diz: «...tendo olhos cheios de adultério e insaciáveis no pecado, engodando almas inconstantes,...» (II Pe 2:14). Existem homens que vivem em estado permanente de concupiscência, em razão do que vivem procurando sempre alguém com quem adulterar. Seus olhos percorrem a terra, procurando quem queira pecar em seguida com eles e a vitalidade de seus seres é desperdiçada nessa pervertida atividade. Conforme a tradução inglesa de Williams (aqui vertida para o português), os olhos dessas pessoas são «insaciáveis pelo pecado». Jamais ficam satisfeitas, sempre precisando de quem queira compartilhar de sua sensualidade. Tornaram-se escravos completos do sexo. Tais indivíduos, ao invés de fugirem dessa forma de pecado, buscam situações favoráveis para o pecado, sempre fazendo coisas que provocam o seu apetite. Tais homens não passam de escravos, e somente a ajuda «vinda do alto» poderá salvá-los. A fim de não nos tornarmos escravos dessa forma de pecado, precisamos fugir do inimigo. Se quisermos enfrentá-lo diretamente, através da força da vontade, seremos fatalmente vencidos e escravizados. O pecado da imoralidade é como um super-homem, insaciável e insano. O sexo descontrolado, na realidade, é um monstro insano.

 

 

 

Sófocles, no diálogo de autoria de Platão, intitulado República (329), ao ser interrogado sobre como vinha manuseando as questões do «amor», retrucou: «Mui alegremente tenho 'escapado' do mesmo, e sinto como se tivesse escapado de um senhor louco e furioso». Sim, o sexo pervertido pode ser uma entidade assim, e feliz é aquele que consegue escapar do mesmo.

 

 

 

«Pecar 'contra o corpo' é defraudá-lo da parte que o mesmo tem com Cristo, é cortá-lo de seu destino eterno. Esse é o efeito da fornicação, em um grau sem-par... Aquilo que o apóstolo Paulo assevera sobre a fornicação, nega a respeito de qualquer outro pecado». (Robertson e Plummer, in loc).

 

 

 

«...pecado... fora do corpo...» Precisamos admitir que temos aqui uma frase difícil, porquanto não nos é dada qualquer explanação a respeito da mesma. É bem provável que isso signifique que todos os outros pecados, que não os de natureza sexual e imoral, ainda que de maneira relativa, mas não absoluta, sejam pecados que não prejudicam finalmente ao corpo e ao seu tencionado destino. Somente a perversidade sexual teria tal efeito.

 

 

 

«...fora...», nesse caso, é palavra que significa algo como «sem efeito sobre o destino do corpo» (novamente falando apenas em sentido relativo). Por essa razão é que Alford (in loc.) comenta a respeito dessa questão como segue: «A assertiva do apóstolo é estritamente veraz. O alcoolismo e a glutonaria são pecados feitos no corpo e através do corpo, sendo praticados mediante o abuso do corpo, mas são coisas 'introduzidas de fora', pecaminosas em seu 'efeito', cujo efeito é dever de cada indivíduo prever e evitar. Mas a fornicação é a 'a alienação daquele corpo que pertence ao Senhor, fazendo do mesmo, corpo de uma prostituta'; não é um 'efeito' sobre o corpo deles, com base na participação de coisas vindas de fora, mas antes, é uma 'contradição da verdade' do corpo, proveniente 'de dentro' de si mesmo».

 

 

 

É bem provável que Paulo concordaria com essa opinião de Alford. O que é inegável é que Paulo não subscreveria àquela filosofia que afirma que todos os pecados são igualmente maus, não havendo qualquer gradação de pecado.

 

 

 

Gradações De Pecado

 

 

 

1. Alguns crentes, naqueles momentos que fazem experiências com a teologia popular, supõem que não há gradação no pecado. Noutras palavras, «pecado é pecado», dizem, «e todos os pecados são igualmente maus diante de Deus».

 

 

 

2. Essa opinião, entretanto, nega o princípio exarado em Rm 2:6, que diz que cada indivíduo será julgado de conformidade com as suas próprias obras, e que o próprio crente será julgado segundo o que tiver praticado, de bom ou de mau, através do seu corpo (ver II Co 5:10).

 

 

 

3. Essa teologia popular também nega a base mesma da lei da colheita segundo a semeadura.

 

 

 

4. A discussão sobre Rm 1:24 e seu contexto, bem como o texto presente, parecem impor uma censura especial à imoralidade de natureza sexual. Essa forma de pecado desfecha um ataque especial contra o corpo, que é templo do Espírito.

