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PAULO (APÓSTOLO)

 

                                       A Importância de Paulo

 

Esboço:

 

I.             Vida

 

1.      Fontes de Informação

2.      Passado

3.      Primeira Viagem Missionária

4.      O Concilio Apostólico

5.      Segunda Viagem Missionária

6.      Terceira Viagem Missionária

7.      Aprisionamento e Encarceramento em Roma

8.      Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha

9.      Segundo Encarceramento e Morte

10.    Cronologia da Vida de Paulo

 

II.           Significação de Paulo

 

1.      As Escolas Críticas e Paulo

2.      As Epístolas Paulinas

3.      O Servo de Cristo

4.      O Apóstolo dos Gentios

5.      A Doutrina de Paulo

6.      Paulo e Jesus

7.      Como Paulo Comprovou seu Apostolado

 

I. Vida

 

 

 

 

 

A Conversão de Saulo At 9:1 -19ª

 

 

 

No que concerne a Lucas, a conversão de Paulo foi a consequência singular mais importante do "caso Estevão". A importância desse evento se comprova pela tríplice repetição dessa história, primeiro aqui, depois em 22:5-16, e finalmente em 26:12-18. A autoridade de Lucas deve ter sido a do próprio Paulo. Os três relatos diferem nos pormenores, e não é fácil determinar até que ponto isso se deve a Paulo — ou a Lucas — embora possamos ter razoável grau de certeza de que pelo menos alguns pontos de variação se devem a Paulo, que adaptava os relatos aos diferentes auditórios a quem falava e o site ebdareiabranca continuara assim. Seja como for, o fato central de uma experiência culminante se estabelece acima de qualquer sombra de dúvida nos escritos do próprio Paulo (1Coríntios 9:1; 15:8s; 2 Coríntios 4:6; Gálatas 1:12-17; Filipenses 3:4-10; 1 Timóteo 1:12-16).

 

 

 

Lucas conta a história como se o que acontecera tivesse uma realidade objetiva. Certos eruditos modernos têm questionado esse ponto. Surgem, então, às vezes, ideias sobre uma razão psicológica. Diz Weiss: foi "o resultado final de uma crise íntima" causada pelo senso de fracasso de Paulo ao querer guardar a lei (J. Weiss, vol. 1, p. 190). Se Romanos 7:14-25 reflete esta experiência anterior à conversão do apóstolo, essa teoria tem algum mérito, embora fique longe de explicar adequadamente o que aconteceu. Outros atribuem a experiência de Paulo a um acesso de epilepsia, ou ao fato de ele cair num transe de êxtase. Outros ainda têm argumentado que essa trama toda foi engendrada a partir de uma lenda. A explicação do próprio Paulo, no entanto, foi que ele havia tido um encontro com o próprio Cristo vivo, o qual de certa maneira diferiu de suas subsequentes "visões e revelações" (2 Coríntios 12:1), de modo que o apóstolo só conseguia explicá-lo como a última aparição de Cristo,após sua ressurreição (1 Coríntios 15:8). A experiência de Cristo como poder dentro do crente não era estranha a Paulo (Romanos 8:10; Gálatas 2:20), "mas na estrada de Damasco ele não só experimentou o poderinternamente, mas acima de tudo, percebeu uma pessoa externamente — não recebeu apenas a dádiva da graça, mas também a vinda do Senhor ressurreto. Portanto, Paulo declara ter visto a Jesus, o que é algo singular e marcante, não podendo ser menosprezado, nem deixado de lado como insignificante" (Dunn, Jesus, p. 109). Somente sua inabalável convicção da realidade do que havia acontecido explica suficientemente o resultado atingido: "a mudança radical de uma vida centralizada em si mesmo, para uma vida centralizada em Cristo, uma completa submissão a Jesus Cristo, pela qual ele se torna discípulo do Mestre e servo do Senhor, sua admissão no reino de Deus na terra, e no ministério apostólico, que era a tarefa da comunidade cristã (T. W. Manson, pp. 13s.).

 

 

 

9:1-2 Prosseguiu a perseguição à igreja de Jerusalém, com Paulo respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (v. 1) — ameaças que talvez não fossem de todo vazias. Não contente com isso, Paulo desejava estender seus esforços além da cidade. De 26:10 fica evidente que Paulo já estava agindo sob uma comissão nomeada pelo sumo sacerdote, mas agora dirigiu-se ao sumo sacerdote (talvez Caifás) e pediu-lhe que seu mandato se estendesse de modo que lhe permitisse procurar alguns daquela seita, quer homens quer mulheres... de Damasco para que os conduzisse presos a Jerusalém. A expressão "o Caminho" (que ECA traduz aqui diferente­mente, por "seita") é peculiar a Atos (cp. 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22) e talvez se originasse entre os judeus que viam os cristãos como os que haviam adotado um "Caminho" (ou modo de vida) distintivo. Todavia, logo a palavra "Caminho" seria usada pelos cristãos como meio adequa­do de descrevê-los como seguidores daquele que é "o Caminho" (João 14:6s.; os sectários de Qumran também se referiam a si mesmos como "o caminho", p.e., 1 QS 9.17s.; CD 1.13). Havia seguidores do "Cami­nho" em Damasco, de cuja presença nãotomamos conhecimento senão mediante Lucas, o que nos lembra de como Lucas é seletivo ao narrar sua história. A expressão se encontrasse (v. 2) não significa que haveria dúvida quanto à presença deles ali; a dúvida estaria na legalidade da ação de Paulo em prendê-los, visto não se tratar de meros refugiados recentes (8:1), mas de cristãos que residiam em Damasco e evidentemente haviam sido capazes de combinar a fé cristã com a prática judaica, de maneira aceitável perante seus correligionários judeus. A questão, portanto, era se as numerosas sinagogas existentes em Damasco cooperariam com Paulo na ação contra seus próprios companheiros que haviam optado por reconhecer que Jesus era o Cristo. As cartas para as sinagogas (v. 2)seriam uma ajuda, visto que embora o Sinédrio não tivesse autoridade legal fora da Judéia, sua reputação representaria autoridade moral sobre os judeus da diáspora (veja Sherwin-White, p. 100). Paulo também procuraria a ajuda dos magistrados locais, mas o nome do Sinédrio judaico teria tido peso suficiente até mesmo sobre tais magistrados, de modo que Paulo se sentiria confiante quanto à aquiescência deles, senão quanto à sua total cooperação. Fosse como fosse, parece que Paulo lançou-se com ímpeto, cheio de esperanças de grande sucesso. Estava acompanhado por inúmeros capangas, talvez designados dentre os guar­das do templo, a fim de ajudá-lo a efetuar as prisões.

 

 

 

9:3-5 Damasco, se não for a cidade mais antiga do mundo, pelo menos merece o título de a cidade que mais persiste. Fica a noroeste da planície de Ghuta, a oeste do deserto sírio-árabe e a leste dos montes Anti-Líbano. A região era um oásis, banhado por um sistema de rios e canais, famosa pelos seus pomares e jardins. Desde tempos imemoriais, Damasco tem desempenhado papel importante como centro religioso e comercial. Era também centro natural de comunicações, ligando os países do Mediterrâneo ao leste. Partindo de Damasco, as estradas seguiam pelo deserto rumo à Assíria e Babilônia; pelo sul à Arábia, e pelo norte a Alepo. Partindo de Jerusalém, havia duas estradas que conduziriam Paulo a Damasco. Uma delas era a estrada que saía do Egito e se projetava sempre perto do litoral, avançando depois pelo interior, ao longo do Jordão, até o norte do mar da Galiléia. Para apanhar essa estrada, Paulo teria primeiro que viajar para o oeste, na direção do mar. A outra estrada atravessa Neápolis e Siquém, do outro lado do Jordão, ao sul do mar da Galiléia, e a noroeste até Damasco. Sendo de ambos os caminhos o mais curto, teria sido a rota mais provável de Paulo.

 

 

 

Quando Paulo se aproximava de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu (v. 3). A palavra grega é muito empregada com o sentido de relâmpago, de modo que é assim que Lucas pretende dar-nos uma ideia da intensidade da luz, embora as circunstâncias sejam de tal ordem que obviamente a descrição não pretendia referir-se a um fenômeno natural. Em 22:6 a hora é determinada como sendo "quase ao meio-dia", e em 26:13 se diz que a luz "excedia o resplendor do sol", e envolveu o grupo todo, inclusive Paulo. A luz se associa com muita frequência, nas Escrituras, à revelação de Deus (cp. 12:7), sendo esse o caso aqui, com toda a clareza. Era a glória de que Estevão havia falado (7:2) que aparecia a Paulo, de acordo com o tema de Estevão, em terraque não era a sua, mas estranha. Mais precisamente, era a glória de Deus que brilhava "na face de Jesus Cristo" (2Coríntios 4:6), visto que embora a narrativa não o diga nestas exatas palavras, noutras passagens somos informados de que Paulo viu a Jesus (cp. vv. 17, 27; 22:14; 26:16): não o viu como os outros o viram, mas viu o Filho que ascendera aos céus, resplendente na glória do Pai, cegando o olho humano, pois ninguém pode ver a face de Deus (cp. Êxodo 33:20).

 

 

 

Paulo e quantos o acompanhavam caíram ao chão. Veio a Paulo um som, como a voz de Cristo: Saulo, Saulo, por que me persegues? (v. 4). A forma semítica de seu nome (Shaul) é usada em todos os três relatos — certamente como reminiscência deste acontecimento notável. Quanto à solene repetição do nome, compare com Gênesis22:11, Mateus 23:37, e Lucas 10:41; 22:31. De início, é possível que Paulo tivesse ficado todo confuso, sentindo apenas que estava na presença de Deus. É por isso que ele usa o nome do Senhor ao fazer-lhe uma pergunta. E recebe a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (v. 5; cp. 22:8, "Eu sou Jesus de Nazaré"), e com essas palavras vem também a primeira lição que Paulo precisava aprender, a saber, que Cristo tinha "um corpo", uma presença tangível na terra, a igreja (cp. Romanos 12:4, 5; 1 Coríntios 6:15; 8:12; 10:16s.; 12:12ss.; Efésios 1:23; 4:4, 12, 16; 5:23; Colossenses 1:18, 24; 2:19), de modo que era a ele, ao próprio Cristo, que Paulo vinha ferindo ao perseguir seu povo (cp. Mateus 25:40, 45; Lucas 10:16). E Paulo fez mais duas descobertas. Primeira, que oscristãos estavam certos ao proclamar a ressurreição de Jesus. O emprego do nome do Senhor aqui expressa apercepção de Paulo de que o Jesus histórico era o Cristo que lhe aparecera. Segunda descoberta: Gamaliel tinha razão, visto que Paulo fora na verdade apanhado lutando contra Deus (cp. 5:39).

 

 

 

9:6-8 No devido tempo, Paulo receberia instruções sobre o que deveria fazer, mas nesse momento ele já era um novo homem (cp. 2 Coríntios 5:17; Filipenses 3:4ss.). Paulo não poderia jamais esquecer de modo completo seu passado, mas tudo lhe fora perdoado, e Deus lhe havia preparado uma nova tarefa. Deve-se notar que em 26:16-18 há um breve resumo, como se o Senhor, por ocasião dessa experiência de Damasco, tivesse explicado a respeito de qual viria a ser sua nova tarefa. Entretanto, a narrativa naquele capítulo foi bastante condensada, com omissão de todas as referências a Ananias, com quem Paulo aprenderia mais tarde qual seria o propósito para o qual Cristo o tinha convocado. Note-se que os companheiros de Paulo foram muito menos influenciados do que ele mesmo pelo que acontecera. Haviam visto a luz, haviam ouvido o som (v. 7; cp. 22:9; 26:14), e à semelhança de Paulo haviam sido atirados ao chão (26:14 liga de modo explícito sua cegueira à luz). Certa vez Jesus havia-se referido a esse tipo de cego, ao falar de "um cego guiar outro cego" (Mateus 15:14; 23:16); estando cego agora,Paulo foi conduzido por outros a Damasco (v. 8), onde se hospedou na casa de um Judas, na rua Direita (cp. v. 11). Tais pormenores, como o nome do anfitrião e da rua onde este morava indicam a existência de uma fonte bem perto do local dos acontecimentos (cp. 16:15; 17:6s.; 18:2s.; 21:8, 16; também 10:6).

 

 

 

9:9-12 Paulo permaneceu nesta casa durante três dias, sem comer nem beber — sinal, talvez, de profunda contrição, ou quem sabe em antecipação de outras revelações (cp. v. 6), ou talvez como consequência de seu estado de choque. Paulo orava e jejuava. Sendo um fariseu devoto, deveria orar com muita frequência. Entretanto, quem sabe pela primeira vez Paulo estava aprendendo a diferença entre "rezar, ou pronunciar palavras perante Deus" e orar (a reação do verdadeiro crente perante a graça de Deus que lhe foi dada por Cristo). O orgulhoso fariseu da parábola de Jesus havia tomado o lugar do outro homem (Lucas 18:9-14). Esta passagem ensina a importância da oração tanto para Paulo como para a igreja no desempenho de sua missão. Em todas as situações críticas desta história encontramos o povo orando (10:2, 9; 13:2, 3; 14:23; 16:13, 16, 25; 20:36; 21:5; 22:17-21; 27:35; 28:8. É também a primeira de várias passagens em que as visões estão ligadas à oração (cp. 10:2-6; 9:17; 22:17-21; 23:11; cp. também 16:9, 10; 18:9, 10; 26:13-19). Seja o que for que entendermos em relação a esses fenômenos, devemos con­cordar em que expressam a convicção de que em todos os casos asorações foram respondidas. Neste caso particu­lar, uma visão enquadra-se noutra (cp. 10:1-23). Numa, Paulo viu um homem vindo a ele; na outra, o tal homem, o próprio Ananias, recebe orientação no sentido de ir a Paulo e impor-lhe as mãos para que ficasse curado (cp. 1 Samuel 3:4ss). O v. 11 é a primeira referência, numa série de cinco, em Atos, à cidade em que Paulo nasceu. Sendo talvez tão antiga quanto Damasco, Tarso foi a principal cidade de Cilícia Pedeias. A julgar pela extensão de suas ruínas, a população de Tarso na época dos romanos deve ter chegado perto de meio milhão de pessoas. Era uma cidade que possuía todos os elementos necessários para torná-la o grande centro comercial que de fato veio a ser: excelente porto, uma região interiorana rica, e uma posição de comando na extremidade sul da rota comercial através dos montes do Touro, dos portõesCilicianos, até à Capadócia, Licaônia e interior da Ásia Menor em geral. Tarso passou para as mãos romanas ao sair do império desmoronado dos Selêucidas, antes de 100 a.C, embora o domínio integral não fosse conseguido senão depois de 60 a.C. Sob os selêucidas, Tarso se tornara uma das três grandes cidades universitárias do mundo mediterrâneo. Strabo refere-se à univer­sidade de Tarso como sendo superior, em alguns aspectos, às de Atenas e de Alexandria (Geografia 14.5.13). Era especialmente importante como centro da filosofia estoica. Portanto, Paulo deve ter ficado em débito para com aquela escola de pensamento em Tarso, pela sua familiaridade com seus princípios filosóficos, não todavia pelos anos de sua mocidade ali passados, mas pelo período que ali viveu mais tarde. O ofício de Paulo de fazer tendas constituía importante ramo comercial ciliciano (cp. 18:3).

 

 

 

9:13-14 Surge Ananias nesta narrativa apenas como um "discípulo". Era um judeu cristão muito ligado à lei, um homem bastante respeitado entre os judeus de Damasco. É possível que fosse um líder entre os cristãos. Haviam chegado a ele notícias acerca de quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém esse homem, Paulo, que Ananias não tinha desejo de encontrar agora, em Damasco (v. 26). Lucas apresenta o tormento de Ananias de forma dramática, mediante um diálogo com o Senhor (Jesus), e aqui encontramos outros dois nomes para os cristãos (cp. "o Caminho", [ECA traz "seita"] v. 2). São chamados de santos (v. 13, lit., "sagrados ou separados", cp. vv. 32, 41; 26:10, e quanto ao verbo, 20:32; 26:18). O Antigo Testamento empregava esse termo tanto para indivíduos como para Israel como um povo, mas Ananias não hesitou em aplicá-lo agora aos cristãos, o novo "Israel de Deus" (Gálatas 6:16). Note-se que em 26:10 o próprio Paulo usa esse termo, talvez numa repetição consciente de Ananias, a menos que, é claro, a linguagem fosse inteiramente de Paulo. Pelo menos seis de suas cartas são dirigidas "aos santos", ou "chamados para ser santos". Em segundo lugar, os cristãos são também os que "invocam o teu nome [de Jesus]". Esta expressão é um eco de 2:21 (citação de Joel 2:32) sendousada novamente no v. 21 e em 22:16. Esta descrição significa que eles creem em Cristo e, muito significativamente, relaciona-se de modo íntimo em 1 Coríntios 1:2 com o título de "santos" dado aos crentes.Outra característica distintiva desta passagem é o uso frequente do título Senhor para Jesus. Era termo comum na época em que Paulo estava escrevendo suas cartas e pode refletir, repitamos, sua própria expressão verbal ao recontar a história a Lucas.

 

 

 

9:15-16 Repete-se a ordem do Senhor a Ananias para que vá ao encontro de Paulo, e declara-se ao mesmo tempo qual haveria de ser o destino de Paulo. Paulo era um "vaso escolhido [de Deus]", metáfora tirada do trabalho do oleiro. Assim como o oleiro fazia vasos para diversos fins, Deus também fez os seres humanos para seus próprios e variados propósitos (cp. Jeremias 18:1-11; 22:28; Oséias 8:8; 2 Coríntios 4:7; 2 Timóteo 2:20, 21). No caso de Paulo, ele haveria de tomar sobre si o manto do Servo sofredor (cp. Colossenses 1:24), porquanto elehaveria de ser "uma luz para as nações", para que Paulo pudesse "levar o nome de Deus" (continuando a metáfora do vaso) perante os gentios, os reis e os filhos de Israel (v. 15; cp. 26:22; Isaías 49:6). Observe que esta missão incluía os judeus, mas a ordem das palavras enfatiza os gentios. Eis uma extraordinária reviravolta navida de Paulo, o fariseu. O desempenho fiel dessa missão traria muito sofrimento a Paulo, como trouxera ao próprio Servo (não, todavia, como punição pelo seu passado, mas simplesmente "por amor do Senhor"). Quanto Paulo deveria sofrer lhe seria revelado de tempos em tempos (p.e., 20:23), e podemos ver um pouco disso nas cartas do apóstolo (p.e., 1 Coríntios 4:9ss.; 2 Coríntios 6:4, 5; 11:23-28; Filipenses 3:4ss.; Colossenses 1:24; 2 Timóteo 4:6). Tudo isto Ananias comunicou a Paulo quando ambos se encontraram (22:14s.).

 

 

 

9:17-19a /Ananias finalmente venceu sua relutância, senão seu medo, e acabou indo à casa da rua Direita. Ali, impôs as mãos sobre Paulo, anunciando-lhe que havia sido enviado por Jesus, a fim de que tornes a ver, e sejas cheio do Espírito Santo (v. 17). Nenhuma palavra de recriminação, mas uma recepção calorosa à comunhão da igreja (cp. v. 27). A imposição de mãos deve ser vista como um sinal da cura dos olhos, não do enchimento de Paulo com o Espírito Santo—e menos ainda como método mediante o qual esse dom é concedido. O enchimento de Paulo com o Espírito Santo relaciona-se melhor com seu batismo, mas repitamos, não como o método ou meio, mas simplesmente como um sinal externo de uma graça espiritual interna. A vista de Paulo foi restaurada (Lucas descreve a cura empregando termos de medicina); Paulo foi batizado (teria sido pelas mãos de Ananias?),alimentou-se e "sentiu-se fortalecido". É possível que este seja outro termo médico, e assim Paulo estava pronto para o que o aguardava.

 

 

 

Notas Adicionais

 

 

 

9:4 Por que me persegues?: A resposta a esta pergunta tem sido encontrada em Gálatas 3:13. Antes de sua conversão, Paulo considerava Jesus como maldito, de acordo com Deuteronômio 21:22s. Por esta razão, Paulo havia blasfemado contra o nome do Senhor (1 Timóteo 1:13) e tentou levar outros a blasfemar também (Atos 26:11), isto é, dizer: "Jesus é anátema" (1 Coríntios 12:3). Após sua conversão, Paulo prosseguiu afirmando,"Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição", mas agora acrescenta duas palavras, "por nós", ou "por mim" (cp. também Gálatas 2:20). Veja J. Jeremias, The Central Message of the New Testament (Londres: SCM Press, 1965), p.35s.

 

 

 

9:17 O Senhor Jesus... me enviou, para que... sejas cheio do Espírito Santo (cp. 22:12ss.): à vista da insistência posterior de Paulo, em Gálatas 1:1, 11s., em que havia recebido comissão apostólica não de mãos humanas, mas diretamente de Cristo, é importante que notemos, como Bruce, que em primeiro lugar Paulo se defende, em Gálatas, da acusação de que havia recebido comissão dos apóstolos originais. O papel desempenhado por Ananias não teria prejudi­cado sua argumentação, ainda que esse discípulo fosse um líder em Damasco. Em segundo lugar, seja como for, Ananias desempenhou a função de um profeta, de modo que suas palavras foram as do Cristo ressurreto (Book [Livro], pp. 200s.).

 

 

 

Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda05.ht

 

Saulo, um vaso escolhido

 

 

 

A conversão de Saulo foi o maior acontecimento da historia da Igreja, depois do Pentecoste.

 

 

 

Na ultima aula vimos que a perseguição atua enquanto Deus per­mite, sempre com o sublime propó­sito de atrair os cristãos à santidade. No momento em que o Todo-poderoso acha conveniente suspendê-la, ela cessa e vem o tempo de refrigério para a Igreja. Na atualidade, nós, brasileiros, gozamos da total liber­dade de se pregar o Evangelho.

 

 

 

Saulo, antes de ser transformado pelo poder de Deus, por causa de seu zelo religio­so, pois pertencia ao farisaísmo, a principal seita dentro do Judaísmo, tornou-se um dos principais perse­guidores dos cristãos. Mas, naquele encontro que teve com o Filho de Deus, converteu-se ao Evangelho e tornou-se o grande apóstolo dos gentios.

 

 

 

O apóstolo Paulo já havia sido escolhido por Deus desde o ventre de sua mãe. No entanto, Jesus esperou o tempo cer­to, depois que ele perseguiu tanto os cristãos, para mostra-lhe o seu po­der e o quanto era necessário pade­cer pelo seu nome. Transformado, tornou-se missionário entre os gentios.

 

 

 

Cerca de um ano após a morte de Estêvão, acontece a conversão de Saulo de Tarso. Chama-nos a aten­ção o grande poder de Jesus e a sua imensa graça. O nosso general pre­cisava de um capitão em seu exérci­to, e foi buscá-lo nas fileiras do Inimigo, transformando-o pelo poder sobrenatural do Espírito Santo, lapidando-o e preparando-o para ser o apóstolo dos gentios.