 

 

 

«A palavra 'corpo' deve continuar sendo entendida como termo que indica a 'natureza humana inteira', que é referida no décimo nono versículo, como templo do Espírito Santo. Outros pecados profanam os átrios exteriores do templo; mas esse pecado penetra até ao próprio Santo dos Santos, com sua imundícia mortífera

 

 

 

'Endurece ao intimo e petrifica aos sentimentos'.

 

 

 

Há uma profunda significação e uma grande verdade nas solenes palavras litúrgicas: 'Da fornicação, e de todos os outros 'pecados mortais', ó bom Senhor livra-nos'». (Shore, in loc).

 

 

 

Mas também existem outras explicações sobre essas palavras, fora do corpo, conforme a lista que expomos abaixo:

 

 

 

1. Alguns pensam que as palavras «qualquer outro» devem ser compreendidas no sentido popular de «quase todo». Assim sendo, outros pecados podem ter um efeito tão adverso para o corpo como a imoralidade, podendo também ser «contra o corpo», sendo igualmente pecados feitos «no corpo» ou «contra o corpo», embora em um sentido secundário.

 

 

 

2. Outros pensam que a imoralidade polui «o corpo inteiro», ao passo que o efeito de outros pecados é apenas parcial, razão pela qual poderiam ser reputados (de maneira relativa) como praticados «fora do corpo», isto é, sem produzirem plenos efeitos perniciosos contra o corpo.

 

 

 

3. Ainda outros estudiosos imaginam que a imoralidade se torna um real tirano, dominando o corpo, com uma intensidade desconhecida no caso de outros pecados, o que significaria que sua relação para com o corpo é menos pronunciada, pelo que também poderiam ser considerados como praticados «fora do corpo».

 

 

 

4. Finalmente, conforme Paulo mostrara antes, os contatos sexuais ilícitos levam o crente culpado a participar das energias vitais de ordem física e psíquica de uma mulher sensual (ver o décimo sexto versículo deste capítulo), o que resultaria em um mau efeito sobre o corpo. Nenhum outro pecado conseguiria atingir desse modo as próprias energias vitais, porquanto no caso de nenhum outro pecado há tal contato com uma força maligna. É bem provável que esta quarta possibilidade expresse sentimento que Paulo quis transmitir, embora as outras ideias talvez tenham alguma aplicação ao que ele tencionava dizer.

 

 

 

«Os outros vícios são conquistados pela luta; a concupiscência, pela fuga». (Anselmo).

 

 

 

6:19    Ou não sabei que o vosso corpo é santuário do Espirito Santo, que habita em vós, o qual possuis da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?

 

 

 

Este versículo encerra diversas importantes verdades que podem ser sumariadas como segue:

 

 

 

1. Todos os crentes possuem a presença permanente do Espírito Santo neles. Não pode haver salvação, sob hipótese alguma, nem fé, nem conversão, nem santificação, nem regeneração e nem transformação segundo a imagem de Cristo sem a agência do Espírito Santo e sem o entrelaçamento de sua natureza santa com a natureza humana.

 

 

 

2. O que fora dito antes, acerca da comunidade cristã, como templo do Espírito Santo (ver I Co 3:16 e ss.), em que a «igreja» aparece como santuário e lugar de habitação de Deus, no Espírito Santo, é dito aqui a respeito do crente «individual». A doutrina assim ensinada é que deve haver algum contato real e vital entre o espírito humano e o Espírito de Deus; porquanto disso é que se constitui a salvação. Em outras palavras, a salvação ocorre mediante essa «experiência mística» com o Espírito do Senhor. É uma experiência «mística» porquanto através dela entramos em real contato e intimidade com a natureza divina, não sendo isso apenas uma expressão simbólica. Na verdade, a energia divina se une à energia humana e a transforma. Deus, pois, mostra-se «imanente» em sua criação.

 

 

 

3. Por causa dessa presença habitadora do Espírito Santo, o crente passa a pertencer inteiramente a Deus, ficando destinado a compartilhar da natureza divina. (Ver o décimo sétimo versículo deste capítulo).

 

 

 

4. Essa verdade, considerada em seu conjunto, subentende que o corpo (o «eu» inteiro), bem como qualquer porção do mesmo, não pode ser entregue a práticas pecaminosas, imorais. Tal combinação é simplesmente impossível. O indivíduo precisa escolher entre uma coisa e a outra.

 

 

 

«...da parte de Deus...» Visto que Deus é o manancial último de todas as bênçãos espirituais, que nos são dadas por mediação de Cristo, através do Espírito Santo. (Quanto a isso ver os trechos de Ef 1:3,4; Rm 11:32). O Espírito de Deus é um presente dado aos homens, para que se concretize sua total salvação. Ora, o Espírito Santo não pode habitar em um santuário poluído, porquanto não pode realizar ali a sua obra. Assim sendo, a presença permanente do Espírito Santo, o dom de Deus aos homens que visa a sua redenção espiritual, requer que o crente se separe do mal, tal como aprendemos em II Co 6:16. Essas palavras, «...da parte de Deus...», por conseguinte, mostram nossa total dependência para com o Senhor. Nossa realização espiritual é um presente divino, e não um produto do esforço humano. Essa é uma suposição fundamental do sistema inteiro da graça divina, da soteriologia paulina.

 

 

 

«...santuário...» No original grego encontramos o vocábulo «naos», que era aplicado ao «Santo dos Santos», em contraste com o termo «ieron», que se aplicava ao templo inteiro. É verdade, entretanto, que tais palavras gregas podiam ser empregadas como sinônimos, referindo-se ao templo inteiro e seus recintos. No entanto, parece que Paulo fez aqui alusão ao lugar mais íntimo do templo, o qual, no templo de Salomão, era o local onde se verificavam as manifestações da glória divina. Dentro da dispensação do novo pacto, entretanto, o crente é que é local dessa manifestação divina, sendo ele mesmo transformado pelo Espírito Santo, que ali habita. O crente é o santuário do Espírito Santo. É interessante que em I Co 3:16 a mesma palavra é usada para indicar o «templo», referindo-se à comunidade inteira da igreja cristã.

 

 

 

«...corpo...», o santuário do Espírito Santo. Estão possivelmente em vista, nessa palavra, tanto «a personalidade inteira» como o «corpo físico», ambos os quais são ocupados pela energia divina. Ora, sendo assim a realidade dos fatos, o corpo do crente não pode ser entregue à imoralidade, porque o Espírito de Deus não pode habitar à vontade em um templo devotado às forças malignas.

 

 

 

«...não sois de vós mesmos...» A presença do Espírito Santo no templo do corpo faz deste último propriedade exclusiva de Deus. É sua residência, lugar onde ele manifesta a sua glória. E assim o crente individual deixou de ser mera entidade humana. O indivíduo, ao entregar ao controle do Espírito de Deus o santuário de seu ser físico, na realidade cessou de exercer controle pessoal sobre o mesmo, deixando de ser seu próprio senhor. Daí por diante, tudo quanto Deus planeja para a humanidade, na redenção que há no sangue de Cristo, torna-se potencialmente possível, e eventualmente se tornará uma radiosa realidade. Porém, nenhum indivíduo poderá atingir a esse elevadíssimo alvo enquanto quiser ser o capitão da sua própria alma. O crente, pois, em sua personalidade inteira, torna-se propriedade de Deus. (Ver os trechos de At 20:18 e Rm 14:8, acerca desse pensamento). Vivendo ou morrendo, vivemos ou morremos para o «Senhor».

 

 

 

Com essas ideias podemos confrontar as palavras de Epicteto, o qual disse: «Se fosses uma estátua de Fídias, pensarias tanto em ti mesmo como no artista; e procurarias nada fazer indigno daquele que te fez, ou de ti mesmo. Mas por que, visto que Zeus foi quem te fez, nem por isso cuidas em como te comportares? No entanto, o artista, em um caso, é como o artista no outro caso? ou a obra em um caso, é como a obra no outro caso?»

 

 

 

Declarou ainda esse mesmo antigo autor: «Miserável! Levas Deus contigo, mas não o sabes. Pensas que me refiro a algum deus de prata ou de ouro? Carregas a ele contigo, dentro de ti mesmo, e não percebes que o estás poluindo com os teus pensamentos impuros e com teus feitos maléficos». (Discursos, ii.8).