 

 

 

QUEM ERA SAULO DE TARSO?

 

 

 

1. Antes de sua conversãoTudo que sabemos dele encontramos em Atos, nas suas epístolas e em 2 Pedro 3.15. No entanto, possuímos mais dados sobre a vida de Paulo do que acerca de qualquer um dos outros apóstolos. Seu nome hebraico é Shaul, o mesmo nome do primeiro rei de Israel, que significa "pedido". Seu nome romano é Paulus, que sig­nifica "pequeno". Nasceu em Tarso, grande centro cultural da Cilícia, mas foi criado em Jerusalém, aos pés de Gamaliel (At 22.3; 26.4) e herdou de seu pai a cidadania romana (At 16.37; 21.39; 22.25).

 

 

 

2. Sua aparência físicaMuito se tem discutido sobre a sua aparên­cia física, mas a Bíblia nada fala a respeito. O que se costuma dizer em nosso meio é proveniente da tradi­ção que, seguindo a obra apócrifa Atos de Paulo,escrita na segunda metade do segundo século, diz: "E viu Paulo se aproximando, um ho­mem pequeno de estatura, com ca­belos ralos na cabeça, torto de per­nas, o corpo em bom estado, com sobrancelhas ligadas, e nariz um tan­to convexo, cheio de graça, pois algumas vezes ele se assemelha a um homem e algumas vezes tem o rosto de um anjo".

 

 

 

3. O inimigo implacável do Cristianismo (v. 1). Como membro do Sinédrio, tinha direito a voto (At 26.10). Por isso, votou a favor da morte de Estêvão. Antes de sua con­versão, é mencionado três vezes (At 7.58; 8.1,3) como inimigo implacá­vel da Igreja. A sua perseguição era tão feroz que procurava os discípu­los até em suas casas, arrastando impiedosamente até as mulheres, encerrando-os no cárcere. Diz o versículo 1: "E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípu­los do Senhor". Isso o revela como um animal devastador, feroz e indo­mável. Ele mesmo declarou: "encer­rei muitos dos santos nas prisões, e quando os matavam, eu dava meu voto contra eles" (At 26.10).

 

 

 

A CONVERSÃO DE SAULO DE TARSO

 

 

 

1. "Cartas para Damasco" (v. 2). Roma havia concedido aos judeus o direito de extradição dos crimino­sos fugitivos de Jerusalém. Até onde podemos ver em Atos, ser cristão naqueles dias era não só um crime religioso, mas também civil. Saulo considerava os seguidores de Cristo subversivos. Por isso, conseguiu car­tas dos "principais dos sacerdotes" (26.10) e do "sumo sacerdote" (22.5), as quais o investiu de autori­dade para prender os discípulos do Senhor Jesus.

 

 

 

2. Na Estrada de Damasco (v. 3). Damasco, a 240 km de Jerusa­lém, levava cerca de uma semana de viagem. Paulo ia com uma comiti­va, na tentativa de esmagar o Cristi­anismo, que, até então, já havia ultrapassado os limites da Judéia, Samaria e Galiléia.

 

 

 

Perto de Damasco, ele foi subi­tamente envolvido por uma luz que o derrubou por terra, e a voz de Je­sus o chamou nominalmente. Ele reconheceu, imediatamente, que se tra­tava de algo divino, pois disse: "Quem és Senhor?" (v. 5).

 

 

 

3. Suposta contradiçãoA apa­rente discrepância entre Atos 9.7: "ouvindo a voz, mas não vendo nin­guém" e Atos 22.9: "mas não ouvi­ram a voz daquele que falava comi­go" é meramente uma questão de tradução. O verbo grego usado para "ouvir", empregado nestas duas pas­sagens, é akouo e significa também "entender, prestar atenção".

 

 

 

4. Experiência com o Cristo vivoEsta mudança súbita de Saulo de Tarso tem deixado os judeus estarrecidos, até a atualidade. Mui­tos ficam sem entender como um homem, o qual agia ferozmente con­tra os cristãos, de repente passa a ser um deles, defendendo e anunciando com fervor o Cristianismo. Isso é a graça de Deus. Jesus disse: "O ven­to assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8).

 

 

 

O APOSTOLADO DE PAULO

 

 

 

1. A visão de Ananias (vv. 10, 11). Vencido e alvejado pela graça de Deus, Saulo foi conduzido cego para Damasco, para a rua chamada Direita, que existe ainda hoje nesta cidade. Deus, em sua infinita sabedoria, não permitiu que a prova des­sa conversão ficasse limitada apenas aos companheiros de Paulo. Por isso, revelou esse acontecimento a Ana­nias.

 

 

 

2. Temor de Ananias (13,14). Era uma reação perfeitamente nor­mal a qualquer ser humano. Tendo conhecimento da devastação que Saulo fizera em Jerusalém, após o martírio de Estêvão, e sabedor que ele estava investido da autoridade, concedida. Pelo Sinédrio, para açoitar e aprisionar os discípulos, era mes­mo para ficar temeroso. Ananias, porém, ainda não sabia que a graça de Deus havia alvejado o indomável perseguidor, e o tal seria uma vaso escolhido para os propósitos divinos.

 

 

 

3. Requisito para o apostolado (v. 15). À luz de Atos 1.21,22, era necessário que Paulo tivesse uma chamada específica para o apostolado, a fim de que pudesse ser tes­temunha da ressurreição de Cristo.

 

 

 

Essa exigência foi satisfeita na conversão de Saulo de Tarso, em sua experiência com o nosso Redentor. Quatro vezes Paulo declara ter visto a Jesus. Isso torna legítimo o seu apostolado (1 Co 9.1; 15.8; 2 Co 4.6; Gl 1.15,16).

 

 

 

4. Questões da crítica textual (vv. 5 e 6). O texto: "duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões. E ele, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que faça?" não aparece nas versões Atualizada Revisada de Almeida, na Brasileira e na Nova Versão Internacional, por não se encontrarmos manuscritos gregos. Está na versão Corrigida, via Vulgata Latina.

 

 

 

Erasmo de Roterdã usou, quan­do preparava a primeira edição de seu Novo Testamento (em grego), lançado em 1516, pois substituiu o grego pelo latim em certas passagens (ele não dispunha de todo o texto grego).

 

 

 

Esse texto de Erasmo serviu de base para a versão espanhola de Rei­na, a inglesa do rei Tiago, e a portu­guesa de João Ferreira de Almeida. A parte do versículo 6 aparece em Atos 22.10.

 

 

 

Isso em nada desabona a inspi­ração e autenticidade da Bíblia. Os próprios críticos reconhecem essa autoridade. São variações oriundas de falhas de copistas durante catorze séculos copiando manualmente essas passagens. São coisas que não comprometem a mensagem do Evan­gelho, como diz a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia: "O acúmulo inteiro de variantes não conseguiu modificar a mensagem, nem mesmo nas minúcias".

 

 

 

O QUE PAULO REPRESENTA PARA O CRISTIANISMO?

 

 

 

1. O apostolado entre os gentiosA visão de Paulo, no ministério entre os gentios, compartilhada com Barnabé, o tornava "progressista" para a sua época, no mundo judaico, e da mesma forma, as suas doutri­nas para os padrões sociais do mun­do greco-romano. Ele se tornara o principal representante da nova reli­gião revelada. O seu conceito da di­vindade contrariava frontalmente as religiões politeístas de seus dias. A nova compreensão sobre o Messias mudou radicalmente sua vida e con­trariava, não o Antigo Testamento, mas o que o Judaísmo pensava a res­peito do Libertador.

 

 

 

Paulo considerava os judeus e gentios na mesma situação. Em Romanos, capítulo primeiro, ele descre­ve a depravação dos gentios. No se­gundo, a incredulidade e desobedi­ência dos judeus. No terceiro, põe os dois povos no mesmo bojo: "Todos pecaram" (Rm 3.23). Diante disso, levou avante a ordem de Jesus: "Por que hei de enviar-te aos gentios de longe" (At 22.21).

 

 

 

2. As missões. Com resultado das quatro viagens missionárias de Paulo, surgiram as igrejas da Ásia e Eu­ropa.A ele deve-se a expansão do Cristianismo. Suas estratégias mis­sionárias são ainda hoje o modelo para nós.Nenhum homem fez pelo Evangelho o que ele realizou, exceto o próprio Salvador Jesus Cristo.

 

 

 

3. As epístolasSão o maior te­souro que Paulo deixou para a Igre­ja. São frutos de suas experiências e trabalhos, na direção do Espírito Santo. Seus escritos ocupam um ter­ço do Novo Testamento. Sem as suas cartas, o Cristianismo poderia ser uma mera seita do Judaísmo.

 

 

 

CONCLUINDO

 

 

 

O ministério de Paulo entre os gentios, suas viagens missionárias e as epístolas escritas, o tornam o mai­or herói do Cristianismo. Seus exemplos devem ser seguidos pelos obreiros (1 Co 11.1) e seus ensinos obe­decidos por todos os cristãos. Suas ideias continuam vivas e atuais, por­que foram inspiradas pelo Espírito Santo para a Igreja em todas as épo­cas.

 

 

 

Os perseguidores dos cristãos sempre agiram movidos pela igno­rância, pois julgavam que prestavam um excelente serviço a Deus ou ao regime político de seu país. No en­tanto, muitos deles, quando percebe­ram o erro que cometeram, converteram-se a Cristo e tornaram-se uma bênção ao Evangelho.

 

 

 

Se Saulo tivesse a certeza, an­tes de iniciar a perseguição aos cris­tãos, que Jesus havia ressuscitado, jamais teria se levantado contra o povo de Deus. Portanto, agiu por ig­norância e pelo seu sentimento reli­gioso. Por isso, Jesus o perdoou e transformou-o no grande apóstolo dos gentios.

 

 

 

Nenhum cristão, até o momen­to, submeteu-se ao sofrimento experimentado pelo apóstolo Paulo, após se converter ao Evangelho. Por isso, jamais murmuremos, quando vier a perseguição, pois, com certeza, o motivo de sua manifestação é o de gerar a paciência, virtude tão neces­sária aos filhos de Deus.

 

 

 

Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda03.htm

 

 

1. Fontes de Informação

 

 

 

 

 

A origem do evangelho de Paulo Gl 1.11-24

 

 

 

Vimos em Gálatas 1:6-10 que há um só evangelho, e que este evan­gelho é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser testa­das. É o evangelho que Paulo apresentou.

 

 

 

A questão agora é: qual é a origem do evangelho de Paulo para que seja normativo, e para que as outras mensagens e opiniões sejam avaliadas e julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho maravilho­so. Lembremos a Epístola aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as poderosas epístolas da prisão, como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos impressionados com o majestoso ímpeto, profundi­dade e a consistência com que Paulo expõe o propósito de Deus de eter­nidade a eternidade. Mas de onde ele tirou essas idéias? Seriam produ­to de sua própria mente fértil? Ele as inventou? Ou será que eram ma­terial antigo, de segunda mão, sem autoridade original? Será que as plagiou dos outros apóstolos em Jerusalém, que os judaizantes eviden­temente defendiam, uma vez que tentavam subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos?

 

 

 

A resposta dele a estas perguntas pode ser encontrada nos versícu­los 11 e 12: Faço-vos, porém, saber, irmãos(uma fórmula favorita sua de introduzir uma declaração importante), que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo era o padrão pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho era (literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era "invenção hu­mana" (BLH). "Eu o preguei'', Paulo poderia dizer, "mas não o inventei. Também não o recebi de um homem,como se fosse uma tradição já aceita, passada de uma geração a outra. Também não me foi ensinado, como seo precisasse aprender de mestres humanos." Pelo contrário, ele veio "mediante revelação de Jesus Cristo". Isto provavelmente significa que ele lhe foi revelado por Jesus Cristo. Alternativamente, o genitivo poderia serobjetivo, caso em que Cristo é a subs­tância da revelação, como no versículo 16, e não o seu autor. Seja qual for o caso, O sentido geral é explícito. Assim como no versículo 1 ele afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica, agora ele afir­ma ser de origem divina o seu evangelho apostólico. Nem a sua missão nem a sua mensagem derivaram de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de Deus e de Jesus Cristo.

 

 

 

A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O seu evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado pelos Gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o tivesse fabricado), nem uma tradição (como se a igreja lho tivesse trans­mitido), mas uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz: "Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tutela." Por isso é que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pre­gava de "meu evangelho" (cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara, mas porque lhe fora revelado de maneira especial. A magni­tude de sua reivindicação é notável. Ele está afirmando que a sua men­sagem não é sua, mas de Deus; que o seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não são suas, mas de Deus.

 

 

 

Após fazer esta surpreendente declaração de uma revelação direta de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a historicamente, isto é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações ocorridas antes, durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida recebeu o seu evangelho diretamente de Deus e não de al­gum homem. Examinemos essas três situações separadamente.

 

 

 

1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13, 14)

 

 

 

Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. Aqui o apósto­lo descreve a sua situação antes da conversão, quando ele estava "no judaísmo", isto é, quando ainda era um "judeu praticante". O que ele fora naquele tempo todossabiam. "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz ele, pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua vida antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser "a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático.

 

 

 

Consideremos a perseguição à igreja. Paulo perseguia a igreja de Deus "sobremaneira" (ERC)(edição revista e corrigida) ou "com violência" (BLH)(a bíblia na linguagem de hoje). A frase pa­rece indicar a violência, até mesmo selvageria, com que ele se empe­nhava na sua atividade sinistra. O que ele nos conta aqui podemos su­plementar com o livro de Atos. Ele ia de casa em casa em Jerusalém, prendendo todos os cristãos que encontrasse, homens e mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando esses cristãos eram con­denados à morte, ele votava contra eles (At 26:10). Ainda não satis­feito em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com ela.

 

 

 

Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo pelas tradições judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo e procurava seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados", descreve (versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais severa" da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia como tal.

 

 

 

Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua conversão: um fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à perseguição de Cristo e da igreja.

 

 

 

Um homem nessa condição mental e emocional de maneira alguma mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras pessoas. Nenhum reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico poderia converter um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que Deus fez!

 

 

 

2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a)

 

 

 

Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pre­gasse entre os gentios... O contraste entre os versículos 13 e 14, de um lado, e os versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto. Ve­mo-lo claramente nos sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Pau­lo está falando de si mesmo: "perseguia eu a igreja de Deus... e a de­vastava... quanto ao judaísmo avantajava-me... sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais." Mas nos versículos 15 e 16 ele co­meça a falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua graça", e a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim". Em outras palavras, "no meu fanatismo eu meinclinava a perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado fora de minhas cogitações) me prendeu ealterou meu impetuoso cur­so. Todo o meu violento fanatismo nada era diante da boa vontade de Deus."

 

 

 

Observe como a iniciativa e a graça de Deus são enfatizadas a cada estágio. Primeiro, Deus me separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi escolhido antes de nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf. Rm9:10-13), e como Jeremias, designado para ser profeta antes de nascer (Jr 1:5), Paulo, antes de nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se ele foi consagrado apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele nada tem a ver com isso.

 

 

 

Em segundo lugar, essa escolha antes do seu nascimento levou à sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua graça, isto é, por seu amor totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, con­tra Cristo, contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pe­dira. Mas a misericórdia fora ao seu encontro e a graça o chamara.

 

 

 

Terceiro, aprouve (a Deus) revelar seu Filho em mim. Quer Paulo esteja se referindo à sua experiência na estrada de Damasco, ou aos dias imediatamente subseqüentes, o que lhe foi revelado foi Jesus Cristo, o Filho de Deus. Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora os seus olhos estavam abertos para ver Jesus não como um charlatão, mas como o Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns dos fatos acerca de Jesus (ele não declara que estes lhe foram revelados sobrenaturalmente,naquele ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora percebia o seu significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar aos gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas as boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as boas novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim" (literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente, porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros.

 

 

 

A força destes versículos é muito grande. Saulo de Tarso fora um oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha antes de nascer, sua vocação histórica e a reve­lação de Cristo nele, tudo isso foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua mensagem vinham dos homens.

 

 

 

Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está completo. Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se tornou claro na maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele recebido instruções depois de sua conversão, de modo que a sua mensagem fosse proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega.

 

 

 

3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs. 16b-24)

 

 

 

...não consultei carne e sangue, 17 nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia, e voltei outra vez para Damasco.

 

18 Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apósto­los, senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora, acerca do que vos es­crevo, eis que diante de Deus testifico que não minto. 21Depois fui pa­ra as regiões da Síria e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que estavam em Cristo. 23 Ouviam somente dizer: Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora procura­va destruir. 24 E glorificavam a Deus a meu respeito.

 

 

 

Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na primeira declara­ção, no final do versículo 16: "não consultei carne e sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o evan­gelho com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros apóstolos.

 

 

 

Álibi 1. Ele foi à Arábia (v. 17)

 

 

 

De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum tempo em Damasco, pregando, o que dá a idéia de que o seu evangelho já estava bastante defi­nido para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois para a Arábia. O Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso cobre a visita de S. Paulo à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por que foi para lá. Possivelmente não foi muito longe de Damasco, por­que todo o seu distrito naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem diga que ele foi à Arábia como missionário para pregar o evangelho. Crisóstomo descreve "um povo bárbaro e sel­vagem" que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas é muito mais provável que ele tenha ido à Arábia em busca de quietude e solidão, pois este é o ponto alto dos versículos 16 e 17: "...não consultei carne e sangue... mas parti para as regiões da Arábia." Parece que ele ficou por lá durante três anos (versículo 18). Cremos que neste período de afastamento, ao meditar sobre as Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos da vida e morte de Jesus, os quais ele já conhecia, e a experiência de sua conversão, o evangelho da graça de Deus lhe foi re­velado em toda a plenitude. Alguém até já sugeriu que aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada compensação pelos três anos de ins­trução que Jesus dera aos outros apóstolos, mas que Paulo não rece­bera. Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado durante três anos de solidão no deserto.

 

 

 

Álibi 2. Ele foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita (vs. 18-20)

 

 

 

A ocasião provavelmente é a que se menciona em At 9:26, depois que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo descido pelo muro da cidade em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta visita a Jerusalém, mas lhe dá pouca importância. Nada havia nela de tão significativo como os falsos mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos aspectos dela são mencionados.

 

 

 

Primeiro, ela aconteceu "decorridos três anos" (versículos 18). Is­to significa quase certamente três anos depois de sua conversão, tem­po em que o seu evangelho já fora plenamente formulado.

 

 

 

Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas com dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para "avistar-se" (ERAB)(edição revista e atualizada no Brasil) ou "co­nhecer" (BLH) Pedro. O verbo grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa" (Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos "não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vonta­de; não para aprender alguma coisa com eles, mas apenas para conhe­cer Pedro". Paulo também conheceu Tiago, que parece estar aqui re­lacionado entre os apóstolos (versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles estivessem ausentes, ou ocupa­dos demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf. At 9:26).

 

 

 

Terceiro, ele passou apenas "quinze dias" em Jerusalém. Natural­mente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é que, quinze dias não era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em At (9:28,29) que grande parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações.

 

 

 

Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém deu-se apenas depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois apóstolos. Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos apóstolos em Jerusalém.

 

 

 

Álibi 3. Ele foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24)

 

 

 

Esta visita ao extremo norte corresponde a At 9:30, onde lemos que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado pelos irmãos à Cesaréia, de onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia. Uma vez que ele diz que também foi "para as regiões da Síria", ele deve ter visitado novamente Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer maneira, o que Paulo está destacando é que estava lá no extremo nor­te, e não em Jerusalém.

 

 

 

Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista das igre­jas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir fa­lar, e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tor­nara pregador (versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé" que havia aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sa­bendo disto, "glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário da graça de Deus.

 

 

 

Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente anos esses após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um contato mais demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos acontecimentos, o seu evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante o pe­ríodo de catorze anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez apenas uma rápida e insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo ele passou na distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a independência do seu evangelho.

 

 

 

O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser resumido da se­guinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a inicia­tiva divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos líderes da igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua men­sagem não era humana, mas divina. Além disso, estas evidências históricas e circunstanciais não poderiam ser contestadas. O apóstolo po­de confirmar e garantir isso com uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto!" (versículo 20).

 

 

 

Concluindo, retornamos à afirmação que estes detalhes autobiográfi­cos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12 dizem: Faço-vos, po­rém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segun­do o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem al­gum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Tendo considerado a falta de contato de Paulo com os apóstolos de Jerusalém durante os primeiros quatorze anos do seu apostolado, podemos aceitar a origem divina de sua mensagem? Muitos não aceitam.

 

 

 

Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido de Paulo, acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso os rejeitam.

 

 

 

Outros dizem que Paulo foi responsável pela corrupção do Cristia­nismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um século atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um mo­do geral reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois to­das as sementes da teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não obstante, a "teoria da brecha" ainda tem os seus advo­gados. Por exemplo,Lord Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo que ele intitulou The Divine Propagandist (O Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu "como um homem de negó­cios", e que estava "tentando entender Jesus à luz trêmula de uma in­teligência limitada e uma pesquisa certamente restrita". "Eu vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia", ele diz. Seu tema é que a igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus Cristo. Quanto ao após­tolo Paulo, a opinião de Lord Beaverbrook é que ele foi "incapaz, por natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele "prejudicou o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos traços das pe­gadas do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado mal a Cristo se estava transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o que ele declara em Gálatas 1.

 

 

 

Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum, que participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opi­nião não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo.

 

 

 

Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente refletiu a opinião da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem, porém, Paulo se esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica. Ele foi totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pon­tos de vista de Cristo, e não da igreja.

 

 

 

Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as palavras de Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por sólidas evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teo­ria, embora não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo ao dizer que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1), então rejeitar Paulo é rejeitar a Deus.

 

 

 

Fonte http://www.ebdareiabranca.com/EpistolaGalatas/EGalatasLicao04Ajuda1.htm

 

 

Sabe-se muito mais acerca de Paulo do que acerca de qualquer outro personagem apostólico. Nosso conhecimento sobre esse apóstolo e a sua carreira é praticamente tudo quanto se sabe acerca do desenvolvimento do cristianismo, durante aqueles dias. Fora de suas próprias epístolas e do livro de Atos dos Apóstolos, no N.T., temos apenas uma referência adicional a ele, a saber, em II Pe 3:15, onde se lê: «...o nosso amado irmão Paulo...» A fonte primária de informação, portanto, é o livro de Atos; a fonte secundária de informação são as suas epístolas e as alusões incidentais que ele faz a si mesmo e às suas viagens. Entretanto, alguns têm ensinado que apesar de fornecerem menos informações sobre ele, as epístolas são mais valiosas para o estabelecimento da cronologia — pelo menos uma cronologia que é mais extensa e que inclui os últimos poucos anos de sua vida, acerca dos quais o livro de Atos nada nos diz. Isso incluiria o seu período de liberdade entre os dois encarceramentos a que foi sujeito em Roma, e seu martírio final.