 

 

 

Por conseguinte, pertencemos a Deus, em face das seguintes considerações:

 

1. Por direito de criação;

 

2. Por direito de redenção;

 

3. Por direito de possessão;

 

4. Por direito de propriedade moral e espiritual;

 

5. Por direito da gratidão que nos convém é que essa possessão deve ser expressa (ver o vigésimo versículo, mais abaixo);

 

6. Por direito da obra expiatória de Cristo (ver também o vigésimo versículo); e

 

7. Por direito da possessão e habitação permanente do Espírito Santo (que é o aspecto ensinado neste décimo nono versículo).

 

 

 

Aos diversos argumentos contrários à prática da imoralidade, por parte do crente, e que são sumariados no versículo anterior, Paulo acrescenta aqui essa ideia da possessão absoluta, por parte de Deus, do ser de cada crente. O corpo do crente pertence realmente a Deus, que é o seu remidor. Portanto, o crente não pode deixar o seu corpo ser usado para maus propósitos; o crente não tem «direito» algum de fazer tal coisa. O crente perdeu a «autoridade» sobre si mesmo. Ora, tal «autoridade» foi transferida para Deus, e a ele compete usar nossos corpos para o bem, ao passo que, nas mãos humanas, nossos corpos seriam inevitavelmente usados para o mal.

 

 

 

6:20    Porque fostes comprados por preço; glorificai pois o Deus no vosso corpo.

 

 

 

As palavras «...comprados por preço...» expressam um tema extremamente comum nas páginas do N.T., referindo-se sempre à «expiação» operada pelo sangue de Cristo, em que Cristo nos «comprou novamente» do mercado de escravos do pecado. (Quanto a essa verdade, ver especialmente os trechos de I Pe 1:18,19 e At 20:28). O preço pago foi o sangue de Cristo, que simboliza tudo quanto Cristo Jesus fez por nós, em sua morte expiatória pelos pecadores. É dessa maneira Cristo nos libertou dos nossos pecados, liberando-nos de nossa lealdade ao pecado, de nossa escravidão ao pecado. Cristo também rompeu o domínio das forças malignas sobre nós, às quais estávamos sujeitos, exatamente porque éramos homens decaídos, vivendo em uma esfera de decadência espiritual, à qual chamamos de terra. (Ver Cl 2:15). Por essa razão é que lemos a respeito de Jesus Cristo: «...foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação» (Ap 5:9).

 

 

 

A expiação dos nossos pecados também é verdade expressa na Bíblia nos termos de resgate. (Ver os trechos de Mc 10:45; I Pe 1:18,19). A passagem de I Co 7:23 subentende a mesma verdade, mas emprega a figura simbólica da servidão. Segundo essa ilustração, o escravo (o pecador) é remido e libertado; mas passa a pertencer a um novo senhor. Antes, pertencíamos ao nosso pai, Satanás; mas fomos libertados de seu domínio, que se estende aos corpos dos homens e ao sistema do mundo inteiro, o ambiente no qual vivemos.

 

 

 

Em lugar algum, entretanto, as Escrituras ampliam a figura simbólica aqui referida a fim de dar a entender que «Satanás» recebeu o preço da redenção ou resgate. Essa tão absurda ideia, entretanto, tem sido ensinada aqui e acolá durante quase todo o decurso da história eclesiástica, especialmente na chamada Idade Média. A satisfação foi antes dada a Deus, e a nenhum outro, e tudo foi aceito na pessoa do Amado, o Filho de Deus. (Ver Ef 1:6).

 

 

 

Portanto, preço, «resgate», e «mercado de escravos» são diferentes metáforas empregadas pelo apóstolo dos gentios, das quais não podemos extrair todos os seus pensamentos espirituais paralelos. O sentido de «preço» é claro, como também são claros os sentidos de «resgate», de livramento da servidão, da satisfação dada a Deus.

Porém, não nos cabe indagar aqui para quem foi pago esse resgate, isto é, se a Deus ou a Satanás, como se fôssemos forçados a satisfazer a alguma exigência que requeira o sofrimento às mãos de Cristo, a fim de satisfazer a alguma magnificente sede de vindita. Levar a doutrina da redenção, em seus aspectos simbólicos, a extremos como esses, é prejudicar tal doutrina. (Quanto a notas expositivas sobre o conceito de «resgate», ver os trechos de Mt 20:28 e I Tm 2:6). O ato de comprar, de pagar um resgate, subentende com grande clareza o direito de possessão e de controle daquilo que foi assim adquirido;e esse era justamente o ponto que Paulo procurava frisar aqui. O corpo do crente, comprado pelo Senhor, ao preço do seu sangue, pertence a ele, como a ele pertence a personalidade inteira do crente. Portanto, nosso corpo deve ser dedicado ao serviço e à glória do Senhor Jesus.

 

 

 

Assim, pois, aos diversos argumentos contrários às práticas imorais, que envolvem os corpos dos crentes (sumariados no décimo oitavo versículo deste mesmo capítulo), ainda um outro argumento é aqui adicionado. O direito de possessão absoluta é um direito exclusivo de Deus. O corpo do crente, por conseguinte, não pode ser utilizado como instrumento de práticas imorais, como se esse corpo pertencesse a alguma força maligna e degradante.

 

 

 

«O resgate foi da servidão ao pecado, da maldição imposta pela lei, bem como do poder de Satanás (comparar com os trechos de Rm 6:17e ss.; Gl 3:13; Cl 1:13 e At 26:18). Ora, esse resgate foi feito por certo 'preço', a saber, o seu 'sangue'. (Ver Mt 20:28; I Pe 1:18). Deixando de lado a mera significação da palavra, mas observando o que nela está envolvido, chegamos ao mui importante pensamento que o preço foi altíssimo e que o resgate foi caro... Essa expressão ocorre em I Co 8:23, mas onde, tal como em At 20:28, Cristo é apresentado como o possuidor». (Kling, in loc).

 

 

 

«...glorificai a Deus no vosso corpo...» Essa é a inferência prática tanto deste versículo como desta seção inteira. Essa glorificação deve ser dada em forma de palavras, mas também deve incluir feitos de ação de graças. (Ver I Co 10:31, que diz: «...fazei tudo para a glória de Deus»). Esse conceito inteiro de dar glória a Deus é comentado em Rm 16:27. «O aspecto da adoração a Deus se manifesta através de uma vida completamente dedicada ao seu serviço». Tal dedicação eliminará a servidão ao pecado, incluindo o pecado da imoralidade. Por conseguinte, Paulo ajunta ainda uma outra razão pela qual o crente não pode ocupar-se de tais práticas. O presente capítulo expõe muitas dessas razões, e uma nota de sumário aparece no começo dos comentários sobre o décimo oitavo versículo deste capítulo.

 

 

 

A glória conferida a Deus é temporal. É agora a principal preocupação da vida. «E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai» (Cl 3:17). Mas essa atitude se estende também pela eternidade afora, visto que as ações morais da vida do crente servem para transformar-lhe a alma para ocupar-se de um serviço mais elevado e muito mais glorioso. Não obstante, o alvo permanece o mesmo, a saber, a glória de Deus. Isso expressa uma grande verdade, pois, quando damos glória a Deus, nós mesmos somos glorificados em Cristo, já que somente nesse estado podemos ser feitos o meio exaltado de glorificar o seu nome, conforme se espera de nós que façamos. (O trecho de Rm 8:29,30, descrevem a natureza dessa glorificação).

 

 

 

É visando a glória de Deus que experimentamos a glorificação, o que redunda em seu louvor; e isso significa que tanto o Senhor, como nós mesmos, somos beneficiados. Assim sendo, a finalidade da vida, o seu propósito mesmo, é a glória de Deus, é o desfrutamento de Deus, por parte do crente, para sempre. Somente quando glorificamos verdadeiramente a Deus é que podemos encontrar nosso bem e destino mais elevados. Ser alguém transformado segundo a imagem de Cristo redunda em glória para Deus, sendo essa a maior glória que um homem pode fazer redundar para Deus, já que isso é realmente agradável para o Senhor. É para glória de Deus que seremos finalmente glorificados. Assim sendo, a glória conferida a Deus é sempre benéfica para os homens. Porquanto os decretos de Deus são todos benéficos e benignos, e jamais de natureza destrutiva, como também são sempre altruístas, e nunca egoístas. Por essa razão é que as Escrituras dizem com toda a verdade: «Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito...» (Jo 3:16).

 

 

 

«...no vosso corpo...» Porque o corpo físico é agora o instrumento de que dispomos para a glorificação de Deus, sendo esse o grande tema da presente passagem. O corpo é que deve ser usado no serviço de Deus, e não utilizado para finalidades imorais. O corpo do crente pertence a Deus, e não a forças malignas. O corpo do crente será redimido, tornando-se um veículo eterno da glória de Deus, sem importar se pensamos nele como uma entidade física ou como representante do ser inteiro do crente. Contudo, a entidade física é enfatizada neste versículo.