 

Fora do N.T. há algum material informativo, mas normalmente esse não é reputado como digno de muita confiança. Por exemplo, temos o livro apócrifo «Atos de Paulo», que só foi escrito na segunda metade do século II D.C. Essa obra contém alguns incidentes e viagens de Paulo que não se encontram nas páginas do N.T., mas parecem ser quase totalmente lendários. A arqueologia em nada tem podido contribuir para comprovar esse material e atualmente não há modo como afirmarmos a validade de qualquer informação adicional, sobre a vida de Paulo, contida nesse livro apócrifo. Há muitas declarações sobre Paulo nos escritos dos pais da igreja, mas quase todos esses se derivam, de algum modo, do livro de Atos ou das epístolas de Paulo, e outra parte se deve, provavel­mente, ao material legendário que foi se avolumando em torno da pessoa de Paulo. A comunidade cristã, em sua maior parte, compunha-se de pessoas vindas das classes humildes, pelo que também os historia­dores antigos ignoraram-na quase completamente; e é por esse motivo que temos tão escassa informação acerca do desenvolvimento inicial do cristianismo, nos escritos desses autores seculares. A arqueologia nos fornece alguma informação sobre os muitos lugares que foram visitados por Paulo, bem como acerca de sua cidade natal, Tarso; porém, excetuan­do-se as influências culturais que tais localidades devem ter exercido sobre Paulo, não se pode extrair, dessas informações, qualquer elemento adicional sobre a pessoa do próprio Paulo. Por conseguinte, resta-nos analisar o livro de Atos dos Apóstolos e as epístolas paulinas; e toda outra informação deve ser aceita apenas experimentalmente.

 

2. Passado

 

Neste ponto, estamos mais limitados do que acerca dos anos posteriores de Paulo. Do nascimento de Paulo até o seu aparecimento em Jerusalém, como perseguidor dos crentes, temos apenas informações muito esparsas.Sabemos que ele nasceu em Tarso, «cidade não insignificante» (ver At 21:39), descrição essa que tem sido confirmada pelas escavações arqueológicas de Sir William Ramsay. Naquele tempo Tarso (na Cilícia) foi incorporada à província da Síria. Tarso, por essa época, já tinha história antiga, e fora cidade importante por muitos séculos antes da era cristã. Tarso chegou a ser a cidade mais importante da Cilícia. Essa cidade se tornou uma região de síntese entre o Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega, a cultura oriental e, finalmente, a cultura romana. Também se sabe que era um centro cultural, e que ali era muito forte a variedade do estoicismo romano.

 

Paulo nasceu como cidadão romano, provavelmen­te porque o seu pai também já era cidadão romano. Ao nascer, o menino recebeu o nome de Saulo, provavelmente devido ao rei Saul, mas é provável que também fosse chamado Paulo como cognome latino. Paulo significa pequeno e isso pode ter-se dado devido ao fato de que seus pais o chamavam de «pequerrucho»; mas também é possível que ele tenha recebido o nome de Paulo, simplesmente por ter som semelhante ao nome de «Saulo». Também é possível que o apóstolo tivesse um nome romano; mas, nesse caso, não deve tê-lo usado com frequência, porquanto não temos nenhuma informação sobre qual seria esse nome. A alteração posterior de seu nome, de Saulo para Paulo, mui provavelmente foi apenas a adoção de seu apelido como nome próprio. Não se sabe qual o ano de seu nascimento; porém, quando do apedrejamento de Estêvão (que ocorreu em cerca de 32 D.C), lemos que Saulo era um jovem. É razoável supor, por conseguinte, que ele tenha nascido na primeira década do século I D.C., sendo, assim, um contemporâneo mais jovem de Jesus, embora não haja qualquer evidência de que ele tenha visto alguma vez ao Senhor. E não é mesmo provável que o tenha visto, pois Paulo jamais se refere ao fato.

 

As passagens de I Co 2:3 e II Co 10:10 indicam que a aparência física de Paulo não era impressionan­te, e a descrição que há sobre ele, no livro apócrifo Atos de Paulo e Tecla, concorda com esse ponto de vista: «E ele viu Paulo que se aproximava, um homem de baixa estatura, quase calvo, pernas tortas, de corpo volumoso, sobrancelhas unidas, um nariz um tanto adunco, cheio de graça: pois algumas vezes parecia um homem, e outras vezes tinha a fisionomia de um anjo».

 

Os genitores de Paulo eram judeus muito religiosos, pertencentes à seita dos fariseus, ou, pelo menos, fortemente influenciados por esse grupo; e pertenciam à tribo de Benjamim. Nada se sabe acerca da ocupação do pai de Paulo, e nem mesmo sabemos —qual era o seu nome. Jerônimo cita uma tradição que assevera que a família de Paulo viera originalmente da Galiléia, e que dali migrara para Tarso. Se essa tradição expressa averdade, então o fato de que eram cidadãos romanos mostra que essa imigração tivera lugar em tempo considerável antes do nascimento de Paulo. De conformidade com o livro de Atos, Paulo tinha uma irmã que vivia em Jerusalém (ver At 23:16), mas não há menção de qualquer irmão. O próprio Paulo aprendera uma profissão, provavel­mente em Tarso, a de fabricante de tendas (ver At 18:3), posto que era costume entre os judeus ensinar aos filhos alguma profissão. Não é improvável, pois, que o seu pai também tivesse sido fabricante de tendas, o qual teria ensinado essa arte ao seu filho. Paulo foi instruído no judaísmo estrito, e os seus principais interesses se centralizaram nas questões religiosas, éticas e metafísicas. Alguns acreditam que ele era bem instruído na cultura, na estética e na filosofia grega e romana (à base de textos como At 17). Mas outros, alicerçando-se em At 22:3 e 26:4, procuram mostrar que a permanência de Paulo em Tarso, quando menino, deve ter sido muito breve, porquanto ele mesmo diz que se criara em Jerusalém. Quanto a esses detalhes não podemos ter certeza, mas o exame detido das epístolas de Paulo mostra que ele deve ter estudado a filosofia estóica (por causa da grande similaridade aos escritos de Sêneca, o estóico romano); e o seu grego é uma excelente variedade do grego helenista, não dando evidências de ter sido uma linguagem «adquirida». Em Jerusalém, Paulo estudou sob orientação do grande Rabban Gamaliel, o Velho, que era altamente respeitado como mestre.

 

As Palavras de Paulo, em Gl 1:14, mostram-nos que ele era indivíduo intensamente religioso desde a juventude, tendo-se destacado nessas questões acima dos outros jovens de sua idade. Frequentava regularmente a sinagoga, e é muito provável que geralmente tomasse parte na adoração. Mais tarde seguiu sua tradição farisaica, tornando-se membro dessa seita. Sendo indivíduo religioso tão intenso, tinha alta consideração pelas Escrituras, e a sua conversão não alterou a sua atitude, embora talvez ele tenha compreendido que algumas passagens eram alegóricas e outras literais, conforme se vê em I Co 10:1-11 e Gl 4:22-31. Apesar dele reconhecer esse fato, as suas epístolas demonstram a influência de outros treinamentos. Os filósofos estóicos e cínicos de Tarso eram, geralmente, evangélicos em suas abordagens, porquanto, — pregavam nas esquinas das ruas, nos mercados e em outros lugares públicos. Por essa causa, Paulo deve tê-los conhecido; e mui provavelmente também estudou em suas escolas.

 

Sabemos mais acerca do apóstolo Paulo do que sobre qualquer outra das personagens apostólicas. No N.T., as nossas fontes informativas a seu respeito são o livro de Atos e as suas próprias epístolas. Fora disso só há mais uma alusão a ele, em II Pe 3:15, onde ele é chamado de nosso amado irmão.

 

A arqueologia nos fornece muitas informações quanto aos locais visitados por Paulo, embora não sobre a sua pessoa. Nossos conhecimentos sobre os primeiros anos de sua vida são escassos. Desde o seu nascimento até o seu aparecimento, em Jerusalém, como perseguidor dos cristãos, possuímos informa­ções meramente esparsas, parte das quais não passa de conjectura. Sabemos, contudo, que ele nasceu em Tarso, «...cidade não insignificante da Cilícia...» (At 21:39), descrição essa que as escavações arqueológicas de Sir William Ramsayconfirmaram amplamente. Tarso da Cilícia foi incorporada à província da Síria e tivera história importante durante um período de muitos séculos. Era a principal cidade da Cilícia e como que sua região sintetizava o Oriente e o Ocidente, isto é, as culturas grega e oriental, incluindo, por igual modo, por fim, a cultura romana que representava o verdadeiro helenismo. Era centro da filosofia estóica da variedade romana, onde os filósofos pregavam as suas doutrinas nos mercados e nas praças públicas, mais ou menos como os missionários de Cristo têm feito tradicionalmente. As epístolas de Paulo, em suas ilustrações e em algumas de suas ideias básicas, por isso mesmo, refletem o que há de melhor no estoicismo. É ponto muito bem conhecido e amplamente discutido que Paulo deixa transparecer muito da mesma erudição refletida por Sêneca, o importante filósofo estóico romano, que foi igualmente martirizado por Nero, à semelhança de Paulo.

 

O Treinamento de Saulo, quanto à sabedoria profana, mui provavelmente incluiu a educação filosófica normal, a retórica e a matemática, sem falarmos em seus estudos sobre a religião judaica (ver At 22:3; 26:4 e diversas referências, em suas epístolas, a questões como coroas, jogos atléticos, lutas, etc, o que também servia de principais ilustrações entre os filósofos estóicos para ilustrar os princípios éticos). O fato é que o grego utilizado por Paulo, em suas epístolas, é uma excelente variedade do grego literário «koiné», o que nos mostra quão bem alicerçada fora a sua educação na linguagem, além de ficar demonstrado o fato de que ele falava o grego como seu idioma nativo, provavelmente do mesmo modo que o hebraico (isto é, o aramaico). Não se há de duvidar que esse apóstolo também conhecia o latim, e, antes do fim de suas viagens missionárias, já teria aprendido mais um idioma ou dois.

 

O Testemunho Pessoal de Paulo, em Gl 1:14, mostra que ele era indivíduo intensamente religioso, desde a juventude. Costumava frequentar regularmente as sinagogas judaicas, antes de sua conversão e quando já atingira idade suficiente, tornou-se seguidor fiel do farisaísmo. Esse versículo também indica que, mui provavelmente, ele era o jovem que mais se destacava em Jerusalém, sendo grande a sua fama como homem de grande zelo religioso. Sabemos também que ele estudou com o famosíssimo rabino fariseu, Gamaliel (ver At5:34 e 22:3). A erudição maior de Paulo fora adquirida em Jerusalém, naquela escola de fariseus, o que também contribui com algo para explicar o caráter geral de sua vida e de suas crenças, alicerçadas firmemente no judaísmo tradi­cional.

 

Conversão de Saulo. Intensa discussão se tem centralizado em redor das razões psicológicas por detrás de sua conversão a Cristo. Saulo se tornara um intenso perseguidor de cristãos, tendo chegado ao assassínio, não poupando nem as mulheres. — E, no entanto, repentinamente, tornou-se igualmente zeloso defensor e propagador do evangelho de Cristo. Que ocorrência teria sido suficientemente drástica e decisiva para produzir tão notável modificação em suas atitudes? As respostas dadas por certos indivíduos são repugnantes para a fé e a sensibilidade cristãs. Porquanto alguns querem fazer-nos crer que Paulo era um esquizofrênico, ou que de outra maneira sofrerá um desequilíbrio mental qualquer, e que teriam sido essas aberrações mentais que criaram as condições necessárias para suas experiências místicas. No entanto, não nos devemos admirar ante essa opinião adversa sobre Paulo, porque até mesmo pessoas moderadamente dotadas de dons psíquicos são consideradas um tanto estranhas. Quanto mais poderosos são esses dons e quanto mais elas reivindicam possuir experiências místicas, mais são consideradas fracas da cabeça. Todavia, a verdade é que tais pessoas geralmente não são subnormais, e sim, supranormais. Por isso mesmo é que santos e homens piedosos, bem como os operadores de milagres, geralmente servem de escândalo para o mundo. Isso continuará nesse pé, até que o mundo seja suficientemente espiritualizado para compreen­der (se é que isso algum dia se tornará realidade) que assim deve ser a «normalidade» para a humanidade, embora, normalmente, os homens não passem de feras um pouco mais inteligentes do que os animais irracionais.

 

Outros críticos supõem que o senso de culpa, reprimido durante anos, em face de suas perseguições e assassínios contra os cristãos, teria subitamente explodido em experiências pseudomísticas, o que resultou em vir a ser ele justamente o contrário do que vinha sendo, ou seja, a sua conversão. Assim sendo, ainda segundo esse ponto de vista, a experiência de Saulo poderia ter sido meramente «psicológica», e não verdadeiramente mística. Ora, nesse caso, Lucas, o autor do livro de Atos, teria exagerado em suas narrativas, adornando com um colorido mais vivo a realidade da vida de Paulo.

 

É perfeitamente possível, entretanto, que o próprio Paulo soubesse muito bem que aquilo que lhe ocorrera era uma experiência mística da mais elevada ordem, ou seja, um encontro pessoal com o próprio Senhor Jesus. Nada existe no campo do bom senso ou da experiência religiosa sã que contradiga tal coisa. De fato, a maioria das doutrinas e das práticas religiosas, originalmente, se alicerçam em alguma forma de experiência mística. Os modernos estudos da parapsicologia tendem a confirmar a realidade das experiências místicas válidas, embora algumas dessas experiências, como é normal, não passem de ilusões psicológicas. O fato de que a personalidade de Paulo foi transformada tão radical e permanentemente é um ponto positivo em favor da validade de sua experiência e em prol da realidade de sua origem, porquanto o Senhor Jesus está vivo, e não se há de duvidar que teve contatos pessoais, após a sua morte, ressurreição e ascensão aos céus, com Paulo, desde o momento de sua conversão, na estrada de Damasco.

 

A história da conversão de Saulo de Tarso é narrada em três lugares do livro de Atos (ver At 9:3-19; 22:6-21 e26:12-18), havendo algumas variações quanto às minúcias, o que nenhuma pessoa sensata pode negar, ante a simples leitura dessas passagens. É possível que o próprio Paulo, ao narrar a história, inconscientemente tenha variado um tanto o seu conteúdo. No entanto, muitos eruditos, até mesmo da escola liberal, concordam que há uma harmonia essencial entre essas várias narrativas bíblicas, além de certas coincidências verbais que confirmam o fato de que há uma fonte informativa única para todas elas. Dessa maneira, essas narrativas são interdependentes entre si, e não narrativas independentes umas das outras. As histórias narradas por Lucas, mui provavelmente, — se basearam em narrativas pessoais, apresentadas pelo próprio Paulo. A história nos mostra que Lucas foi quase constante companheiro de viagens daquele apóstolo, em suas jornadas missionárias. Os sentimentos de temor, a luz brilhante, a purificação psicológica, a sua renovação, a sua conversão, são todos sinais de uma experiência mística genuína; e são exatamente esses os elementos que reaparecem em todas as narrativas sobre o evento da conversão de Saulo. Em sua vida posterior, Paulo recebeu outras grandes e importantes visões, e a sua doutrina repousa essencialmente sobre essas diversas revelações. Por que pensarmos ser estranho que Deus se revele a, alguém? De fato, o cristianismo, como revelação distintiva de Deus, se alicerça em tais revelações, sobretudo sobre as revelações outorgadas ao apóstolo Paulo, porquanto nelas é que encontramos as grandes distinções que separam o cristianismo do judaísmo.

 

condição original para alguém entrar no apostolado, entre outras, era que o candidato tivesse visto ao Senhor (ver At 1:21). Ora, essa exigência teve cumprimento na experiência de Saulo. Quando já apóstolo, refere-se Paulo por quatro vezes, em suas epístolas, à sua experiência de conversão; essas passagens mostram que ele estava convicto da realidade objetiva da mesma, considerando-a como equivalente a «ver» a Cristo, o que o qualificava ao ofício apostólico (ver Gl 1:15,16; I Co 9:1; 15:8 e II Co 4:6). Paulo não estabeleceu distinção alguma entre essa forma de ver e aquelas que os demais apóstolos experimentaram, antes da ascensão de Cristo, porquanto todas essas aparições foram do «Senhor ressurrecto».

 

As duas grandes pedras fundamentais, que servem de características distintivas do cristianismo, são a ressurreição do Senhor Jesus e a conversão de Saulo, bem como as proposições que se seguem, coerentemente, desses dois fatos históricos.

 

Naturalmente, essa não foi a única experiência mística de Paulo, pois ele também menciona algumas outras (tal como a visita ao terceiro céu, em II Co 12). Parece que ele recebeu nada menos que sete grandes visões e a sua doutrina repousa sobre a informação transmitida por meio delas. O cristianis­mo repousa sobre o aparecimento do Cristo ressurrecto aos vários apóstolos e sobre a mensagem que ele lhes trouxe quando voltou dentre os mortos. Se esse fundamento for removido, restar-nos-á um judaísmo reformado (que também repousa em experiências místicas, como as de Moisés). Removendo-se essas formas de experiência, quando muito, nos restará uma forma de filosofia religiosa, e não a religião revelada que certamente o cristianismo é. Mas, por que se pensaria ser impossível que Deus se revelasse aos homens? E por que se pensaria ser impossível, neste mundo admirável, que Jesus, o Cristo, um personagem metafísico altamente exaltado não pudesse revelar-se aos homens?

 

A conversão de Paulo talvez tenha ocorrido por volta de 35 D.C. Após sua conversão, Paulo passou algunspoucos dias com os discípulos de Damasco. Pregou ali, por algumas vezes, ensinando, particu­larmente, que Jesus era o Messias. Depois disso, retirou-se para a Arábia, possivelmente para a região de Haurã, uma bacia fértil, que fica cerca de oitenta quilômetros ao sul da cidade de Damasco, diretamen­te a leste do extremo sul do mar da Galiléia. Outros creem que a área aludida era o país dos nabateus e a península do Sinai. Aquele era mais acessível para quem partisse de Damasco, mas este último lugar revestia-se de grande significação religiosa, por causa de sua conexão com a transmissão da lei, sendo possível que Paulo tivesse preferido essa atmosfera. Passou algum tempo em seu retiro, e dali, como é provável, esteve por diversas vezes em Damasco e voltou. A sua mensagem era essencialmente a mesma — desde o princípio — mas por essa altura, Paulo«...mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo» (At 9:22).

 

Pouco depois disso, Paulo visitou Jerusalém pela primeira vez, após a sua conversão, tendo ficado com Pedro por quinze dias, para consulta e consolo mútuo (ver Gl 1:18). Dali partiu para as regiões da Síria e da Cilícia (ver Gl1:21). É provável que teria visitado sua cidade natal — Tarso, tendo permanecido naquela região por algum tempo, embora não tenhamos qualquer informação acerca disso. Enquanto Paulo pregava em Tarso, Barnabé e outros líderes cristãos se encontravam em Antioquia, onde se ia desenvolvendo uma poderosa comunidade cristã. A passagem de At 11:25 nos diz que Barnabé foi a Tarso, à procura de Paulo, sem dúvida para obter a sua ajuda na igreja em Antioquia, que precisava de uma liderança maior e mais forte. Isso foi um movimento provocado pela providência divina, pois armou o palco para a longa carreira de Paulo como apóstolo-missionário.

 

3. Primeira Viagem Missionária

 

 

 

Em cerca de 46 D.C., Paulo e Barnabé foram comissionados pela igreja em Antioquia a se atirarem numa excursão evangelística. Essa viagem fê-los atravessar a ilha de Chipre (onde Barnabé nascera), tendo passado pelo «sul da Galácia» (ver At 13 e 14). Na companhia de Paulo e Barnabé ia também João Marcos, autor do chamado evangelho de Marcos. Este era primo de Barnabé. Ao chegarem a Perge, capital da Panfília, por razões para nós desconheci­das, Marcos preferiu interromper a expedição e regressou a Jerusalém, sua terra. Talvez Marcos não estivesse disposto a dar prosseguimento a uma viagem tão difícil. — Paulo ressentiu a sua partida, julgando-a como ato de deserção, e mais tarde não consentiu que ele o acompanhasse em outra excursão missionária (ver At 15:38). Isso tornou-se motivo de acirrado debate entre Paulo e Barnabé, pois também eram humanos e também estavam sujeitos a errar. De Perge viajaram a Pisídia, um distrito em uma ilha, onde realmente teve começo a evangelização da Ásia Menor. Em Antioquia da Pisídia, em um dia de sábado, os dois missionários expuseram a sua importante mensagem messiânica, e foram bem acolhidos. No sábado seguinte, entretanto, já fora criada uma amarga oposição por parte de alguns judeus radicais. E os missionários cristãos foram obrigados a abandonar a cidade.

 

Dali partiram para Icônio, importante cidade Comercial da Licaônia. Seguindo seu costume original, pregaram na sinagoga dos judeus, e obviamente tiveram êxito, pois ficaram ali por tempo considerável. Mas eis que os radicais novamente provocaram um levante, que forçou Paulo e Barnabé a fugirem, finalmente. Dali forampara Listra e Derbe, nenhuma das quais era considerada cidade de grande importância. Essas cidades ficavam localiza­das na parte oriental da Licaônia. As superstições locais levaram as multidões a identificarem os missionários com Zeus (Barnabé) e com Hermes (Paulo). Um culto improvisado na hora, por alguns sacerdotes locais, em honra aos dois «deuses», teve de ser interrompido pelos missionários, porque sabiam que tal título não era merecido. Mas não demorou que os judeus radicais atacassem novamente, e em Listra (At 14) Paulo foi apedrejado.

 

Alguns intérpretes acreditam que foi nessa ocasião que Paulo teve a sua visão do terceiro céu (II Co 12), e que ele realmente esteve morto, mas reviveu. É possível que sua alma tenha sido momentaneamente liberta de seu corpo dormente e à beira da morte, o que algumas vezes ocorre, conforme também se tem aprendido em estudos parapsicológicos. O certo é que os enviados, tendo partido de Listra, foram pregar em Derbe. Começaram a voltar desse ponto, a fim de confirmarem na fé os novos convertidos, e assim passaram sucessivamente por Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Oficiais foram eleitos para as congregações. — Dali, eles partiram para Perge, e, finalmente, para Atalia, — importante porto marítimo da Panfília. Ali chegando, embarcaram em um navio a fim de irem para Antioquia da Síria, de onde tinham partido dois anos antes. Essa primeira viagem os levara às áreas de Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia e nesses lugares novas igrejas cristãs foram estabelecidas.

 

4. O Concilio Apostólico

 

O grande influxo de gentios na Igreja cristã que se ia formando, criava grandes problemas entre os elementos judaicos, especialmente no tocante às expe­riências da lei mosaica, e particularmente no que dizia respeito à lei cerimonial e à questão da circuncisão. A fim de dar solução a esses problemas e com o fito de fornecer uma resposta universal e autoritária às mesmas, Paulo e Barnabé subiram a Jerusalém, a fim de conferenciarem ali com os apóstolos (ver At 15). Corria o ano de 49 D.C., calculadamente. O concilio determinou que os gentios não eram obrigados a cumprir as exigências da lei, e que não deveria haver maior «carga» do que se absterem de alimentos oferecidos a ídolos, do sangue, da carne de animais sufocados e da falta de castidade, isto é, de todas as formas de pecados sexuais. As restrições visavam uma aplicação essencialmente local, e não como padrão universal para todos os gentios, embora talvez tenham servido de precedentes para a solução de problemas que surgissem posteriormente. Tudo foi feito (isto é, as decisões de proibir certas coisas, esboçadas na lei cerimonial) a fim de ajudar os membros judeus e gentios da igreja a se darem bem uns com os outros com mais facilidade.