 

 

 

Com este versículo se pode comparar o trecho de Rm 12:1,2, onde o corpo também aparece como o instrumento da dedicação dos crentes a Deus, e onde o corpo é usado como o «símbolo» da dedicação da pessoa inteira do crente ao seu Senhor.

 

 

 

Variante Textual: «...no vosso corpo e no vosso espírito...» é como o texto aparece em alguns manuscritos antigos, como C(3), D(2), as versões latinas k, l e p, e nas traduções AC e KJ. Porém, todos os manuscritos realmente antigos, como P(46), Aleph, ABC(1)D(1)EFG, omitem essas palavras, no que são seguidos pelas outras doze traduções não mencionadas aqui, mas que foram usadas para efeito de comparação por este comentário. As palavras, «e no vosso espírito» representam uma glosa escribal, cujo intuito é o de enfatizar a personalidade humana inteira, como a esfera e o agente da glória de Deus. Porém, embora isso represente uma verdade, não é o que Paulo salienta aqui. Não obstante, a verdade que ele destaca é similar, embora ele tenha empregado somente o termo «corpo» para expressar a agência do homem para a gloria de Deus.

 

 

 

Paulo aponta aqui para os crentes de Corinto (e para nós também) o caminho real da autêntica dedicação das faculdades totais do crente, para a glória de Deus, o que também redunda na própria glorificação dos crentes, em Cristo Jesus. Mas aqueles crentes de Corinto, em seu egoísmo, vinham fazendo do próprio «eu» o centro de todas as suas atividades, algo fatal para todo aquele que se diz crente.

 

 

 

Epicteto se insurgiu contra as concupiscências e contra os excessos praticados pela natureza mortal. Vale a pena acompanhar a bela passagem desse autor, que ilustra bem a ideia expressa neste sexto capítulo da primeira epístola aos Coríntios, extraída de seu Manual(3,11): «Uma vez que um indivíduo possua o objeto desejado por alguém, passa a exercer controle sobre o espírito desse alguém e este último passa a ficar escravizado ao primeiro. Em consequência disso, a fim de ser evitada essa vulnerabilidade, é mister que o indivíduo impeça que essa situação se transforme em realidade, tornando-se independente, não somente com respeito às coisas impessoais, mas, igualmente, no tocante às pessoas. Exercita-te, pois, naquilo que está ao teu alcance. O senhor de cada indivíduo é o homem que tem autoridade sobre aquilo que deseja ou não, evitando uma coisa ou tirando outra. Por conseguinte, que aquele que almeja ser livre, não deseje qualquer coisa e nem evite coisa alguma que dependa de outrem, porque, de outra maneira, estará destinado a ser um escravo.

 

 

 

Algumas pessoas se deixam escravizar às emoções imperiosas, como o sexo, conforme observou Menandro: 'Uma jovem sem qualquer dignidade fez de mim um escravo, embora nenhum adversário me tivesse podido subjugar'. As práticas sexuais podem atingir tais extremos de tirania que, quando assim sucede, poucos, ou mesmo ninguém, podem escapar sem ficar com cicatrizes. Epicteto indaga:,Quando uma jovem bonita te exauriu as forças, porventura conseguis te escapar ao justo castigo?'

 

 

 

É necessário que todos exerçam uma vigilância eterna, para escaparem das seduções do sexo: e essa vigilância só pode ser cultivada mediante práticas hígidas, que se desenvolvem em hábitos firmes e protetores. Epicteto demonstrou a sua técnica como segue: 'Portanto, se não desejas tornar-te colérico, não alimentes o hábito do aborrecimento, para não alimentares ainda mais a fogueira. Para começar, conserva-te tranquilo, e conta os dias em que não cederes à ira. Eu costumava irar-me todos os dias; então, um dia sim, e outro não; então, de três em três dias; e, finalmente, de quatro em quatro dias. Mas, se conseguires passar calmo durante trinta dias, então oferece um sacrifício a Deus; portanto, primeiramente o hábito é enfraquecido, e em seguida é totalmente destruído. Quanto a mim, consegui sentir-me liberto da ira pelo espaço de um dia, e também no dia seguinte; e, depois, por dois ou três meses a fio. E, se porventura surgiam motivos para eu irar-me, cuidava zelosamente por abafá-los.