 

5. Segunda Viagem Missionária

 

Paulo, então já dono de maior experiência em viagens missionárias, ansiava por partir novamente. Mas, devido às divergências com Barnabé, por causa de João Marcos, dessa vez Paulo preferiu levar a Silas (ver At 15:40 — 18:22). Partindo de Antioquia, seguiram por terra para as igrejas do «sul da Galácia», e em Listra o grupo foi engrossado com a adesão do jovem Timóteo. Ali chegando, o Espírito Santo desviou-os da direção ocidental, e passaram a viajar na direção norte, atravessando o norte da Galácia. Em Trôade, uma visão indicou que a Macedônia (no continente europeu) era um dos alvos dessa viagem. Assim sendo, começou a evangelização da Grécia. Foram visitadas as cidades de Filipos, Tessalônica e Beréia. Na Acaia (sul da Grécia), foram visitadas as cidades de Atenas e Corinto. Paulo demorou-se em Corinto por quase dois anos. Em Trôade, Lucas se reunira ao grupo missionário, e parece certo que nesse tempo começou ele a escrever a sua importantíssima narrativa da igreja primitiva, chamada de Atos dos Apóstolos, obra da qual se obtém quase todo o conhecimento de que dispomos acerca de Paulo e suas viagens, bem como do desenvolvimento da igreja primitiva em geral.

 

Durante as suas viagens, Paulo se mantinha em contato com as congregações cristãs anteriormente organizadas por meio de epístolas, certo número das quais têm chegado até nós, tendo-se tornado parte de nosso N.T. As epístolas de I e II Tessalonicenses devem ter sido escritas nesse tempo. De Corinto, Paulo partiu para Éfeso, onde ficou durante pouco tempo. Dali, em viagem apressada, passou por Jerusalém e chegou a Antioquia da Síria. Dessa maneira se encerrou a sua segunda viagem missioná­ria. Essa segunda viagem missionária evidentemente ocupou de ano e meio a dois anos, e provavelmente terminou em cerca de 51 D.C. Depois disso Paulo passou mais algum tempo (quanto, exatamente, não sabemos), em Antioquia da Síria.

 

6. Terceira Viagem Missionária

 

Foi a época do ministério em volta do mar Egeu (ver At 18:23 — 20:38). Sob diversos aspectos, esse foi o período mais importante da vida de Paulo. A província da Ásia foi evangelizada, e postos avançados do cristianismo foram lançados na Grécia. Durante esses anos, Paulo escreveu I e II Coríntios, Romanos, e talvez (ainda que não todas) algumas das chamadas epístolas da prisão — I e II Timóteo e Tito. De Antioquia, Paulo partiu para Éfeso. Ali passou cerca de três anos, tendo estabelecido um dos centros mais importantes do cristianismo, a despeito da feroz oposição, movida tanto pelos judeus como pelos aderentes da adoração à deusa Ártemisa (Diana). Desse ponto, provavelmente, Paulo visitou diversas outras áreas ao redor, mas seu trabalho principal se concentrou em Éfeso. Também tornou a visitar as congregações cristãs ao redor do mar Egeu, que haviam sido anteriormente fundadas. Atravessando Trôade, Paulo chegou à Macedônia, onde escreveu a epístola chamada II Coríntios, e dali partiu para Corinto. Nessa cidade ele passou o inverno e escreveu a epístola aos Romanos, antes de continuar viagem até Mileto, um porto próximo de Éfeso.

 

Por essa altura, Paulo desejou subir a Jerusalém, a fim de levar auxílios aos crentes pobres dali (empobrecidos pela perseguição e pela fome), enviados pelos crentes gentílicos. A princípio ele queria ir à Síria por via marítima, mas, devido a uma armadilha que lhe fizeram para tirar-lhe a vida, preferiu viajar por terra, tendo atravessado a Macedônia. Dali, ele e seus companheiros de viagem tomaram um navio e velejaram ao longo das costas ocidentais da Ásia Menor. Breves paradas foram efetuadas em diversos lugares, incluindo Mileto, cidade portuária de Éfeso, o que forneceu a Paulo a oportunidade de se despedir finalmente, dos crentes que ali habitavam. Finalmente, desembarcaram em Tiro, na costa da Síria. A despeito das várias advertências sobre os perigos que ele teria de enfrentar em Jerusalém, Paulo prosseguiu viagem. Paulo chegou em Jerusalém no Pentecoste, provavel­mente em cerca de 56 D.C. Sua terceira viagem missionária, por conseguinte, terminou após um pouco mais de três anos de atividades.

 

7. Aprisionamento e Encarceramento em Roma

 

Paulo se movimentara com admirável liberdade, embora nunca o tivesse feito sem teste, tribulação e perseguição. Jerusalém rejeitara muitos homens piedosos, muitos profetas, e o próprio Jesus; e Paulo não estava destinado a conseguir maior êxito ali. O trecho de At 21:17 — 28:16 conta a história. Os judeus radicais, nessa ocasião, não tiveram de perseguir a Paulo, mas ele caiu direto na armadilha que lhe armaram. — O mais estranho é que a confusão foi provocada por alguns judeus que vinham da província da Ásia, que por acaso estavam no templo e reconheceram Paulo; foram eles que agitaram as multidões e fizeram-nas atacar o apóstolo. As autoridades romanas aprisionaram Paulo por estar perturbando a ordem. A essa altura, Paulo fez um discurso na escadaria do templo, contando com pormenores como ele fora perseguidor dos crentes, como ele se convertera, e como pregara a Jesus como Messias de Israel. Paulo foi ameaçado de açoites pelas autoridades romanas, mas, informando-as de que era cidadão romano, o tribuno militar o soltou. Mas essa ação causou tal protesto, por parte dos judeus que, para sua própria proteção, Paulo foi levado de volta às barracas militares. Os judeus, ato contínuo, conspiraram em matá-lo, e por isso Paulo foi removido para Cesaréia, com um grupo armado. Ali Paulo foi conduzido à residência de Félix, procurador romano. Paulo foi guardado sob sentinela, no palácio de Herodes. Aparentemente, esteve em Cesaréia pelo espaço de dois anos, e alguns creem que ali ele escreveu a sua epístola aos Colossenses, aos Efésios e a Filemom; mas uma data posterior para essas epístolas é mais provável.

 

Após dois anos de administração malsucedida, Félix foi chamado de volta a Roma, e Pórcio Festo tomou o seu lugar. Este era homem de caráter amargo. (Isso aconteceu em cerca de 58 D.C.). Quando o novo procurador se recusou a ouvir o caso de Paulo, em Jerusalém, os judeus desceram a Cesaréia, a fim de acusarem a Paulo ali. Assacaram graves acusações contra ele, mas que Paulo negou categoricamente. Foi então que Paulo apelou para César, que era direito de todos os cidadãos romanos, e dessa maneira se criou o motivo de sua viagem a Roma. Antes de partir para Roma, Paulo falou perante o rei Agripa II e sua irmã, Berenice. Esse Herodes era o bisneto de Herodes, o Grande. Nessa oportunidade, Paulo repetiu a história de sua conversão, e é óbvio queimpressionou favoravelmente os que o ouviram.

 

Dali, viajando pelo mar, Paulo partiu para Roma, juntamente com muitos outros prisioneiros. Fez diversas paradas ao longo do caminho, incluindo uma permanência de três meses em Malta. Paulo chegou a Roma em 59 D.C, não como homem livre, mas, não obstante, como poderosa testemunha do cristianismo. Chegando a Roma, Paulo não foi tratado como prisioneiro no sentido ordinário, e nem como criminoso. Ali ele desfrutou do que se denominava «libera custodia», isto é, podia viver em sua própria casa, desfrutando de muitos privilégios de liberdade de ação, mas sempre acompanhado de um guarda. Paulo pregava àqueles que o visitavam, explicando-lhes as razões de seu aprisionamento; e também enviava epístolas a lugares distantes. Foi nesse período que, provavelmente, foram escritas as epístolas aos Colossenses, a Filemom, aos Filipenses (e, provavelmente, aos Efésios).

 

O livro de Atos dos Apóstolos encerra-se brusca­mente, não como um livro inacabado, e, sim, dando a ideia de que o autor tencionava escrever outra seção ou livro a fim de suplementá-lo. Lucas escrevera um evangelho, e então essa história, e não é de modo algum impossível que ele tivesse planejado ainda um outro volume. De conformidade com a tradição cristã primitiva, Lucas continuou sendo fiel auxiliar de Paulo até o martírio deste, e então deu continuação ao seu ministério, no evangelho, por mais vinte anos (até 84 D.C), até que, finalmente, faleceu em Beócia, na Grécia, com a idade de oitenta e quatro anos. Se podemos confiar nessa tradição, ficamos completa­mente atônitos, por não sabermos por que não foi completada a história de Paulo, em um escrito subsequente, juntamente com outros importantes acontecimentos que estariam ocorrendo na igreja, após o falecimento de Paulo.

 

8. Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha

 

Nenhum relato bíblico nos diz que Paulo foi libertado novamente a fim de ministrar outra vez; mas existemalgumas evidências que dão essa indicação. É possível que Paulo tenha sido libertado em cerca de 63 D.C, e que tenha visitado tanto a Espanha como a área do mar Egeu, uma vez mais. A epístola de Clemente (em vss. 5-7, 95 D.C), — o cânon muratoriano (170 D.C) e o livro apócrifo Atos de Pedro (1:3 — 200 D.C.) falam de uma visita de Paulo à Espanha. As epístolas pastorais, ou pelo menos II Timóteo, parecem envolver um ministério posterior à história narrada no livro de Atos, desenvolvido no Oriente, pelo que também parece que Paulo pôde cumprir o seu desejo de visitar a Espanha, conforme expressou em Rm 15:24.

 

9. Segundo Encarceramento e Morte

 

Não se sabe quais as circunstâncias do segundo encarceramento de Paulo, embora a tradição indique que ele foi aprisionado pela segunda vez, levado de volta a Roma e lançado na prisão. Sabe-se que Nero odiava os cristãos e que chegou mesmo a usar os seus jardins pessoais como local de torturas cruéis, nos quais os cristãos eram obrigados a enfrentar animais ferozes. Essa perseguição rebentou em cerca de 64 D.C. Provavelmente, Paulo foi aprisionado, com muitos outros cristãos, em cerca de 64 D.C. Na qualidade de cidadão romano, é provável que tenha sido julgado por um tribunal, mas, quais tenham sido as acusações contra ele ou quais as condições do julgamento, não temos meios de saber. Paulo sofreu o martírio em Roma, provavelmente no ano de 65 D.C. De acordo com certa tradição, foi decapitado. É possí­vel que nesse período final de sua vidatenha sido escritas as chamadas epístolas pastorais — I e II Timóteo, e Tito — e, igualmente, a epístola aos Efésios. Assim terminou a carreira do maior e mais influente exponente do cristianismo em toda a sua história, após ter combatido o bom combate, ter terminado a carreira e ter conservado a fé. Não há que duvidar que oesperam as coroas prometidas (ver II Tm 4:7).

 

10. Cronologia da Vida de Paulo

 

I. Vida de Paulo antes do contato com os segui­dores de Jesus

1. Provável nascimento e infância em Tarso

(judeu da dispersão) (At 22:3; Gl 1:21) 5 D.C.

2. Vida como judeu zeloso, da seita dos fariseus

(Gl 1:13,14; Fp 3:3-6; At 26:4,5) 20-26 D.C.

 

II. Vida como perseguidor dos seguidores de Jesus

(Gl 1:13; I Co 15:9; At 8:3; 9:1) 32 D.C.

 

III. Conversão de Paulo

(Gl 1:15; I Co 9:1; talvez II Co 12:1-4; At 9:1-19; 22:4-16; 26:9-18). Cerca de 35 D.C?

 

IV. Carreira de Paulo como apóstolo

1. Três anos na Arábia e em Damasco (e outras áreas)

(Gl 1:17) 32-39 D.C. Problema: Sobre o que ele meditava, ou quais suas

atividades?

2. Quinze dias de visita a Jerusalém — Paulo viu a Pedro e a Tiago, irmão de Jesus

(Gl 1:27).

3. Sua obra na Síria, Cilícia e Galácia, e talvez nas regiões ocidentais — Macedônia e Grécia (14 anos)

(Gl 1:21) 35—93 D.C.

A. Escreveu a maioria de suas epístolas:

I e II Tessalonicenses (II Co 6:14 — 7:1)

B. Possível aprisionamento em Éfeso

Colossenses, Filipenses e Filemom

C. Visita a Jerusalém — Visita de conferên­cia

(Gl 2:1; At 15) 49 D.C.

D. Volta à Ásia (província romana)

I e II Co 10 – 13

Período de crise com os cristãos judaizantes —

(Gálatas inteiro; II Co 10—13; Fp 3:2 - 4:7)

4. Solução da Crise

A. Termina a coleta para os pobres de Jerusalém 55 D.C.

(II Co 1—9 exceto 6:14-7:1 - I Co 16:1-4; II Co 9:1-15; Rm 15:14-32)

B. Planos de visitar a Espanha e Roma

(Rm 15:24,28) 56 D.C.

II Co 1-9; Romanos 16 (Pedro e Febe)

5. Viagem a Jerusalém, levando a oferta — Não há referências diretas, exceto as que anteci­pam o evento. 57 D.C.

6. Aprisionamento em Roma — Conforme a tradição cristã (At 20). 59 D.C.

7. Novamente livre, talvez com um ministério na Espanha — cerca de um ano. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica).

8. Segundo aprisionamento e morte. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica). 65 D.C.

 

II. Significação de Paulo

 

1. As Escolas Criticas e Paulo

 

Albert Schweitzer (Paul and His Interpretefs, 1912) salientou o fato de que com frequência as Escrituras têm sido usadas por pessoas comuns e por intérpretes tão somente como uma mina de textos de prova, sem qualquer consideração histórica ou exegética. Esses dizem que qualquer argumento pode ser solucionado simplesmente abrindo-se a Bíblia em certa passagem que, alegadamente, traz a resposta. Os opositores, em qualquer debate, pareciam igualmente habilidosos em apelar para «textos de prova», empregando esse método. O século XVIII testemunhou uma revolta contra tais princípios, pelos pietistas e racionalistas, os quais, por razões diferentes entre si, procuravam distinguir a exegese das conclusões providas pelas considerações dos credos e pelo simples exame de «textos de prova»:

 

a. O trabalho de J.S. Semler (1725-91) e J.D. Michaelis. Esses homens tentaram aplicar métodos de criticahistórica-literária às Escrituras, tendo esboça­do normas hermenêuticas, na esperança de mostra­rem que o N.T. não se desenvolveu em um vácuo, mas que se devem aplicar indagações históricas e literárias, se quisermos entender apropriadamente a sua mensagem. A filologia foi introduzida como parte da abordagem histórica na interpretação e na solução dos problemas. À base desses estudos, mostrou-se que em I e II Coríntios temosuma correspondência do apóstolo com os crentes em Corinto, e não meramente duas epístolas, incluindo, talvez, um grupo de quatro epístolas, que, finalmente, foram reunidas em duas divisões principais. E outras sugestões semelhantes foram feitas, no tocante às epístolas de Paulo.

 

b. A escola de Tubingen. No século XIX, na Alemanha, surgiram formas mais radicais de escolas críticas daBíbia. Obras de autores tais como G.W. Bramiley (Biblical Criticism) e J.E. Schmidt, Schleiermacher e F.C. Baur(de Tubingen), levantaram dúvidas sobre a autenticidade de I e II Timóteo e de II Tessalonicenses, à base de considerações literárias, linguísticas e de vocabulário. Baur só deixou intactos cinco dos vinte e sete livros do N.T., como testemunhos incontestáveis do período apostólico e escritos pelos próprios apóstolos. — Ele tentou distinguir a verdadeira literatura apostólica mediante o princípio interpretativo da «tendência». As duas grandes tendências que teriam dado colorido à literatura apostólica eram o conflito entre Paulo (e o cristianismo gentílico), de um lado, e o cristianismo judaico estrito e a ameaça do gnosticismo, do outro; tendência, sob a qual teriam sido escritas as chamadas epístolas gerais. De conformidade com essa teoria da «tendência», toda literatura que tentasse reconciliar a controvérsia judaico-paulina, ou tentasse reconciliar em parte o gnosticismo, foi classificada como não-apostólica, e isso extirpava a maior parte dos livros existentes do N.T., tornando-os não apostólicos. Baur também ensinava que Paulo foi o helenizador do cristianismo.

 

Em resultado disso, essa escola convenceu a bem poucos, além de a si mesma. Não é lógico supormos que um homem só, e em tão pouco tempo, pudesse ter helenizado o cristianismo (e assim tivesse alterado seu caráter original). Também é verdade que esse elemento helenístico, apesar de presente, tem sido altamente exagerado; e Paulo, sendo judeu criado em Jerusalém e ali criado como fariseu, certamente não foi quem helenizara a si mesmo. A citação de Paulo, feita em I Clemente (95 D.C.) e nos escritos de Inácio (110 D.C), onde não se vê qualquer reflexo de um suposto conflito entre Paulo e uma tendência judaizante, nesse período, são argumentos fatais às teorias da Escola de Tubingen. Baur ficou na mira de vários conservadores, principalmente J.C.K.Hofman e os seguidores de Schleiermacher. Mas o golpe mais devastador foi dado por um ex-discípulo de Baur, A. Ritschl, o qual abandonou a ideia da alegada hostilidade entre Paulo e os discípulos originais de Cristo. Ele salientou a unidade dos discípulos e a unidade essencial da mensagem cristã. Os discípulos posteriores dessa escola de Tubingen começaram a aceitar como paulinas quase todas as epístolas atribuídas a Paulo (exceto II Tessalonicenses, as epístolas pastorais e Efésios, cuja aceitação, em muitos lugares, não era mais considerada essencial à ortodoxia).

 

As controvérsias sobre a autoria revolvem em torno de Efésios, Colossenses e as epístolas pastorais, sobretudo essas últimas; e as discussões podem ser vistas in loc. Os «clássicos paulinos» (que poucos duvidam ser de autoria paulina) são Romanos, Gálatas, I e II Coríntios. A essas quatro, outras cinco são adicionadas pela maioria dos estudiosos, com pouca hesitação, a saber, I e II Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses eFilemom.

 

Somos forçados a reconhecer, entretanto, que algum bem surgiu dessa controvérsia, pois os intérpretes foram alertados para a necessidade de levar-se em conta as considerações históricas e literárias, para que se faça bom juízo do N.T. Baur trouxe à luz uma abordagem indutiva histórica ao cristianismo primitivo, e libertou as pesquisas da ideia de que nada havia a ser aprendido, posto que todas as conclusões já haviam sido formadas.

 

c. Os eruditos britânicos e norte-americanos examinaram a reconstrução apresentada por Baur, mas, namaioria dos casos, não se deixaram persuadir. O conjunto de escritos paulinos (com exceção de Hebreus, que poucos eruditos têm atribuído a Paulo, porquanto o próprio livro não reivindica tal autoria) permaneceu de pé. Sólida exegese histórica saiu da pena de Lightfoot e de Ramsay. Este último só escreveu após intensa pesquisa arqueológica. Tais autores confirmaram a autoria lucana do livro de Atos; e isso aumentou a credibilidade e esclareceu a cronologia desse livro, no que se relaciona a Paulo.

 

d. Outros eruditos têm produzido teorias sobre o conjunto paulino de escritos. E. J. Goodspeed conjecturou que em cerca de 90 D.C, algum admirador de Paulo (talvez Onésimo, conforme J. Knox sugeriu mais tarde) tenha publicado as epístolas de Paulo, tendo escrito pessoalmente a epístola aos Efésios como epístola generalizadora ou como tratado introdutório.

 

De conformidade com a tradição, Onésimo, ex-escravo, finalmente, veio a tornar-se superinten­dente da igreja de Éfeso, pelo que estaria em posição de fazer isso. Toda essa ideia, todavia, se esvai em fumaça, quando consideramos que nada há, na própria epístola aos Efésios, que indique que ela tenha encabeçado ou terminado um conjunto de epístolas paulinas; e nem se pode provar que essa epístola contenha um sumário não escrito por Paulo acerca do pensamento desse apóstolo.

 

e. A crítica literária do século atual tem procurado discutir e desenvolver os seguintes temas:

a. Esforço contínuo para obter uma construção histórica geral das epístolas de Paulo e de seu pensamento,

b. Determinação exata de quais epístolas Paulo teria escrito ou não.

c. Determinação da origem e das datas das epístolas pastorais, que alguns supõem terem sido escritas por algum discípulo de Paulo, que procurava expressar as atitudes desse apóstolo,

d. Determinação das epístolas paulinas e não-paulinas.

e. Solução para várias questões relativas a unidade, a autoria e a interpretação das epístolas paulinas individuais.

 

Outras implicações dessas pesquisas se encontram no parágrafo abaixo acerca das epístolas paulinas.

 

2. As Epístolas Paulinas

 

Embora, ao longo dos séculos, toda correspondência que tem chegado até nós com o epíteto de paulina, isto é, escrita por Paulo, tenha sido posta em dúvida, por alguns, como autêntica. Existem quatro escritos paulinos clássicos que nem mesmo os eruditos modernos põem em dúvida, mesmo entre os mais liberais. Trata-se das epístolas aos Romanos, aos Gálatas e I e II Coríntios. Lutero dizia que se pudéssemos ao menos preservar o evangelho de João e a epístola aos Romanos, o cristianismo não poderia ser extinto. Entretanto, mais geralmente aceitam-se os nove livros seguintes como saídos realmente da pena de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom. Para muitos, as epístolas de I e II Timóteo e Tito (as epístolas pastorais), além de Efésios, são consideradas obras dos discípulos de Paulo (escritas em seu nome). E a epístola aos Hebreus (apesar de não ter sido rejeitada do cânon do N.T.) é quase universalmente rejeitada como epístola escrita por Paulo. De modo geral, nas pesquisas mais recentes, a atenção se tem desviado da autoria das epístolas para outras questões. Por exemplo, costuma-se discutir sobre a forma original das epístolas ou a sua unidade essencial. Teria sido escrita realmente aos crentes de Roma a chamada epístola aos Romanos? Nesse caso, por que alguns manuscritos omitem as palavras «A todos... queestais em Roma», em 1:7, e «...em Roma», em 1:15? Qual teria sido a forma original dessa epístola, porque alguns mss contêm mais de uma doxologia finalizadora. Por exemplo, a doxologia em Rm 16:25-27 se encontra em L, 1175 e no Sy(n), em 14:23, ao passo que os mss A, P, 5 e 33, além de algumas traduções armênias, têm-na em ambos os lugares. O antigo ms P(46) tem-na somente após o cap. 15. Teriam sido escritas duas epístolas — uma mais longa e outra mais breve, que finalmente foram combinadas para formar uma só, deixando incerto o local exato da doxologia?. Nas epístolas aos Coríntios, alguns eruditos distinguem nada menos de quatro epístolas diversas, que finalmente foram combinadas para formar somente duas. Os melhores mss de Efésios não trazem as palavras «em Éfeso», em 1:1 dessa epístola. Foi essa epístola realmente escrita aos crentes de Éfeso, ou teria ela sido, originalmente uma circular enviada às igrejas da Ásia Menor, sem qualquer designação específica quanto ao destino? Como as palavras em Éfeso vieram a fazer parte do texto?. Essas questões são expostas aqui a fim de dar exemplos, ao leitor, sobre os tipos de problemas que são discutidos nos artigos sobre as epístolas, bem como na exposição geral.

 

3. O Servo de Cristo

 

As epístolas de Paulo frequentemente apresentam-no como servo «escravo» de Cristo. No original o termo usado é doulos, e geralmente, tem sido mal traduzido por «servo», e não pela sua tradução mais exata, «escravo». Paulo usou um termo forte a fim de indicar que ele fora comprado por bom preço, porquanto, tendo sido antes um homem indigno, por ter perseguido e morto aos cristãos, a sua dívida era imensa e insolúvel. Sua vida toda, da conversão por diante, foi um esforço por contrabalançar suas más ações, e disso se originou uma dedicação que tem inspirado o mundo inteiro durante séculos, e que tem sido eternamente usada, em sermões, como ilustração do discipulado cristão. Todo aquele que é chamado para perto do Senhor, o Mestre, torna-se um — escravo — como Paulo (conforme é indicado em I Co 3:23 e 7:22,23), e isso forma a ideia básica do discipulado totalmente dedicado que Paulo requer dos seguidores de Cristo. O Senhor (tal como os senhores de escravos) exerce direitos absolutos sobre todo pensamento, ambição, palavra, ação e alvo das vidas de seus escravos. Outro tanto se aplica à liberdade de ação dos escravos; mas, segundo a concepção paulina, estar verdadeiramente livre é ser escravo completo de Jesus, pois é então que o crente encontra a verdadeira liberdade de alma, além de completo livramento do pecado e de seus efeitos, sem falar na completa transformação segundo a imagem de Cristo. Paulo descreve o pecado como uma carência da glória de Deus (Rm3:23), e com isso ele revela a sua correta atitude para com o pecado. O pecado é a degradação da personalidade humana. Os homens foram criados para coisas exaltadas, para serem exaltados acima dos próprios anjos, porque, ao serem transformados segundo a imagem de Cristo (ver Ef 1 e Rm 8), tornam-se, realmente, superiores aos anjos. O pecado é a marca da humanidade envilecida, não transformada segundo o modelo divino. O verdadeiro escravo de Jesus progride muito mais rapidamente no caminho da absoluta transformação segundo a imagem de Cristo, e isso contribui para a verdadeira glória de Deus. Aqueles que persistem no pecado, portanto, «carecem» dessa glória. O verdadei­ro escravo do Senhor, por conseguinte, é, realmente, um homem liberto, pois somente no cumprimento de seu destino é que o homem é libertado de seu estado inferiorizado pelo pecado.

 

Aos seus escravos é que Cristo ensina o seu amor, e é então que aprendemos a mansidão, a graça e a gentileza de Cristo (ver II Co 10:1; Rm 12:1 e I Co 1:10). Aos seus escravos é que Cristo transmite os pensamentos de sua mente (Fp 2:1-18), e isso fala de certa comunhão mística com o Senhor ressurreto e assento ao céu. Para Paulo, esse companheirismo era muito real, e ele procurou transmitir o sentido dessa experiência aos discípulos de Jesus. Com grande frequência, expressões tais como «em Cristo» e «mente de Cristo», são termos vazios para a igreja moderna, porque temos perdido de vista o sentido dessas coisas. E temo-lo perdido não nos nossos estudos de teologia, ou nos livros impressos, ou nos sermões falados, e, sim, na experiência e na realidade diárias.

 

Paulo ensinava a obediência da fé, porquanto a fé em Cristo era vista pelo apóstolo como uma realidade vital, como uma transmissão da própria vida de Deus, através da pessoa real, viva, ativa e comunicadora chamada Espírito Santo. O apóstolo Paulo compara­va-se a uma ama que cuidava ternamente de infantes, ajustando a dieta dos mesmos às suas necessidades e capacidades (ver I Co 3:1-3 e I Ts 2:7). Também comparou-se àquele que apresenta uma noiva ao seu noivo (ver II Co 11:2,3). Paulo, igualmente — comparou a igreja — ao campo de Deus, onde ele trabalhava a fim de produzir frutos. Dessas e de outras maneiras, Paulo demonstrou quanta dedicação se exige desse serviço absoluto a Cristo. Acima de tudo, o apóstolo esclareceu que o amor de Deus exige tais sacrifícios (ver Rm 5:5; II Co 5:14). Mostrou, ainda, que antes de sua conversão traçara uma trilha de violência, ódio e homicídio, e justamente contra aqueles que menos mereciam tal tratamento, isto é, os cristãos. Mas eis que o amor de Deus, através de Cristo, modificara tudo isso, e foi justamente esse amor que o tornara escravo de Cristo, posição na qual Paulo se sentia verdadeiramente livre. Desde que fora conquistado por esse amor, ele é que passara a receber os golpes violentos da parte de homens ímpios e desarrazoados. Por conseguinte, quando contem­plamos ainda que superficialmente a vida desse homem, compreendemos por que motivo os traduto­res não têm sido capazes de traduzir o termo doulos por «escravo», preferindo um vocábulo mais suave, como «servo». Infelizmente, nossas vidas também refletem essa substituição. Nesse exemplo de total consagração à causa do Senhor, encontramos uma das significações da vida de Paulo.

 

4. O Apóstolo aos Gentios

 

Outra das grandes significações da vida de Paulo é o fato de que ele representava aquele princípio dá nova religião revelada que não somente aceitava os pecadores, os publicanos e os desprezados, mas que também lhes prometia um destino mais elevado do que qualquer coisa exposta pelo judaísmo. Em seu caráter essencial (pelo menos até os tempos helenistas) o judaísmo tem sido uma religião terrena, com alvos e promessas terrenos. O cristianismo, porém, volta-se para as coisas da outra vida, e é essa atitude, em seu ensino acerca da total transformação do crente segundo a imagem de Jesus, o Messias, o Senhor eterno, que, aos olhos dos judeus, inspirava aos gentios «pretensões» e «ambições» jamais ouvidas. Paulo tornou-se o porta-voz mais proeminente dessa nova mensagem, sendo bem reconhecido o fato de que somente Paulo expõe, com clareza e pormenores, a mensagem central da posição e do destino da «igreja», que declaradamente, e na realidade, viria a ser essencialmente uma igreja gentílica.

 

Paulo se opusera amargamente a essa mensagem, até mesmo quando ela ainda estava em sua forma primitiva, nas mãos dos outros apóstolos, antes das grandes revelações que encontramos em Romanos, em Efésios e em Colossenses, as quais, verdadeira­mente, deram à igreja cristã a sua definição final. Paulo não podia aceitar antes da sua conversão, e até mesmo abominava, uma mensagem que falava de um Messias que fora crucificado e que ressuscitara. Aquele filho de Benjamim, o fariseu, era por demais astuto para não ser capaz de discriminar o possível impacto que esse Messias crucificado e ressurreto haveria de impor à comunidade judaica. Outrossim, certos porta-vozes da nova religião tinham anunciado publicamente, que Deus ab-rogara as exigências da lei antiga, tais como a circuncisão, a justiça mediante a observância da lei, e os sacrifícios no templo, porque tudo isso eram símbolos que haviam sido cumpridos pelo Messias, o antítipo de todos esses tipos simbólicos. Além disso, também haviam anunciado que esse mesmo Messias era Senhor de todos, e que em breve estabeleceria o longamente esperado Reino de Deus, e que a nação judaica, como um todo, corria o perigo de perder a participação nesse reino. Sendo fariseu, Paulo sentia repugnância por tais ensinos, e, emseu zelo pela justiça que lhe parecia autêntica, que ele reputava estar exclusivamente na lei e nos ritos que saturavam o judaísmo, tornou-se o mais temível opositor do cristianismo. Não haveria de descansar enquanto não desaparecesse da face da terra o último vestígio dessa nova heresia. Sabia ao que fazia oposição, e por quais motivos.

 

Mas eis que, repentinamente, o próprio Jesus resolveu interferir na loucura do jovem, apanhando-o no ato deintensificar os seus violentos esforços de derrubar a igreja. A experiência mística de Paulo, pois, «purificou-o» e «modificou-o», mas deixou perfeitamente intacta a sua natureza ardente e zelosa. A princípio, Paulo podia pregar apenas a mensagem messiânica, pois até aquele ponto ainda não recebera maiores luzes sobre o sentido da morte de Cristo, as vastas implicações de sua ressurreição e ascensão. Por isso é que, em Damasco, ele pregou que Jesus era o Messias. É provável que em sua retirada para a «Arábia» tenha recebido as visões preliminares e as revelações que o equiparam para a tarefa de quarenta anos que tinha a sua frente. O trecho de Gl 1:14,15 indica que um dos ingredientes essenciais das revelações recebidas por Paulo é que o seu ministério seria entre os «gentios». Posteriormente, no concilio efetuado em Jerusalém (sobre o qual lemos no segundo capítulo da epístola aos Gálatas), vemos que a sua missão especial foi reconhecida e aprovada pelos demais apóstolos. Dessa forma, Paulo lançou-se ao cumprimento do grandioso desígnio de Deus, como nem mesmo os profetas da antiguidade haviam imaginado. Alguns deles tinham previsto a salvação dos gentios, mas as indicações acerca da igreja — a noiva de Cristo — são escassas no V.T., e mesmo assim foram expostas de forma velada, em tipos e sombras. O grande propósito do oitavo capítulo de Romanos e do primeiro capítulo de Efésios jamais havia sido exposto por lábios judeus antes de Paulo.

 

Paulo aprendeu qual o propósito da cruz, conforme ele explica no décimo quinto capitulo de I Coríntios, onde se vê que a expiação ali efetuada faz parte integral do plano geral do evangelho. Ele percebeu que o esforço humano jamais poderia realizar o que foi realizado na cruz do Calvário. E assim também os seus esforços anteriores, como fariseu, assumiram um novo significado, pois em seus frenéticos esforços para obter a justiça própria, mediante a observância da lei, Paulo recebeu uma lição perfeitamente objetiva da total necessidade da justiça que vem por meio de Cristo. Posteriormente, ele usou sua própria experiên­cia como lição objetiva (Fp cap. 3), pois ninguém podia vangloriar-se de mais obras na carne do que o jovem Paulo. «Mas foi exatamente esse jovem» que chegou a compreender que o destino do homem está nas mãos de Cristo. Viver corretamente não é o alvo principal do destino humano. Isso deve ser feito e será feito por todos os verdadeiros discípulos de Cristo, mas essa vida resulta da transformação do crente à imagem mesma de Jesus Cristo. Paulo passou da noção de que a vida é aquilo que um homem faz para a ideia muito mais elevada de que a vida é aquilo em que tornamos metafísica e moralmente transformados segundo a imagem do Caminho, que é ao mesmo tempo o pioneiro do caminho, e o próprio caminho que devemos palmilhar. Paulo começou a perceber que o destino humano é uma longa e grande busca, que finalmente conduz à própria presença de Deus, e aqueles que ali chegam são transformados em seres que serão a própria imagem de Deus impressa neles, e que, de fato, não serão menos santos do que o próprio Deus. Essa grandiosa e elevada mensagem tornou-se o grande poder impulsionador por detrás do zelo de Paulo, e ele foi por toda parte do mundo gentílico com o intuito de proclamá-la. Os capítulos 9 a 11 da epístola aos Romanos consistem de revelações concer­nentes ao destino de Israel e à base dessas revelações Paulo sabia que a nação de Israel seria posta de lado por algum tempo, que a época dos gentios deveria chegar ao término de seu curso, até que toda a igreja tivesse sido chamada. Por essa razão, passou a buscar ainda com maior determinação a salvação dos gentios, a fim de estabelecer a igreja, permitindo, assim, que Deus tornasse a chamar a nação de Israel, a qual, no fim, teria um destino um tanto diferente do da igreja.

 

A cruz também se revestia de significação simbólica na missão de Paulo como apóstolo aos gentios. Significava sacrifício, conformidade com a morte de Cristo (ver Rm 6), o que, por outro lado, significa não-conformação com o mundo. A cruz fala de dor, de sofrimento e de angústia em sua forma mais intensa, e Paulo aceitava essas coisas como sinais de seu ministério. Por toda parte era assediado pelos radicais, e sua longa lista de sofrimentos, em II Co 11:23-28, menciona espancamentos, muitos aprisionamentos (dos quais temos o registro de apenas alguns, talvez em número de três), apedrejamentos, açoites com flagelos e com varas, naufrágios, perigos de assaltantes e inundações, fome, exaustão física devido a trabalhos contínuos e árduos, frio e falta de vestes apropriadas. Acima de tudo, pesava-lhe nas costas o fardo psicológico do cuidado por todas as igrejas locais. Trazia em seu próprio corpo as marcas do Senhor Jesus, tal como Jesus levava, em suas mãos e em seus pés, os sinais dos cravos da cruz. Isso fazia parte da significação de Paulo como apóstolo dos gentios. Era um autêntico soldado da cruz, e exibia um discipulado de consagração sem-par, que o mundo jamais pôde esquecer, e que ficou para sempre gravado nas páginas das Santas Escrituras, para escrutínio de todos. Paulo anunciou uma mensagem distintiva, que falava do exaltado destino da humanidade, e foi um mensageiro distinto dessa mensagem, e é desses dois fatores que aprendemos um outro significado da vida de Paulo.

 

5. A Doutrina de Paulo

 

A descrição mais completa da doutrina de Paulo pode ser encontrada nas diversas centenas de páginas sobre suas epístolas nesta enciclopédia. Aqui temos apenas uma tentativa de salientar o caráter central dessa mensagem, em torno da qual tudo o mais é subserviente.

 

A Reforma protestante salientava a justiça ou justificação mediante a fé e nos séculos seguintes, esse continuou sendo o fator controlador de toda interpretação dos escritos de Paulo. Mui infelizmente, os intérpretes não sondaram ainda com mais profundidade o pensamento do apóstolo, pois apesar dele ter salientado a justiça e a justificação, essas ideias tão-somente são parte de uma mensagem maior, porções necessárias, para dizer a verdade, mas apenas partes componentes de um grande plano. É possível que se os reformadores e aqueles que os seguiram tivessem tido mais compreensão, a igreja atual talvez compreendesse melhor a descrição dogrande evangelho de Paulo. Desafortunadamente, porém, a igreja tem estacado mais ou menos onde a reforma a deixou, e mui raramente o evangelho completo de Paulo é pregado na igreja comum. Não será isso um dos motivos para a intranquilidade? Muitos não se sentem desassossegados e, algumas vezes, até mesmo famintos de informações pertinentes à inquirição espiritual? Sim, parece que o povo evangélico anela por uma mensagem mais profunda, por uma tentativa mais profunda de compreender por que estamos aqui e para onde nos dirigimos. Paulo, nos dá essa informação, mas esta dificilmente é pregada. Certamente a salvação é mais do que o perdão dos pecados e a mudança de endereço para o «céu». Porém, com que frequência ouvimos prédicas que vão além disso? Seria declaração por demais ousada dizer que o evangelho de Paulo, na sua forma completa, raramente é pregado na igreja moderna?

 

Homens como L. Usteri (1824) e A.F. Daehne (1835) explicaram Paulo em termos da justiça imputada, segundo é ensinado na epístola aos Romanos. Em contraste com isso, H.E.G. Paulus salientou a «nova criação» e a «santificação» (conforme se vê em passagens como II Co 5:17 e Rm 6). Grande discernimento foi exposto porPaulus, o qual declarou que a fé em Jesus, significa, na análise final, a fé de Jesus. E que coisa admirável seria se pudéssemos aprender esse conceito, pois nos conduziria a uma compreensão mais profunda do apóstolo Paulo. Imaginemo-nos, por um momento, a exercer realmente a fé de Jesus, a mesma fé que ele exercia. Porém, isso é impossível, a menos que sejamos pessoas «como Jesus», moralmente transfor­madas para sermos como ele era. Não obstante, avançar da fé em Jesus para a fé de Jesus, foi um discernimento que a reforma não doou à igreja, e que a igreja atual só pode explicar e compreender da maneira mais nebulosa.

 

F. C. Baur, que interpretava à base do arcabouço do idealismo de Hegel (1845), procurou primeiramente compreender a Paulo em termos do Espírito, dado mediante a união com Cristo, através da fé — e talvez, um tanto inconscientemente, ele conseguiu notável avanço na interpretação, pois não resta a menor dúvida de que o Espírito é a grande chave para o cumprimento do tema central de Paulo. Por semelhante modo, a ideia da união com Cristo é importante, embora esse conceito místico tenha geralmente desaparecido dos sermões da igreja e da literatura da Escola Dominical. A despeito de Paulo ter sido um místico, parece que o misticismo tem caído no esquecimento, ou mesmo tenha sido geralmente rejeitado. Entretanto, Baur mais tarde retrocedeu e voltou ao padrão estabelecido pela reforma, dividindo as diversas doutrinas paulinas em compartimentos, sem qualquer tentativa de vê-las como um conceito unificado. Muitos outros escritores seguiram esse padrão, e ingenuamente pensaram que, ao descreverem individualmente as diversas doutri­nas, ao mesmo tempo, expunham o pensamento de Paulo.

 

R.A. Lipsius (1853) deu um grande passo à frente quando reconheceu a «redenção» como o grande princípio unificador na doutrina de Paulo, e definiu também dois pontos de vista: o jurídico (a justificação) e o ético (a nova criação). Seguindo essa orientação, Hermann Luedemann, em seu livro «The Anthropology of the Apostole Paul» (1872), concluiu que os dois lados da redenção realmente repousam sobre esses dois aspectos da natureza humana. Do ponto de vista «judaico» anterior de Paulo (Gálatas e Romanos 1—4), a redenção aparece como um veredicto judicial de inocência; mas, para o Paulo mais maduro (Rm 5—8 e Ef 1), a redenção surge como uma transformação ético-física da «carne» para o «espírito», mediante a comunhão com o Espírito Santo. A fonte da primeira ideia é a morte de Cristo e a nossa participação nessa morte. A fonte da segunda ideia é a ressurreição de Cristo e a nossa participação nessa ressurreição, com sua implicação de um tipo de vida nova e transformada. Richard Kabisch recuou ao supor que essa redenção visa unicamente a livrar a alma do julgamento vindouro. Pois o destino humano envolve muito mais do que isso, embora, ouvindo alguém os sermões que geralmente se pregam nas igrejas, talvez não chegue a conclusão mais elevada do que essa. Albert Schweitzer, seguindo as indicações de Luedemann e Kabisch, desenvolveu uma síntese com a qual ensinava que Paulo tencionava que sua «redenção» fosse principalmente escatológica, isto é, um fim dos acontecimentos mundiais. Mas o fato é que o segundo capítulo da epístola aos Filipenses contradiz essa posição, como também o quinto capítulo da segunda epístola aos Coríntios. E também errou ao pensar que posto que o mundo nãoterminou imediatamente, conforme Paulo pensava, passou o apóstolo a expor um «misticismo físico», no qual os sacramentos, através da mediação do Espírito Santo, servem de mediador da ressurrei­ção de Cristo e de seus efeitos sobre o crente. «Misticismo», sim; mas misticismo físico, através dos elementos físicos dos sacramentos, jamais. Nada poderia estar mais distante do pensamento de Paulo, porque ele sempre destacou o puramente espiritual em detrimento do físico. Tinha razão, todavia, ao supor que Paulo ensinou que a união com Cristo, nesta vida, através do Espírito, assegura ao crente a participação na ressurreição espiritual de Cristo, quando de sua «parousia».

 

O grande tema central de Paulo — qual é ele? É a salvação. Mas um ponto de vista muito especial da salvação. O grande tema de Paulo é soteriológico, e, se o quisermos, bem podemos usar o termo «redenção», pois isso diz exatamente a mesma coisa. Que espécie de salvação Paulo ensinava? Permitamos que os versículos seguintes falem por si mesmos: «Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade... e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos seus pés, e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas» (Ef 1:4,5, 19-23). «Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus... o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos glorificados... a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus... gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo... Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme a imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou... nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8:14,16,19,28,30,39).

 

A participação na Imagem metafísica de Cristo indica a participação na natureza divina, segundo Cl 2:9,10 mostra claramente (ver também Ef 3:19). Participamos da «natureza divina» quando participamos da «imagem de Cristo». Naturalmente, disso participamos de modo finito, pois Deus é «infinito». Todavia, trata-se do mesmo «tipo» de «forma de vida», da mesma «essência de ser» que o próprio Cristo tem, o que é infinitamente exemplificado em Deus Pai. Diferimos da natureza de Deus Pai na «extensão» da participação na essência divina, mas não quanto ao «tipo», ver Jo 5:25,26 e 6:57 sobre a vida «necessária» e «independente» de Deus, e como os homens, mediante a participação na ressurreição de Cristo, chegam a participar desse tipo de vida. Já que Deus é infinito, e será sempre o alvo da existência humana, terrena ou celestial, mortal ou imortal, sempre haverá um progresso infinito na direção desse alvo. Não pode haver estagnação na inquirição espiritual, pois seus horizontes são infinitos. Já que há uma infinitude com a qual seremos cheios, também haverá um preenchi­mento infinito. (Ver II Pe 1:4.

 

O plano é imenso e sua realização é além das capacidades humanas. Portanto, a salvação se realiza pela graça de Deus. Abaixo estão os pontos mais destacados desse evangelho:

 

a. Plano divino da redenção e transformação dos homens segundo a própria imagem de Cristo, a imagem absolutamente moral e metafísica de Cristo, que é um plano eterno, e que, em realidade, é a razão mesma da existência da criação. (Essa é, igualmente, a mensagem do primeiro capítulo do evangelho de João, porquanto a vida — a criação física — existe para prover material para a «luz» ou criação espiritual. — O primeiro capítulo da epístola aos Colossenses ensina a mesma verdade).

b. O alvo de Deus é a adoção de muitos filhos, que ainda serão iguais (sempre em potencial) e totalmente semelhantes (em essência de ser) a seu Filho, Jesus Cristo.

c. Deus enviou Jesus, não só para ser o Caminho, mas também para mostrá-lo. Em sua vida humana, Jesus viveu o tipo de experiência que devemos ter. Sua vida não foi somente um espetáculo para ser admirado, mas é um padrão que precisa ser duplicado em nós. Jesus, em sua vida humana, «...aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu...», e, como homem, em sua existência humana, «...tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem» (Hb 5:8,9). Os que lhe obedecem são aqueles que agem como ele agiu e são o que ele foi, mediante uma obediência verdadeiramente completa e perfeita. Não obstante, esse é o alvo, e a transformação moral provoca a transformação metafísica, exatamente como ocorreu no caso de Jesus, o qual, devido à sua comunhão íntima com o Pai, mediante o Espírito (que é o agente transformador. II Co 3:18), foi capaz de multiplicar pães, andar sobre a água e até mesmo ressuscitar a mortos, incluindo a si mesmo, após a sua morte. Ele vivificou o seu próprio corpo, tão grande foi o seu poder espiritual.