Devo reconhecer que é mister fazer isso com grande domínio próprio. Hoje, quando vi uma bela mulher, não disse para mim mesmo: 'Oxalá que ela fosse minha!' ou: 'Feliz é o seu marido!' Porquanto aquele que assim afirma, também está inclinado a dizer: 'Feliz é o adúltero!' Por semelhante modo, não me ponho a imaginar a cena que se poderia seguir: a mulher se despiria e se reclinaria ao meu lado. Nesse caso, eu daria palmadinhas em minha própria cabeça e diria: 'Bravo, Epicteto, acabas de rejeitar uma bela falácia, muito mais bela que o chamado Mestre. E ainda que a pobre mulher, coitada dela! se sentisse desejosa, fizesse acenos e me solicitasse a estar com ela, chegando mesmo a tocar em mim e achegar-se mais para perto de mim, ainda assim eu me conservaria indiferente, e seria vencedor...Isso é algo de que alguém poderia sentir-se realmente orgulhoso...Ora, como é que esse feito pode tornar-se realidade?

 

 

 

Pelo menos toma tu a resolução de agradar ao teu verdadeiro 'eu׳; toma a resolução de pareceres nobre aos olhos de Deus; fixa os teus desejos na disposição de te tornares puros em presença de teu puro 'eu׳, e na presença de Deus.

 

 

 

A Resignação

 

 

 

«É necessário que o indivíduo estabeleça a paz consigo mesmo, entrando em harmonia com o mundo. Jamais deve perder de vista o fato de que ele é um mero mortal humano, animal, vegetal, etc. Se alguém conservar-se permanentemente no reconhecimento dessa verdade básica e simples, então a sua alma será capaz de controlar-se quando outros estiverem perdendo a compostura e o controle próprio.

 

 

 

Entre as muitas coisas capazes de tornar um homem vulnerável, destaca-se o amor. Como exemplo disso, consideremos o homem que ama profundamente à sua própria esposa. Esse homem estará sujeito a sentir-se extremamente angustiado no caso do falecimento dela. A vida pode tornar-se insuportável quando ficamos separados de seres amados; em consequência, a fim de fortificar-se como o aço, em face de tais circunstâncias, o indivíduo precisa lembrar-se incessantemente da natureza perecível da vida e das atividades humanas. 'Quando qualquer coisa, desde as mais vis até às mais excelentes, se fizer atrativa e útil para ti, ou tornar-se objeto de tuas afeições, nunca te olvides de perguntar a ti mesmo: Qual é a sua natureza?! Se por acaso gostas muito de uma jarra, diz para ti mesmo que aprecias muito aquela jarra, e então não ficarás perturbado se a mesma vier a quebrar-se. Se osculares a um filho teu ou à tua esposa, diz para ti mesmo que estás beijando um ser humano; pois então, se porventura a morte desfechar o seu golpe, não ficarás aflito'. Em outras palavras, se alguém conservar-se na completa consciência do fato que, nesta vida, nada é permanente ou imutável, então mais facilmente poderá resignar-se ante qualquer ocorrência desagradável que o envolva.

Não obstante, essa atitude só deve ser tomada quando os objetos e as circunstâncias estiverem além da capacidade do indivíduo em alterá-los. Por outro lado, o homem pode assumir uma outra atitude, diferente da que é aconselhada acima, a qual é igualmente eficaz no manuseio das tragédias: 'Jamais digas a respeito de qualquer coisa: Eu a perdi. Pelo contrário, diz: Eu a devolvi. Teu filho morreu? Foi devolvido. Tua esposa faleceu? Foi devolvida. Tuas propriedades te foram arrebatadas? Porventura não foram também elas devolvidas? Mas, talvez objetes: Aquele que as arrebatou de mim é um homem iníquo. Porém, que te importa a pessoa através de quem o grande Doador pediu-te algo em devolução? Enquanto o grande Doador permitir-te ficar na posse de alguma coisa, cuida dela, mas não como tua própria; antes, trata-a como os viajantes tratam de uma hospedaria'». (Seleções extraídas de Epicteto, com comentários, do livro intitulado Realms ofPhilosophy, William S. Sahakian, Schenkman Pub. Co., Cambridge, Mass., Estados Unidos da América do Norte, 1965).

 

 

Bibliografia R. N. Champlin,comentário do novo testamento,2010

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