 

Lembremo-nos da lição da encarnação: Jesus, manifestação do Verbo Eterno, veio participar literalmente da natureza humana. Ele não era um anjo que fazia um papel teatral. E assim como ele participou literalmente da natureza humana, fundin­do a natureza humana com a divina, assim também abriu tal caminho para todos os homens. Pois todos os remidos haverão de participar de sua «natureza glorificada», de sua divindade de modo real, tal como sua participação da natureza humana foi real. Essa é a grande lição mística da encarnação. Ele é divino a fim de ser «admirado»; mas também é divino a fim de ser «duplicado» em «outros filhos», pois os remidos são filhos do mesmo Pai. Naturalmente, o Filho participou infinitamente da divindade, mas nossa participação será sempre finita. Contudo, a essência dessa partici­pação é real; não é uma imitação. A eternidade inteira será passada enchendo o finito com o infinito, enchendo o que é secundário com o que é primário, havendo uma gradual e prodigiosa transformação da alma humana segundo a imagem e a natureza de Cristo (ver II Pe 1:4 e Cl 2:9-10).

 

Lembremo-nos das outras lições: a lição de sua vida, a lição de sua morte, a lição de sua ressurreição e ascensão, a lição de sua infinita e interminável glorificação. Em tudo isso temos símbolos místicos do progresso e da redenção humanos. Pois em todos os pontos seremos assemelhados a ele, tal como em todos os pontos ele se fez como nós.

 

«E todos nós com o rosto desvendado, contemplan­do como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito» (II Co 3:18).

 

d. Jesus cumpriu a sua missão, tendo vivido a admirável vida que teve, tendo morrido como expiação pelo pecado, tendo sido ressuscitado dentre os mortos, e, nesse processo, foi transformado de homem mortal em homem imortal, assento ao céu e glorificado — e tudo isso como homem — pois ele foi o primeiro homem imortalde Deus, o padrão para o resto da humanidade. Nessa glorificação ele foi ainda mais profundamente transformado, e continua esperando sua glorificação maior, quando receber a sua Noiva, a igreja. A última porção do primeiro capítulo de Efésios demonstra que foi o infinito poder de Deus que realizou tudo isso, o poder de Deus através do Espírito. Eis que esse mesmo Espírito está em nós, e tenciona realizar em nós a mesma obra. Morremos a morte de Cristo, compartilhamos, de sua ressurreição e de sua ascensão e participamos de sua glorificação. Ele é quem preenche tudo em todos, e que está acima de todos; a despeito do que, o completamos, pois somos a sua plenitude, e nada tão elevado tem sido jamais dito acerca dos anjos. (Ef1:23).

 

O próprio espírito sussurra aos nossos ouvidos qual é nosso elevadíssimo destino, pois o destino de Cristo é o nosso e sabemos quão grande ele é, e quão vasto é o seu destino, como cabeça do universo inteiro. A criação física inteira se impacienta, esperando essa poderosíssima manifestação dos filhos de Deus, como homens imortais, transformados e espantosamente glorificados — pois eles serão — verdadeiramente filhos e irmãos de Cristo, e não menos perfeitos (potencialmente sempre) e exaltados, embora cabeça e corpo tenham ofícios distintos. Outro tanto se dá com Cristo e a igreja. E assim como a cabeça de um corpo tem certa ascendência sobre esse corpo, assim também Cristo tem proeminência sobre a igreja. Não seremos sub-herdeiros dele, e, sim, co-herdeiros. Não estamos seguindo uma estrada diferente da dele, nem um alvo diferente do seu — seguimos exatamente a mesma estrada que Cristo, e visamos ao mesmo alvo. A predestinação de Deus assegura a obtenção desse alvo, e é nas provisões dessa predestinação que seremos totalmente «transformados», e não apenas perdoados de nossos pecados, nem apenas nos aproximando do «céu», conforme há muito tempo, o «evangelho» vem sendo pregado por partes da igreja.

 

e. Por conseguinte, no que consiste a justificação? Consiste em um passo na direção do alvo, e que envolve o pecado que precisa ser eliminado, porque os filhos devem ser tão santos quanto o próprio Deus. E o que será asantificação? É apenas a estrada pela qual estamos caminhando, enquanto vamos sendo trans­formadosmoralmente à imagem de Cristo, o que também produz uma transformação metafísica, isto é, a transformação literal da natureza de nossos próprios seres. O nosso alvo, portanto, é a absoluta perfeição moral, não menos santa do que a santidade de Deus, que nos torna não (potencialmente) menos amorosos, não menos compassivos, não menos eficazes (em nossas respectivas esferas) na realização de sua obra e na expressão de sua natureza. Obteremos a imagem moral de Deus que os anjos não possuem e talvez jamais possuirão. O próprio Jesus ordenou que fôssemos perfeitos, tal como o Pai, nos céus, é perfeito (ver Mt 5:48). Esse é o nosso alvo eterno e a nossa transformação total tornar-se-á uma realidade. Possuiremos a natureza moral de Deus. Mais do que isso, possuiremos a imagem metafísica de Cristo, que está acima de todos, de todos os nomes, de todos os poderes, até mesmo dos poderes angelicais. Nossa participação nisso será total. Os termos «filhos de Deus» e «irmãos de Cristo» indicam algo tremendamente elevado e ainda que tivéssemos a perfeita descrição dessas verdades, do ponto de vista metafísico, não poderíamos compreender suas impli­cações. O nosso atual desenvolvimento não permitiria a completa apreensão dessas verdades profundíssi­mas. Portanto, que significa estar alguém em Cristo? Isso fala da atual comunhão mística com ele, por meio do Espírito. Já conhecemos algo da transformação à sua imagem, porque já estamos começando a viver a sua vida. A energia de sua vida, em sentido bem real, já transparece em nós, e o céu já desceu à terra, e ele

nos circunda através de seu Espírito. De maneiras ainda desconhecidas, ele está conosco, mas esse estar conosco, com toda a probabilidade, consiste de uma real transferência de alguma espécie de energia espiritualizada que o Espírito de Deus transmite, e essa energia, mui provavelmente, é a substância da própria vida. Essa é a «salvação» presente, e a participação nessa salvação é que produz os atuais padrões de «santificação». E a santificação presente provoca as transformações metafísicas de nossas naturezas. E tudo isso está prenhe de autêntica imortalidade. Daí o crente parte para a ressurreição, então para a ascensão e, finalmente, para a glorificação, que não se trata de um ato isolado, mas de um processo, o que continua acontecendo até mesmo com Cristo, nosso irmão mais velho. E o alvo final é a perfeição e a transformação absolutas. É a tudo isso que se denomina de salvação, e esse é o evangelho anunciado por Paulo. O leitor poderá julgar, por si mesmo, quanto dessa verdade é pregada atualmente nas igrejas evangélicas. A simplificação do evangelho como — se resumisse ao perdão dos pecados e a uma viagem ao céu — tem prejudicado — a todos nós. E tem deixado os crentes desassossegados, porque, interna ou externamente, perguntam se não há mais nada além disso? Os crentes, pois, ficam descontentes, pois o cristianismo tem perdido o seu fio cortante e desafiador. Precisamos pregar o evangelho de Paulo. Precisamos aprender o que isso significa na experiência diária. Precisamos conhecer, na realidade diária, o que significa estar alguém «em Cristo».

 

6. Paulo e Jesus

 

Os estudos sobre o pensamento paulino, neste século XX, se têm devotado, especialmente, a três perguntas: 1. Qual a relação entre Paulo e Jesus? 2. Quais as fontes do pensamento de Paulo? e 3. Qual o papel da escatologia na doutrina de Paulo? Dessas três, a primeira — Qual a relação entre Paulo e Jesus? é mais vexatória e problemática. A distinção entre os dois pensamentos básicos de Paulo — justiça jurídica (Rm 1—4) e justiça /ética/ (Rm 58), tem-se desenvolvido em um estudo muito importante, e a maioria dos escritores sobre o assunto se tem pronunciado a favor da ideia «ética» como mais básica ao pensamento paulino posterior, como mais repre­sentativa de Paulo em seus anos maduros. Pelo menos pode-se dizer que isso certamente se parece mais com o pensamento expresso nas epístolas de Efésios e Colossenses e com a mensagem geral da redenção ou «salvação» (conforme se explicou na seção anterior), e que certamente essa é a mensagem central do apóstolo Paulo. Por conseguinte, temos um certo tipo de «misticismo de Cristo», a saber, Cristo, o Deus-homem que do céu desce a este mundo rodeado pelo mal, incluindo uma espessa nuvem de poder demoníaco. A união com Cristo (isto é, a comunhão mística com ele) tornou-se o principal conceito acerca do sentido e da direção da atual experiência humana. E essa união assegura a «ressurreição» juntamente com ele, que é o passo inicial da glorificação da alma.

 

Esses pensamentos lançaram os fundamentos para uma série de estudos, e muitos intérpretes, ao lerem os evangelhos e as palavras de Jesus, segundo elas estão ali escritas, para em seguida lerem a Paulo, especialmente seus «escritos posteriores», como as epístolas aos Efésios e aos Colossenses, começaram a indagar se as duas mensagens ou «evangelhos» seriam realmente uma só. Alguns negaram isso em termos inequívocos. W. Wrede, em sua obra Paulus (1905), expôs a questão nos termos mais francos. Ali Paulo é visto não como verdadeiro discípulo do rabino Jesus, mas realmente um segundo fundador do cristianismo. A piedade individual e a salvação futura ensinadas por Jesus (ideias comuns ao judaísmo dos dias de Jesus) haviam sido transformadas, pelo teólogo Paulo, em uma redenção presente através da morte e da ressurreição do Cristo-Deus. Quem aceitar esse ponto de vista terá de escolher entre Jesus, e assim permanecer bem perto do judaísmo, ou terá de preferir a Paulo, entrando em uma esfera religiosa diferente. A tendência parecia permanecer com Jesus, e não levar muito a sério as ideias de Paulo.

 

A controvérsia acerca da suposta diferença entre Paulo e Jesus conduziu a uma investigação ainda mais detalhada sobre as origens do pensamento paulino. F. C. Baur explicava o pensamento de Paulo à base dá controvérsia eclesiástica, isto é, Paulo era contrário ao judaísmo antigo, e, sendo o «helenizador» do cristianismo, fez declarações diversas que visam a afastar o cristianismo o mais possível do judaísmo. Schweitzer explicava que a origem do pensamento de Paulo era o seu problema escatológico peculiar, que era uma adaptação quase exclusiva das ideias do judaísmo posterior. Mas as pesquisas na história judaica não têm contribuído para consubstanciar essa ideia.

 

Outros, como R. Reitzenstein e W. Bousset, pensavam que tinham encontrado o manancial do pensamento paulino, em uma espécie de mistura das religiões misteriosas orientais helenistas e de elemen­tos doutrinários do judaísmo. É verdade que os mistérios falavam de deuses que morriam e tornavam a viver, de «senhores» e de redenção por meio de sacramentos. Qualquer um que leia os clássicos, e suas adaptações religiosas posteriores, naturalmente verá os paralelos. Estudos poste­riormente feitos abrandaram o impacto dessa ideia, mostrando, acima de tudo, que tais ideias não eram totalmente estranhas ao pensamento judaico, espe­cialmente ao pensamento judaico posterior. Final­mente, observamos que a ideia da «religião misterio­sa» não conquistou muita aprovação, embora tenha continuado a exercer grande influência sobre os estudos acerca de Paulo.

 

Alguns também tentaram ligar o pensamento de Paulo com as ideias gnósticas, especialmente as ideiasgnósticas acerca da natureza do mundo, seus muitos níveis de espíritos, autoridades, etc. (conforme alguns creem estar refletido em Efésios e no primeiro capítulo de Colossenses). Sabemos, todavia, que essas duas epístolas de fato são livros escritos contra as formas iniciais da heresia gnóstica, e não é provável que Paulo tivesse apoiado um acordo justamente com a heresia que atacava. Essas ideias sobre muitos níveis de espíritos, autoridades, etc, eram comuns ao judaísmo posterior, e Paulo não teria que tomar de empréstimo dos primitivos gnósticos essas ideias. Alguns têm argumentado que a menção de Paulo sobre «principados», «poderes», «potestades», e «do­mínios» não significa que ele tivesse aceito como verídicos os muitos níveis de poderes espirituais nos lugares celestiais, mas que meramente ao usar esses termos, dizia que, sem importar quais poderes existam, Cristo é o cabeça desses poderes, sendo Deus sobre todos. Mas isso equivale a subestimar o pensamento de Paulo, pois parece perfeitamente claro, na análise dessas passagens, que Paulo aceitava tais níveis de poder, embora não os tivesse descrito. Bultmann aproximou-se mais da verdade ao mostrar que Paulo estava alicerçado no judaísmo helenista e no cristianismo helenista, que tem seus conceitosbásicos de dualismo ético em uma redenção sacramental; porém, dizer, como Bultmann asseve­rou, que essas ideias foram tingidas pelo gnosticismo, é um erro; porque, segundo elas aparecem nas epístolas de Paulo, dificilmente precisamos atribuí-las a quaisquer ideias gnósticas.

 

Paulo concordava essencialmente com a declaração gnóstica de que existem vários níveis de seres espirituais, que existem princípios bons e maus neste mundo, cada qual investido de sua própria autorida­de, tanto no céu como na terra. Porém, contrariamen­te aos gnósticos, o apóstolo ensinava que à testa de todos esses poderes avulta a pessoa de Cristo, que é o Deus e criador de tudo (ver Cl 2:8-16). Cristo não pode ser classificado em qualquer das categorias de espíritos. Os manuscritos do Mar Morto foram um embaraço para a identificação do gnosticismo com o pensamento paulino, segundo dizia Bultmann, posto que ali já se encontra expresso odualismo ético que Paulo teria encontrado, supostamente, no gnosticis­mo, e que, subsequentemente, teria influenciado a sua doutrina. Portanto, essas ideias são anteriores ao gnosticismo. Contudo, não havia necessidade de esperar pelo descobrimento dos manuscritos do Mar Morto para sabermos isso, pois, a simples leitura da literatura antiga nos fornece essas ideias básicas. Para começar, o estudioso deve ler Platão, onde se encontram todas as ideias dualistas que alguém poderia desejar. Outrossim, no gnosticismo primitivo, não há a doutrina da «descida de um redentor» (esse foi um desenvolvimento posterior, no gnosticismo, sobre o qual o apóstolo não teve conhecimento), o que mostra que é impossível que a ideia paulina tivesse sido tomada de empréstimo do gnosticismo. E assim tem continuado a controvérsia, em que vários autores assumem diversas posições em torno da questão, como é o caso de Grant, que vê Paulo como homem cujo mundo espiritual se situa entre as ideias apocalípticas judaicas e o gnosticismo plenamente desenvolvido do segundo século da era cristã. Ele acha que a tendência de Paulo, ao interpretar a ressurreição, era, entre outras coisas, torná-la um triunfo sobre os poderes cósmicos. (De fato, Cl 2:15 diz exatamente isso). Mas Paulo não tinha de apelar para o gnosticismo para encontrar essa ideia, porque a necessidade de tal triunfo era comum ao judaísmo posterior e o próprio Jesus expressou a mesma ideia, ao declarar: «Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago», ver Lc 10:18 que contém detalhes sobre este assunto que concorda com a tese de Paulo que a obra redentora de Cristo, finalmente, triunfará sobre todos os poderes cósmicos malignos.

 

Naturalmente, o próprio gnosticismo era sistema altamente misturado, pois tomava elementos empres­tados da mitologia grega, da filosofia, das religiões misteriosas, de várias formas de misticismo oriental, e, diretamente, do próprio judaísmo, como também do cristianismo, depois que este entrou em cena. Portanto, é quase impossível dizer-se, «Isto Paulo tomou por empréstimo do gnosticismo», até mesmo nos casos que parecem «empréstimos» feitos daquele sistema. O mais provável é que ideias que Paulo e os gnósticos tinham em comum, eram simplesmente pontos de concordância, sem que houvesse qualquer empréstimo direto. A tendência, mais recentemente, tem sido negar, ignorar ou suavizar a suposta «Influência gnóstica sobre Paulo», à proporção que se vai entendendo melhor qual era o «meio ambiente de conceitos» do primeiro século. Não se pode negar, é claro, que muitas das ideias e expressões desse apóstolo refletem sua própria cultura, pelo que são «empréstimos» tirados das ideias correntes. Contudo, cremos que as grandes pedras fundamentais de sua doutrina se derivam de uma fonte superior, repousando sobre alicerce mais firme que a mera repetição deideias comuns a todos. Levamos a sério sua reivindicação de haver recebido «muitas» revela­ções (ver II Co 12:1). Ele recebeu «visões e revelações», e fala de sua experiência no «terceiro céu», como ilustração desse fato. Ver Gl1 e Ef 3:3 ss. Paulo era um místico de primeira ordem, e grande parte dos pontos distintivos do cristianismo repousa sobre suas visões, que se concretizaram nas Escritu­ras, preservadas para nós no Novo Testamento.

 

A discussão acima, sobre as origens do pensamento paulino, leva-nos à conclusão de que apesar de grande parte da doutrina de Paulo não ser geralmente ouvida dos lábios de Jesus, isto é, na exposição que os evangelhos fazem dos ensinos de Jesus, em coisa alguma estava em desacordo com os ensinos essenciais dele. Paulo não teve, por outro lado, de pedir emprestado as ideias do gnosticismo. Outrossim, pode-se observar que a discussão inteira sobre as «origens» conforme ela é apresentada pelos autores mencionados, ignora por completo a questão da inspiração, dando a entender que Paulo não era inspirado pelo Espírito Santo, segundo ele declarava que era, ou que ele não aprendeu o seu evangelho por revelação, conforme ele mesmo declarou (Gl 1:12). A leitura das epístolas de Paulo não nos pode deixar de convencer que, quer isso expresse a verdade, quer não, o apóstolo pensava que aquilo que ensinava chegara ao seu conhecimento por meio de visões e revelações e que ele alicerçava o seu evangelho sobre esses fundamentos.

 

Mais especificamente, acerca de Jesus e Paulo, podem-se fazer as seguintes observações. Os seus ensinamentos, descobre-se que Jesus era bom representante do judaísmo, em sua forma mais excelente; mas é um erro vê-lo apenas como tal. Pois ele se reputava divino, igual ao Pai, em uma posição metafísica altamente exaltada. Por exemplo, consideremos a sua declaração: «Eu o sou; entretanto, eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt 26:64). O sumo sacerdote ficou extremamente perturbado ante essa declaração, e rasgou as próprias vestes, pois para ele tal declaração parecia uma grande blasfêmia. Outrossim, o capítulo vigésimo quarto de Mateus (o «pequeno apocalipse» como é chamado), ensina de maneira bem definida um Jesus metafísico altamente exaltado, e não meramente um rabino judeu que não tinha as credenciais fornecidas pelas escolas judaicas. Parece claro, pela narrativa dos dias finais de Jesus e sua crucificação, que a principal acusação contra ele foi de que blasfemava, ao declarar-se mais do que um mero homem. O ponto de vista de Jesus sobre sua missão messiânica não se limitava à de um mero homem que cumpria uma incumbência. Para ele, o Messias era um homem de origem celestial, dotado de um ministério celestial e terreno. Foi justamente esse o conceito que o levou à cruz, mas de fato ele não foi apenas um reformador. Sua declaração, em Mt 20:28, que diz: «...tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos», indica o conceito de Jesus acerca de sua vida e morte, cuja finalidade era oferecer expiação e vida espiritual, e não meramente servir de exemplo. A mesma verdade é destacada nos trechos de Mt 26:26-29; Mc 14:22-26 e Lc 22:14-20, onde Jesus instituiu a ceia memorial, á qual indica que Jesus contemplava sua missão como realizadora da expiação e de uma redenção sacramen­tal.

 

Não se pode dizer, por conseguinte, que Paulo tenha criado essa ideia, porquanto a sua passagem central sobre a questão — I Co 11:23-26 — é apenas uma compilação ou sumário do mesmo material de ensino que se reflete nos evangelhos. Portanto, a doutrina que alguns querem fazer-nos crer que foi tomada de empréstimo de alguma forma de gnosticismo ou de judaísmo helenizado, em realidade já estava presente nas palavras mesmas de Jesus.

 

expiação subentende a ideia básica da justifica­ção pela fé. Essa doutrina não é claramente ensinada nos evangelhos; e poucos afirmam tal coisa. Mas a expiação é o alicerce dessa doutrina, e de fato, todo o sistema sacrificial dos judeus aponta para esse ensino. A expiação só se torna necessária quando o indivíduo não é capaz de fazer tudo por si mesmo, ou seja, quando a salvação, o «livramento» está fora de seus próprios recursos. O judaísmo inteiro, pois, salientava essa verdade. É verdade que a doutrina formal da justificação pela fé não é esboçada nos evangelhos, embora existam ali as condições básicas que requeiram a sua delineação final. É verdade que Paulo foi além do que se lê nas palavras de Jesus, nos evangelhos, mas isso não significa, necessariamente, que ele tenha contradito o Senhor. Ninguém procura ocultar o fato de que o cristianismo é um desenvolvimento dos pontos de vista preliminares dos evangelhos, e, realmente, esse fato é confiantemente proclamado, pois o próprio Paulo, ao mencionar as revelações que recebeu, declara que as doutrinas da igreja lhe tinham sido dadas para serem expostas por ele. Também ninguém afirma que os evangelhos fornecem uma clara apresentação da igreja. A Paulo foi dado o privilégio de fazê-lo. Mas Jesus antecipou e mesmo predisse que a sua igreja seria uma comunidade religiosa separada do judaísmo. Por conseguinte, dificilmente alguém pode pensar em Jesus tão-somente como um reformador do judaísmo. Háevidências de que Jesus se alienou da corrente principal do judaísmo desde quase o princípio de seu ministério. De fato, já no décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus vê-se que uma nova comunidade estava se formando. No décimo oitavo capítulo do mesmo livro veem-se as regras básicas que os discípulos deveriam seguir em suas relações mútuas no seio da igreja. A partir do décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus temos o arcabouço básico da «nova comunidade religiosa». Portanto, o que Paulo fez foi adicionar estatura a esse arcabouço, e, através das revelações que recebeu, indicou o destino da igreja, o qual, para sermos verazes, se encontra só nos escritos paulinos. Paulo nos fornece dimensões vastamente ampliadas acerca do destino do homem (que é descrito de modo breve sobre a seção «e» deste mesmo artigo). Ninguém afirma que Jesus, nos evangelhos, expôs qualquer coisa assim; mas as ideias não são contraditórias, e, sim, suplementares.

 

Devemos dar atenção à declaração de Paulo, em Gl 2:2,6-8, onde ele mostra que propositalmente visou aos demais apóstolos, a fim de verificar se o seu evangelho não estava de acordo em alguma coisa com o que pregavam. Assim, descobriu que não havia desacordo algum, e, além disso, que nada podiam acrescentar ao que ele ensinava. Verificou que o evangelho de Pedro era igual ao seu, embora as suas esferas de atividade fossem diferentes, pois Pedro fora enviado aos judeus, ao passo que Paulo fora enviado aos gentios. Pedro confirma o fato com suas próprias palavras, no segundo capítulo de Atos, ao falar sobre a expiação. E em At15:10, lemos que Pedro disse: «E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé os corações. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós? Nessa oportunidade, como é claro, Pedro declarou a necessidade da «justificação mediante a fé». O ponto disso é que Paulo, quanto aos pontos básicos — sem pensarmos por enquanto sobre os grandes suplementos com que ele contribuiu para a mensagem cristã total, ou seja, as revelações especiais que recebeu — em coisa alguma estava em desacordo com os outros apóstolos quanto a essa doutrina.

 

Certamente os outros apóstolos, que andaram com Jesus durante três anos, conheciam perfeitamente a sua doutrina e as suas intenções, e não se teriam deixado enganar por Paulo, se seus ensinos estivessem equivocados. É verdade que os ensinamentos de Jesus, conforme os encontramos registrados, eram principal­mente éticos, mas essa ética não é contrária ao cristianismo paulino. Também é verdade que muitas das ideias de Paulo não se encontram nos registros sobre as palavras de Jesus, isto é, o silêncio reina nesses particulares; mas o próprio Paulo foi o primeiro a admitir tal fenômeno, ao dizer que as revelações lhe confiaram explicações novas quanto ao destino da humanidade. Nada mais se pode fazer, no sentido de pesquisar o Jesus histórico, do que aceitar o testemunho daqueles que foram seus íntimos, que o viram e que o imitaram. Os outros apóstolos também declaram-no Senhor da glória, personagem de elevadíssima estatura metafísica. O evangelho de João é uma declaração expandida dessa verdade. E um pequeno fragmento desse evangelho intitulado P(52), definidamente escrito em cerca de 100 D.C., mostra que esse evangelho provavelmente foi escrito antes do ano 100 D.C. Assim sendo, temos no evangelho de João uma das primeiras interpretações apostólicas da pessoa de Jesus. Pedro declarou, no primeiro capítulo de sua primeira epístola, que aguardamos do céu o SENHOR, o aparecimento de Jesus Cristo (ver I Pe 1:7), e que, através de sua morte e ressurreição, chega até nós a redenção e a expiação dos pecados (I Pe 1:18-20). A passagem de II Pe 1:17,18 menciona a glória da transfiguração que foi contemplada pelos apóstolos originais (conforme é descrita no décimo sétimo capítulo de Mateus), e isso faz parte da descrição de Jesus como personagem metafísico altamente exaltado, o Senhor da glória, conforme Paulo o denomina em I Co 2:8. No trecho de I Pe 4:11 nos é ensinado o domínio eterno de Jesus. Portanto, concluímos que o «Jesus teológico» se destaca com grande evidência nos escritos dos apóstolos primitivos de Jesus, como Pedro. Se Pedro não era capaz de interpretar corretamente a pessoa de Jesus, após tão longa e intensa associação que teve com ele (e o livro de Atos reflete o alto conceito que os apóstolos tinham de Jesus como personagem metafísi­co), então resta-nos conjecturar para descobrir quem era realmente Jesus. É importante notar que também nessa particularidade, Pedro e Paulo estavam de pleno acordo. Pode-se dizer, pois, que não pode ser comprovada qualquer contradição entre Jesus e Paulo. O que permanece de pé, e ninguém se aventuraria a negá-lo, é que estava reservado a Paulo revelar, através do Espírito Santo, as doutrinas mais profundas sobre a natureza do mundo dos espíritos, e o chamamento e o alto destino da igreja, conforme o judaísmo jamais pudera imaginar, e que Jesus meramente indicou de passagem.

 

7. Como Paulo comprovou seu apostolado.

 

Uma multiplicidade de maneiras:

 

a. Ele foi diretamente comissionado por Cristo, o Senhor ressurreto, para esse elevado ofício, o que fica implícito na sua pergunta, «...não vi a Jesus, nosso Senhor?...» Essa mesma ideia é expandida em Gl 1:11 e ss.

 

b. Seu poderoso ministério é salientado como uma prova do caráter genuíno de seu ministério, prova de sua comissão divina. E isso é declarado através da seguinte pergunta: «...acaso não sois fruto do meu trabalho no Senhor?...» Essa ideia é desenvolvida em várias outras passagens, como no segundo capítulo da epístola aosGálatas, embora o seja mais particular­mente ainda nos capítulos décimo a décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios. Por essa razão é que Paulo pode asseverar: «...trabalhei muito mais do que todos eles...» (I Co 15:10). E isso não constitui uma reivindicação de pouca monta, proveniente como foi do contexto do cristianismo do primeiro século, quando foram realizados labores realmente extraor­dinários.

 

c. O trecho dos capítulos décimo a décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios nos fornece outras provas do apostolado de Paulo, incluindo suas experiências místicas e visões, que foram dadas a Cristo para confirmar o seu ministério e autoridade, bem como para aumentar a sua eficácia. (Ver especialmente o décimo segundo capítulo da citada epístola).

 

d. Os sofrimentos especiais pelos quais Paulo passou também são apresentados como provas de seu ofício apostólico. (Ver II Cor. 11:23 e ss).

e. Operações miraculosas, levadas a efeito por meio de dons especiais do Espírito Santo, também tiveram por propósito servir de prova dos verdadeiros apóstolos de Cristo. Os trechos de II Co 12:12 e o nono capítulo do livro de Atos em diante fornecem provas tanto das grandes realizações como dos extraordinários sinais operados por Paulo, tudo o que fazia parte integrante de seu ministério apostólico. Grande porção do livro de Atos serve de demonstra­ção desses fatos, embora esse livro do N.T. não tenha sido escrito diretamente com essa finalidade, visto que, para Lucas, não havia necessidade alguma de apresentar defesa do apostolado de Paulo, já que o próprio Espírito de Deus lhe autenticava o ministério.

 

f. O elevadíssimo conhecimento espiritual de Paulo, bem como o fato de que ele atuava como instrumento para revelar à igreja cristã o seu exaltado destino, no que Paulo se destacou acima de qualquer outro homem da história, também serve de prova de seu apostolado. Todas as suas epístolas, bem como os sublimes ensinamentos ali contidos, ilustram esse ponto (ver II Co 11:6 e Gl 2:2 e ss).

 

g. Paulo foi um instrumento especial no avanço do evangelho de Cristo, tendo sido escolhido para essa tarefa desde o berço, tendo sido preservado para a mesma, até mesmo durante seus anos de rebeldia (ver Gl 1:13-24). A leitura dos trechos dos capítulos primeiro e segundo da epístola aos Gálatas e dos capítulos décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios, fornece-nos várias outras provas menos decisivas, como aquelas aqui mencionadas, em defesa do apostolado de Paulo.

 

Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao09ajuda10.htm

 

 

 

 

A Igreja em Antioquia 11:19-30

 

 

 

Atividades de Paulo e Barnabé

 

 

 

Esta seção parece dar prosseguimento ao trecho de Atos 8:4, porquanto temos aqui a reiteração da declaração que a igreja foi dispersa, em face das perseguições que começavam a ficar mais severas. O autor sagrado, mui provavelmente, se alicerçou em alguma fonte informativa da igreja cristã de Antioquia e ele teria interrompido para falar-nos sobre a conversão de Saulo de Tarso (baseado em uma fonte informativa paulina), bem como sobre as atividades de Simão Pedro, que deram inicio, oficialmente, à igreja cristã gentílica, narrativas essas quase certamente fundamentadas em uma fonte informativa derivada de Jerusalém-Cesaréia. (Ver At 8:5 - 11:18).

 

 

 

O livro de Atos, a partir deste ponto, começa a expandir a narrativa sobre as várias atividades que constituíram a missão da igreja cristã entre os gentios, através das quais o cristianismo se tornou instituição verdadeiramente universal, para jamais retornar ao provincialismo do judaísmo. Da mesma forma que as atividades do apóstolo Pedro foram aprovadas pela igreja-mãe, em Jerusalém, embora houvesse ainda alguma oposição, assim também, na presente seção, a missão da igreja de Antioquia, entre os gentios, foi abençoada por Barnabé. Presumivelmente, pois, também foi afirmada pela igreja de Jerusalém, visto que Barnabé era representante da mesma. O autor sagrado, por conseguinte, esforça-se aqui por mostrar-nos que a igreja cristã dera um passo avante em unidade, e não de modo faccioso, dividido.

 

 

 

A história de Cornélio e seus familiares, bem como dos primórdios da igreja cristã em Cesaréia, foi apresentada de maneira dramática; mas, neste ponto, os inícios igualmente importantes do cristianismo, em Antioquia, são expostos como fatos consumados.

 

 

 

Paulo já estava agindo, levantando congregações cristãs na Síria e na Cilícia (ver Gl 1:21), tendo sido o verdadeiro originador da missão cristã entre os gentios, embora o livro de Atos não nos dê essa impressão, posto que a história de Cornélio e Pedro representa o início oficial da missão evangelizadora entre os povos gentílicos, provavelmente porque foi através desse incidente que a igreja-mãe, em Jerusalém, deu sanção oficial à mesma. Ou talvez tenha ocorrido simplesmente que Lucas não estava informado sobre os muitos anos de labor de Paulo, na Síria e na Cilícia, antes desse incidente em Cesaréia.

 

 

 

O inicio da igreja cristã de Antioquia não se deveu aos esforços de Paulo, mas antes, de algum irmão cujo nome não é dado, que fora forçado a fugir de Jerusalém, o qual, tendo chegado à região de Antioquia mui naturalmente continuou falando a respeito do Senhor Jesus, não tendo seguido a norma de falar exclusivamente aos judeus (ver o vs. 19). O vigésimo versículo não deixa perfeitamente claro se esses discípulos, cujo nome não nos é dado, eram judeus helenistas, de Jerusalém, que haviam sido forçados a fugir por causa das perseguições, ou eram nativos de Chipre e Cirene, provavelmente judeus helenistas que haviam estabelecido ali residência permanente. Esta última possibilidade parece mais provável.

 

 

 

A passagem de Atos 13:1 parece indicar, de forma bem definida, que se tratava de judeus cristãos, residentes permanentes em áreas ocupadas por gentios, aqueles que foram os responsáveis pela evangelização de Antioquia e redondezas. Por conseguinte, o apóstolo Paulo não foi o único fundador do cristianismo gentílico; a despeito do que, o grande espaço que Lucas dedica a ele, nessa história, demonstra, acima de qualquer dúvida, que Paulo era considerado a força mais poderosa do evangelismo entre os gentios. Não se há de duvidar que importante parte das atividades do apóstolo Paulo, em alguns territórios, se alicerçava em igrejas cristãs já fundadas, não sendo um trabalho inteiramente pioneiro.

 

 

 

11:19  Aqueles, pois, que foram dispersos pela tributação suscitado por causa de Estêvão, passaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus,

 

 

 

Neste ponto tem continuação a narrativa interrompida no trecho de Atos 8:4, a fim de que fossem feitas as inserções do material concernente à conversão de Saulo de Tarso e do material concernente ao início oficial da missão cristã entre os gentios, por parte de Simão Pedro. (Ver a lição 10).

 

 

 

Fenícia. O território que ficava nas costas orientais do mar Mediterrâneo, e cobria cerca de duzentos e quarenta quilômetros entre os rios Litani e Arvade (modernamente Líbano Latáquia do Sul). Esse lugar é mencionado exclusivamente no N.T. como lugar de refúgio para os cristãos perseguidos, os quais fugiram de Jerusalém por causa da perseguição que rebentou logo após o assassínio de Estêvão (ver At 11:19). Foi também o território através do qual passaram Paulo e Silas, em sua jornada de Samaria a Antioquia. (Ver At 15:3). Posteriormente, o apóstolo Paulo aportou na costa da Fenícia, perto de Tiro, em sua viagem a Jerusalém. (Ver At 21:2,3). Nos tempos do Senhor Jesus, a Fenícia era reputada como a região costeira em redor de Tiro e Sidom. (Ver Mt 15:21 e Lc 6:17). E os habitantes da região, que incluíam gregos, eram considerados «sírios-fenícios» (ver Mc 7:26).

 

 

 

Nos tempos do A.T., esse território era denominado, pelos hebreus, «Canaã» (ver Is 23:11). A palavra «cananeu» significa comerciante, e mui provavelmente esse foi o nome que os habitantes do lugar aplicaram a si mesmos. (Ver Gn 10:15). A origem dessas populações tão dadas às coisas do mar é extremamente obscura; mas sabemos, com base nos escritos de Heródoto (1.1. 11.89), que eles ali chegaram provenientes da área do golfo persa, através do mar Vermelho e primeiramente erigiram a cidade de Sidom. As principais cidades desse território eram Trípolis, Biblis, Sidom, Tiro e Berito. A área é fértil, a começar pelas terras altas no sopé do monte Líbano e descendo lentamente para o mar. Ocupava um lugar muito cobiçado para o comércio, desde os tempos mais remotos que se conhecem. Diz Plínio (L. 5, cap. 12) que a Fenícia se tornara famosa pela invenção das letras, das constelações e das artes navais e da guerra.

 

 

 

O território era conhecido por sua religião idolatra, o que foi condenado por Elias (ver I Rs 18-19) e por Isaías (ver Is 65:11). A arqueologia, quando do descobrimento dos textos de Ras Shamra, demonstrou que ali imperava o politeísmo, bem como uma mitologia natural centralizada ao redor de Baal, que também era conhecido pelo nome de Moloque (que significa «rei»), do deus-sol Sapis e deQuesepe, uma divindade pertencente ao submundo. Cultos surgidos posteriormente misturaram diversas ideias pertencentes a outras culturas, mas, de maneira geral, a área era estritamente pagã. Foi em um lugar assim, pois, que agora chegava o cristianismo.

 

 

 

Chipre. Trata-se da terceira maior ilha do mar Mediterrâneo, com 238 quilômetros de comprimento e 24 a 64 quilômetros de largura.Ali nasceu Barnabé. A história registrada menciona Chipre desde 1500 A.C. Diversos povos, entre os quais os egípcios, os fenícios, os gregos e os romanos, nela habitaram em estágios vários de sua história. Os missionários cristãos nela penetraram, pela primeira vez, através de uma de suas mais excelentes cidades portuárias, Salamina. Ainda existe um grande aqueduto nesse local, o qual era suficiente para suprir de água uma cidade com cerca de cem mil habitantes. Ali medrava grande população judaica, nos dias de Paulo, o que fica demonstrado pelo fato de haver bom número de sinagogas na cidade. O cristianismo lançou ali raízes firmes. Acredita-se que Barnabé foi martirizado na ilha de Chipre, em Salamina. Quando do concilio de Nicéia (325 D.C.), três bispos vieram de Chipre como representantes das igrejas dali, o que nos mostra até que ponto o cristianismo já se desenvolvera na ilha. Chipre parece nunca ter sido densamente povoada, pois Plínio alistou apenas quinze centros populacio­nais.

 

 

 

Antioquia. Essa cidade, localizada às margens do rio Orontes, foi o berço das missões cristãs. Era conhecida como Antioquia da Síria, a fim de ser distinguida de Antioquia da Pisídia. (Ver At 13:14). Antioquia da Síria foi fundada em cerca de 300 a.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa população nos tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos remotos haviam obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos Macabeus, muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de Paulo, era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância numérica apenas para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da província romana da Síria.

 

 

 

Paulo começou e terminou ali a sua segunda viagem missionária. Não sabemos exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base da informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de cerca de oitocentos mil habitantes, em 300d.C. A atual Antikiyeh assinala o local da cidade antiga, mas é comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da área original. As escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do passado, algumas das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos tempos romanos, a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm sido descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o século VI D.C., também têm sido descobertos. O Caronion (busto de Caron, deus grego mitológico, que transportava as almas para o outro lado do rio Estige), de cerca de 170 A.C, com cinco metros e pouco de altura, entalhado em uma penedia de pedra calcária, a nordeste da cidade, continua visível, embora bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de Paulo certamente ainda era um marco notável. Mais de uma vintena de edifícios cristãos tem sido ali descoberta, embora nenhuma dessas construções date dos dias apostólicos. O famoso Cálice de Antioquia foi descoberto ali por alguns trabalhadores que cavavam um poço, em 1910. No início foi declarado pertencente à última parte do século I D.C, e alguns chegaram a imaginar que fosse o cálice original em que Cristo serviu a Ceia. Há nele gravadas efígies que representam Cristo e os apóstolos. A maioria das autoridades concorda que se trata de um produto da primitiva arte cristã, datando entre os séculos II e VI de nossa era.

 

 

 

Antioquia sobre o Orontes era sede do legado imperial da província romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do oriente. Josefo, o historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto era Selêucia (At l3:4), a qual era reputada cidade comercial e centro marítimo. Não muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do culto de Apolo e Artêmisa, culto esse que se tornou famoso por sua degradação. Isso era tanto verdade que Juvenal, ao queixar-se da degradação moral que invadia Roma, disse que «...o Orontes sírio desaguou no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã passou de Jerusalém, seu berço original, para Antioquia da Síria, seu centro gentílico, pois a igreja cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição gentílica. A tradição associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o primeiro de seus bispos. Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade, foram Inácio João Crisóstomo,ambos chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo foi grande escritor de comentários bíblicos e exerceu notável influência sobre o desenvolvimento doutrinário da igreja cristã.

 

 

 

A cidade de Antioquia foi fundada por Seleuco Nicator, um dos generais de Alexandre, em 300 A.C, que lhe deu nome em honra a seu pai, Antíoco. Antíoco havia devastado e poluído a cidade de Jerusalém, mas os seus sucessores, de conformidade com o que diz Josefo («Guerras dos Judeus» 1.7, cap. 3, seção 3), foram mais liberais, tendo criado uma boa atmosfera para o desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso teria atraído a muitos judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande centro da erudição judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia judaica. (Ver Talmude Hieros. Kiddishin, foi. 64.4). Com base nessa circunstância, o caminho ficou preparado para a entrada e o crescimento do cristianismo em Antioquia.

 

 

 

«...não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus...» «...tão pouco compreendida foi a comissão de Cristo, para que se pregasse o evangelho a todas as nações, embora ela fosse tão clara; ou então assim foi ordenado pela providência divina, que embora devesse primeiramente ser pregado o evangelho a eles, isso perdurasse por pouco tempo apenas...» (John Gill, in loc). Tal tipo de atividade era apenas de esperar-se da parte de quem abandonara Jerusalém, porquanto o incidente de Cesaréia, que envolveu o apóstolo Pedro e a família de Cornélio, que assinalou o início da missão cristã entre os gentios, ainda não se tornara suficientemente conhecido ao redor.

 

 

 

11:20  Havia, porém, entre eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando em Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus.

 

 

 

«...Cirene...» Trata-se de um porto no norte da África, fundado pelos dórios, rico em várias mercadorias, como trigo, lã e tâmaras. Tornou-se parte integrante do império ptolemaico no século III A.C. Em cerca de 96 A.C. foi doado a Roma, tendo-se tornado província romana em 74 A.C. Josefo, tomando por empréstimo uma informação de Estrabão, diz-nos que a colônia judaica era ali encorajada e que a população judaica foi crescendo até constituir um dos quatro principais grupos étnicos da cidade. (Ver Antiq. xiv. 7.2). Simão, que levou a cruz do Senhor Jesus, era nativo desse lugar, segundo lemos em Mc 15:21 e seus paralelos, nos demais evangelhos. Houvesse representantes dessa cidade na multidão no dia de Pentecoste (ver At 2:10), e, evidentemente, em Jerusalém, antigos habitantes deCirene tinham a sua própria sinagoga (ver At 6:9).

 

 

 

«...falavam também aos gregos...» Talvez não tenham sabido acerca da obra de Paulo na Síria e na Cilícia e nem acerca das atividades de Pedro em Cesaréia, mas sentiam o mesmo impulso evangelístico, que os proibia falar exclusivamente aos judeus. O entendimento que possuíam sobre o caráter universal da mensagem de Cristo, sobre o fato de que não havia mais distinções entre judeus e gentios, e sobre a verdade de que as leis cerimoniais haviam sido abolidas na igreja cristã, talvez ainda fosse muito fraco; mas o amor de Cristo os compelia a não limitarem a sua mensagem. Pode-se observar o trecho de At 13:1, onde Lúcio de Cirene é mencionado juntamente com Barnabé, que era de Chipre, como um dos líderes da igreja cristã de Antioquia. Lúcio, pois, mui provavelmente, foi um dos homens que assim pregou, conforme está registrado aqui. Barnabé, conhecendo pessoalmente o lugar, foi posteriormente comissionado para investigar os acontecimentos dali e confirmar os resultados. (Ver os vss. 22 e ss.).

 

 

 

11:21  E a mão do Senhor era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor.

 

 

 

Pregavam ao Senhor Jesus, ou talvez «Jesus como Senhor» (ver o vs. 20), conforme a frase pode ser interpretada; pois o evangelho, que pregavam, na realidade anuncia a todos os homens o senhorio de Cristo, sendo ele o alvo de toda a existência, o ponto central em torno do qual gira o plano do evangelho (ver Ef 1:10), e a imagem em que os remidos estão sendo transformados, sempre crescendo na obediência a ele, ou seja, participando de sua natureza moral, que os transforma em seres que compartilham de sua própria essência.

 

 

 

Por causa dessa mensagem, «...a mão do Senhor estava com eles...», o que quer dizer que o poder e a presença de Deus se manifestavam entre eles. Ora, isso é «teísmo», em contraste com o «deísmo». O teísmo ensina que Deus não somente criou todas as coisas, mas igualmente se faz presente em sua criação, recompensando e punindo aos homens, tendo ou não comunhão com eles. O deísmo, por sua vez, ensina que apesar de talvez existir uma força superior, esse poder, que pode ser pessoal ou não, abandonou de vez a sua criação, e nada acontece, de positivo ou de negativo, por motivo da ação de sua vontade. Esse «deus» deísta nem pune e nem galardoa aos homens.

 

 

 

A expressão «...mão do Senhor...» é uma expressão hebraica comum para dar a ideia da assistência de Deus aos homens, fortalecendo-os em sua vida. (Ver Êx 9:3 e Is 59:1). Podem-se ver outros usos dessa expressão nos trechos de Lc 1:66; At 4:28,30 e 13:11. Deve-se observar que a palavra «...Senhor...» torna-se aqui, uma alusão ao Senhor, pois ele é quem é o «Senhor» dos crentes, para quem todos eles se voltam. Voltar-se para Deus ou para o Senhor, pois, significa expressar arrependimento e propósito de vida, centralizados na mensagem do evangelho, o que, naturalmente, conduz os homens a Deus. Essa expressão também é empregada em outros trechos bíblicos. (Ver At 14:15; 15:3,19; 26:18,20 e I Ts 1:9).

 

 

 

«Sem essa influência acompanhadora, nem mesmo um apóstolo poderia fazer grande bem; e poderiam homens inferiores esperar serem capazes de convencer e de converter os pecadores, sem a mesma?» (Adam Clarke, in loc.),

 

 

 

«A 'mão', conforme se sabe bem, significa poder e força. Portanto, o que Lucas queria dizer é que Deus testificava com a sua ajuda presente, sobre o fato de que os gentios estavam sendo chamados juntamente com os judeus, através de sua orientação, para que se tornassem participantes da graça de Cristo». (Calvino, in loc).

 

 

 

«Através de manifestações visíveis que não podiam ser postas em dúvida, o Senhor mostrou que era com sua aprovação que deveriam prosseguir nessa predica...aos gentios». (Alford, in loc).

 

 

 

11:22  Chegou a noticia destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé a Antioquia;

 

 

 

A igreja-mãe, em Jerusalém, atuava como uma espécie de diretora do movimento cristão inteiro, até esse ponto da narrativa, embora assim não tenha continuado a ser, após a destruição de Jerusalém, em 70 D.C., quando parece que Antioquia da Síria e Éfeso se tornaram os novos centros eclesiásticos principais, apesar de não terem jamais exercido aquela autoridade moral que evidentemente residira em Jerusalém. Lembremo-nos que os apóstolos habitavam em Jerusalém, tendo sido comissionados a coordenar a expansão do ministério cristão. Os apóstolos, pois, sentiam-se responsáveis por todo o avanço e o desenvolvimento da igreja, e ansiavam para que isso fosse feito conforme era mister, de maneira aprovada pelo Senhor.

 

 

 

O problema legalista havia causado consternação na igreja-mãe; e essa quiçá tenha sido uma das razões pelas quais os apóstolos viram ser necessário enviar Barnabé a Antioquia, a fim de que inspecionasse o trabalho que ali vinha sendo feito. Essa inspeção e o relatório subsequente seriam então considerados pelos oficiais da igreja de Jerusalém, e o selo resultante de aprovação da obra então a «oficializaria». Lembremo-nos que Pedro esteve em Samaria (oitavo capítulo do livro de Atos) a fim de realizar missão semelhante. Parece que todas as variegadas expressões da igreja cristã estavam sujeitas a uma aprovação apostólica direta ou indireta. Essa foi anatureza da missão de Barnabé, que lhe foi dada pelos apóstolos. Barnabé não figurava entre os doze apóstolos, mas, quanto à atividade e ao poder, parece ter excedido a maioria deles; e, a despeito da falta de designação oficial de um deles, parece ter funcionado na igreja primitiva como apóstolo. Foi a ele, pois, que se confiou essa missão. E foi uma escolha apropriada, de qualquer maneira, posto ter sido um judeu helenista, que compreendia o tipo de ministério levado a efeito fora de Jerusalém e em territórios gentílicos, melhor do que um apóstolo típico. O poder da influência de Barnabé, e a importância da obra em Antioquia, embora apresentados de forma um tanto casual aqui, eram evidentes pelo fato de que, através de sua liderança e labores em Antioquia é que resultará a transferência do centro da igreja de Jerusalém para Antioquia.

 

 

 

Barnabé parece ter exercido considerável influência sobre Paulo, e desde o princípio tiveram várias associações, tendo viajado juntos em jornadas missionárias. Paulo não demorou, entretanto, a ultrapassar a Barnabé em poder e autoridade, pois ele era, verdadeiramente, o apóstolo dos gentios. No entanto, Barnabé participou da formação de Paulo, pois é com frequência que um personagem de menor envergadura se mostra importantíssimo na formação de um homem verdadeiramente grande. Barnabé, tal como Pedro e a maioria dos oficiais da igreja de Jerusalém, tinha seus preconceitos judaicos pois era um «levita» (At 4:36), estando, presumivelmente, intimamente associado à corrente principal do pensamen­to judaico; mas foi capaz, a exemplo de Paulo e Pedro, de desligar-se desses preconceitos, tendo-se feito poderoso ministro do evangelho entre os gentios. Contudo, à semelhança de Pedro, em ocasião posterior, fez algumas concessões desnecessárias às pressões dos judaizantes, e, temporariamente pelo menos, negou o seu conhecimento recém-adquirido sobre como Deus não faz acepção de pessoas. Por causa desse retrocesso, tanto Barnabé como Pedro foram severamente criticados por Paulo. (Ver Gl 2:13).

 

 

 

A igreja-mãe de Jerusalém agia como coordenadora e inspetora da obra inteira do cristianismo. Alguns intérpretes têm considerado a questão da necessidade de inspeção por parte dos apóstolos, direta ou indireta, sobre a obra entre os gentios, pensando que isso teria sido um tema «artificial» de Lucas, isto é, contradito por tudo quanto se sabe acerca da autoridade apostólica, acerca de como se expandiu a igreja, antes da destruição de Jerusalém. O poder da igreja-mãe, entretanto, era perfeitamente real, embora a autoridade dos apóstolos em nada se assemelhasse à autoridade dos «bispos», como se vê hoje em dia. Pois os apóstolos agiam muito mais como uma força orientadora, aconselhadora. O trecho de Gl 2:11-13 e os decretos apostólicos, do décimo quinto capítulo do livro de Atos, deixam claro que a igreja de Jerusalém realmente reivindicava possuir autoridade sobre as igrejas de outras regiões, incluindo a Síria e a Cilícia.

 

 

 

«Realmente não há nenhuma dificuldade em supormos que Barnabé, que já era figura proeminente da igreja de Jerusalém, tenha sido enviado para investigar as atividades de seus compatriotas cipriotas». (G.H.C. Macgregor, in loc).

 

 

 

A seleção de Barnabé, para levar a efeito essa obra, mostra-nos bem claramente que a igreja de Jerusalém não queria usar de severidade, mas antes, de gentileza e de cautela, para com os labores cristãos entre os gentios.

 

 

 

11:23  o qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a perseverarem no Senhor com firmeza de coração;

 

 

 

«A astuciosa voluntariedade de Satanás é bem conhecida. Por isso, assim que ele percebe alguma porta aberta para o evangelho, esforça-se, por todos os meios, por corromper ali o que é sincero... Barnabé foi enviado a fim de fazer os crentes avançarem nos princípios da fé, para colocar em ordem certas coisas, para dar alguma forma ao edifício que fora iniciado, a fim de que houvesse um estado ordeiro na igreja».

 

 

 

«...Barnabé nada queria se não a glória de Cristo. Pois, ao dizer que viu a graça de Deus e que os exortou a avançarem, depreendemos que haviam sido bem ensinados 'aqueles crentes'. O regozijo foi um testemunho de sincera piedade. A ambição sempre se mostrará invejosa e maliciosa; e é por isso que muitos buscam ser louvados ao reprovarem a outros, posto que almejam mais a própria glória do que a glória de Cristo. Porém, os servos fiéis de Cristo devem regozijar-se (a exemplo de Barnabé) ao virem o progresso do evangelho, sem importar através de quem Deus queira que o seu nome se torne conhecido». (Calvino, in loc).

 

 

 

Importância do ensino cristão. Uma das importantes lições que nos dá este versículo é que, inerente ao tipo de ministério que Barnabé efetuou ali, havia a preocupação de instruir. Não se contentou ele em deixá-los onde os encontrara. A aura do reavivamento sempre diminui, e então chega a importante obra do ensino e do arraigamento, ou seja, da instrução sobre «todas as coisas» que o Senhor Jesus ensinara, para serem praticadas. É deveras estranho que alguns ministros do evangelho pensem ser tão importante e urgente a pregação do evangelho simples, mas, infelizmente, sem jamais mencionarem a questão da transformação do crente segundo a imagem do Senhor, quando isso é o coração mesmo do evangelho, sendo uma verdade de alcance muito maior do que já pudemos imaginar, por mais que refletíssemos, ignorando, dessa maneira, o ministério do ensino.

 

 

 

A salvação não consiste meramente em alguém vir a crer e fazer publicamente uma declaração de fé. Mas consiste em tudo quanto acontece a essa pessoa, até que ela chegue ao nível da perfeição que há em Cristo Jesus.

 

 

 

Barnabé, entretanto, ensinou que aqueles convertidos precisavam apegar-se à mensagem com «...firmeza de coração...» «O pregador vira a graça de Deus, e se regozijara com ela; mas sabia, conforme o sabem todos os verdadeiros mestres, que é possível à vontade de um indivíduo frustrar essa graça, pelo que a cooperação do crente, manifesta em uma resolução deliberada e firme, é necessária para que a boa obra seja levada a bom termo». (E.H. Plumptre, in loc).

 

 

 

11:24  porque era homem de bem, e cheio do Espirito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor.

 

 

 

Deve-se observar, nesta altura do comentário, que as propriedades especiais de bondade, possuídas por Barnabé, bem como o seu excelente caráter cristão, são atribuídos ao ministério do Espírito Santo, tal como fora a eloquência de Estêvão. (Ver At 6:10). Neste ponto aprendemos o que já sabíamos, isto é, que em qualquer coisa em que um homem se pareça com Cristo, é porque o seu «alterego», o Espírito Santo, está operando em seu íntimo, produzindo os diversos aspectos do fruto do Espírito Santo, de acordo com a lista de suas virtudes, em Gl 5:22,23. Essas são as virtudes positivas da natureza moral de Cristo, a qual todos os crentes finalmente possuirão em sua perfeição, porque a perfeição moral, que as Escrituras nos ordenam possuirmos (ver Mt 5:48), não consiste em mera ausência do pecado. Pelo contrário, é uma participação ativa e positiva em todas as facetas da natureza de Cristo - o seu amor, a sua compaixão, a sua bondade, a sua longanimidade, a sua graça, a sua alegria, a sua paz, etc. Somente o Espírito de Deus pode assim transformar um homem, de modo a vir ele a participar, plena e verdadeiramente, dessas virtudes. O desígnio de Deus é que, eventualmente, todos os crentes venham a participar da completa imagem de Cristo, quando as suas virtudes tornar-se-ão verdadeiramente completas em cada crente. O processo será eterno.

 

 

 

«Ele é santo porque o Espírito de Santidade habita nele: não conta apenas com algumas visitas ou retiradas transitórias do Espírito; mas este reside em sua alma e enche o seu coração. O Espírito Santo é a luz do entendimento; é a 'discriminação' do juízo. É o propósito fixo e a 'determinação' da 'vontade' reta. É a 'pureza', seu amor, alegria, paz, gentileza, bondade, mansidão, controle próprio e fidelidade em suas afeições e paixões. Em suma, era o controle soberano sobre o seu coração; governa todas as paixões e é o motivo e o princípio de toda a ação justa. Ele é cheio de fé. Implicitamente dava crédito a seu Senhor: sabia que ele não pode mentir que a sua palavra não falha jamais; esperava não somente o cumprimento de todas as promessas, mas também todo grau de ajuda, de luz, de vida e deconsolo, que Deus, em qualquer ocasião, julgasse ser necessário para a sua igreja. Orava pela bênção divina e confiava que não estava orando em vão. Sua fé jamais fracassou, porque se apegava no Deus que não pode mudar. Contemplai ainda, pregadores do evangelho!um ministro original de Cristo. Emulai a sua piedade, a sua fé e a sua utilidade». (Adam Clarke, in loc).

 

 

 

A menção do importante papel desempenhado por Barnabé, na igreja cristã primitiva, é feita por Clemente, em sua obra RedactorAntijudaicus, pág. 109, onde se percebe como a sua reputação perdurou além de sua vida terrena, tendo sido famoso mesmo em séculos posteriores, inteiramente à parte dos registros do N.T.

 

 

 

Barnabé era «...homem bom...», no sentido de possuir «coração amplo», «mente liberal», «generosidade», e não meramente como quem obedecia a certo conjunto de regras. Ele se avantajava acima do estreito sectarismo judaico, de sua santidade meramente legalista. Não era apenas «justo», conforme eram considerados os estritos observadores da lei mosaica, mas era «bom» na manifestação pessoal e fervorosa das graças espirituais. «Sua benevolência impedia-o, eficazmente, de censurar qualquer coisa que fosse nova ou estranha entre aqueles pregadores aos gentios. levando-o a regozijar-se no sucesso deles». (Gloag, in loc).

 

 

 

«...muita gente...» Uma grande multidão foi acrescentada à igreja cristã, evidentemente para indicar esse aumento, além da menção do vigésimo primeiro versículo, como resultado direto da presença e do ministério de Barnabé. Esse tipo de ministério florescente e harmonizador, despido de inveja, gradualmente foi fazendo de Antioquia o grande centro do cristianismo. A glória da igreja cristã de Jerusalém foi diminuindo, pois a sua estrela já se apagava. Mas a estrela da graça de Deus subia sobre Antioquia, e ali o Espírito de Deus tomou residência. Que tantas pessoas tenham sido adicionadas à igreja, não é para admirar, posto contarem com ministros como aqueles, ouvindo elas o evangelho de Cristo, pregado e recebido pelo poder do Espírito Santo.

 

 

 

11:25  Partiu, pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo;

 

 

 

Paulo chega a Antioquia; vss. 25 e 26: Desde a sua conversão Paulo estivera atarefado nas regiões da Síria e Cilícia, e não se há de duvidar que se mostrara ativo especialmente ao redor de sua cidade natal de Tarso, pregando o evangelho e estabelecendo igrejas. Por conseguinte, foi ele o verdadeiro pioneiro da igreja cristã entre os gentios, e o seu ministério marcou o início real da missão cristã entre os povos gentílicos, embora, «oficialmente» falando, segundo está registrado por Lucas em seu livro de Atos, essa distinção tenha sido conferida a Pedro, em sua atividade em Cesaréia, junto à família de Cornélio.

 

 

 

Desde sua conversão, até sua chegada em Antioquia, cerca de catorze anos se tinham passado na vida de Paulo, pois diz ele que fora«...para as regiões da Síria e da Cilícia» (Gl 1:21). E então, apos catorze anos, ele visitou novamente Jerusalém. A maior parte desse tempo ele passou, mui provavelmente, em Tarso, para o qual lugar, segundo diz Lucas, ele foi imediatamente, depois de sua primeira visita a Jerusalém. (Ver At 9:30). Em Atos 15:41 encontramos a menção à igreja na Síria e na Cilícia, que já estava estabelecida quando Paulo e Silas ali chegaram, embora não nos seja dito como tal igreja fora iniciada. Por conseguinte, parece que a narrativa do livro de Atos deixa em branco um período de catorze anos no ministério do apóstolo Paulo. Esse hiato se reveste de alguma importância, posto que foi então que realmente se estabeleceu a missão de evangelização cristã entre os gentios.

 

 

 

Essa omissão, da parte de Lucas, tem deixado os intérpretes perplexos, embora a maioria usualmente resolva que é melhor seguirmos a informação que nos é dada pelas epístolas paulinas, e não os informes do livro de Atos, havendo algumas diferenças nesses relatos. Alguns estudiosos têm conjeturado que os «catorze» anos de Gl 2:1 deveriam ser «quatro» anos, e que algum erro primitivo foi feito aqui, ou pelo próprio Paulo ou por algum escriba primitivo. Contudo, nenhum manuscrito contem o número quatro, pelo que também esse tipo de interpretação se alicerça inteiramente em conjeturas. Seja como for, apesar da suposição de que seriam «quatro anos» para fazer á Omissão de Lucas tornar-se cronologicamente menor, materialmente falando, isso não faz diferença alguma, porquanto Lucas continuaria não nos fornecendo qualquer informe sobre o ministério de Paulo durante esse tempo —ou quatro ou catorze anos. E assim, permanece de pé a principal dificuldade.

 

 

 

A fim de ser preenchido esse período de catorze anos, alguns estudiosos sugerem que a—a longa lista—sofrimentos, pelos quais Paulopassou, segundo o registro de II Co 11:23-27, deve ser encaixada dentro desse período, pelo menos parcialmente. Mas isso, infelizmente, tem de permanecer dentro das interpretações especulativas. Não sabemos dizer por que Lucas omitiu esse período do ministério de Paulo; mas o mais provável é que ele simplesmente não tenha contado com qualquer informe histórico a respeito. Por qual motivo ele não conversara com Paulo, acerca desse período, ao formular suas anotações, também não sabemos dizê-lo, posto que, como companheiro de viagens daquele apóstolo, teria tido fácil acesso a esse material informativo. Alguns talvez encarem isso como prova que Lucas não foi o autor dessa narrativa histórica, e isso deve ser considerado como um problema sério. Entretanto, os pontos em favor da autoria de Lucas em muito contrabalançam essa objeção.

 

 

 

A omissão acerca desse importante período da vida de Paulo, na história do livro de Atos, pode ter uma implicação positiva, ou seja, que Lucas não fabricou suas narrativas, meramente pelo uso de certas epístolas paulinas; antes, se utilizou de outras fontes informativas, ainda que estas fossem incompletas, em certos casos. Por exemplo, a simples leitura do primeiro capítulo da epístola aos Gálatas poderia ter levado Lucas a inventar muitas histórias sobre o ministério «siro-ciliciano» de Paulo. Ao invés disso, no livro de Atos, o primeiro ministério significativo de Paulo é a sua primeira viagem «missionária», e At 13:1-14:28. A verdade é que Lucas, valendo-se dos informes de que dispunha, relatou histórias verídicas, e, embora não completas, pelo menos têm o mérito de cativar a nossa confiança.

 

 

 

Weiss, seguindo essa linha de raciocínio, apresenta a seguinte observação: «...um fenômeno da mais elevada importância, em conexão com a origem das narrativas do livro de Atos. Se porventura fossem fictícias, talvez baseadas na epístola de Gálatas, certamente encontraríamos algumas histórias sobre esse período». (Ver History of Primitive Christianity, Macmillan and Co., Nova Iorque, I, pág.205).

 

 

 

Embora não possuamos a mais leve informação sobre como Paulo se manteve ocupado durante esse período, pelo menos sabemos que o seu trabalho foi significativo, e que, ao lançar-se em sua primeira viagem «missionária», já era um missionário veterano. «Não podemos insistir demasiadamente sobre o fato de que o real desenvolvimento de Paulo, tanto como cristão quanto como teólogo, já estava completo nesse período que é tão obscuro para nos, e que, em suas epístolas estamos tratando com um homem plenamente amadurecido». (Ibid., I, pág. 206).

 

 

 

Os dois estiveram juntos em Antioquia pelo espaço de um ano (ver o próximo versículo). Sobre esse tempo o próprio Paulo nada diz, provavelmente porque no primeiro e no segundo capítulos de sua epístola aos Gálatas ele se tenha preocupado mais em narrar os seus contatos com os demais apóstolos, o que dizia respeito à sua afirmação que ele não obteve sua doutrina em consulta com eles, mas antes, independentemente, tendo-a recebido diretamente do Senhor Jesus; por isso mesmo, qualquer menção do fato de que estivera trabalhando com Barnabé seria incidental para o seu propósito. Com base em Gl 2:11-13 ficamos sabendo que quatro anos mais tarde Paulo e Barnabé estavam novamente trabalhando juntos em Antioquia, cidade à qual retornaram depois de terem completado a primeira viagem missionária (ver At 14:26). Por quanto tempo Paulo e Barnabé labutaram em Antioquia, antes de se lançarem em sua primeira jornada missionária, não sabemos precisar; mas a circunstância de que ambos esses ministros estiveram ali por algum tempo, produziu o fenômeno de grande desenvolvimento daquela igreja cristã do mundo gentílico, em que Antioquia foi elevada à posição de nova capital da igreja de Cristo.

 

 

 

«A primeira coisa que Barnabé fez, quando chegou a Antioquia, foi lembrar-se de Paulo. Sabia que precisava de ajuda, se tivesse de aproveitar ao máximo as oportunidades que a cidade de Antioquia oferecia à igreja cristã». (Theodore P. Ferris, in loc).

 

 

 

«Barnabé mui provavelmente sabia que Saulo era vaso escolhido por Deus (ver At 9:15) para o trabalho entre os gentios. Naturalmente que sabia do trabalho efetuado por Saulo entre os helenistas de Jerusalém (ver At 9:29), bem como já recebera notícias de sua obra na Cilícia e na Síria. E, assim sendo, foi a Tarso ao perceber que precisava de ajuda. 'Não tinha ele coisa alguma daquela baixeza que não pode tolerar a presença de um possível rival' (Furneaux). Barnabé reconhecia suas próprias limitações e sabia onde se encontrava o homem do destino, para aquela crise, o homem que já recebera o selo aprovador de Deus. O momento e o homem certo se encontraram, quando Barnabé trouxe Saulo para Antioquia. A porta estava aberta, e o homem estava preparado, muito mais do que quando o Senhor Jesus o chamara na estrada de Damasco. Os anos passados na Cilícia e na Síria não haviam sido em vão, pois ele não estivera indolente... Deus sempre tem um homem preparado para qualquer grande emergência em seu reino. O convite feito por Barnabé foi simplesmente a repetição do chamamento de Cristo. Por isso Saulo atendeu ao mesmo». (Robertson, in loc).

 

 

 

11:26  e, tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos.

 

 

 

CRISTÃOS: grego, «christianós», seguidores de Cristo.

 

 

 

A cunhagem desse vocábulo—cristão—segue a ordem de termos como «herodianos» (ver Mt 22:16; no grego, «herodianoi», isto é, seguidores de Herodes) ou «cesarianos» (seguidores de César). Deissman, em sua obra Light from the Ancient East, pág. 377, dá exemplos do genitivo kaisaros, que também significa «pertencente a César», tal como o adjetivo comum «cesariano».

 

 

 

A palavra «...chamados...» (no grego, «chrematisai») denota «obter o nome». O termo «cristão» (no grego, «christianous») se compõe da palavra grega que significa «Messias» ou «Cristo» (ungido), mais a terminação latina usual que significa «partidário de». Por conseguinte, em Antioquia, alguém inventou uma nova palavra, que agora é usada entre nós há quase vinte séculos. Não é muito provável que os judeus tenham cunhado o termo, pois jamais teriam elevado a nova seita aplicando-lhe qualquer forma ou derivado da palavra hebraica «messiah» (ungido). Também é perfeitamente evidente que os próprios discípulos de Cristo não inventaram essa designação. O mais provável é que tenha sido criação dos gentios de Antioquia, familiarizados como estavam tanto com o latim como com o grego, sabendo que os discípulos de Jesus chamavam-no pelo título de «Cristo». Usaram tal palavra, pois, e latinizaram-na um tanto, a fim de dar-lhe o sentido de «partidários de», «seguidores de», «aderentes de» Cristo. Os judeus costumavam chamar os cristãos pelo apelido de «nazarenos», o que, para eles, era termo depreciativo, porquanto Nazaré era uma aldeia de ínfima significação. Nada de bom se esperava que procedesse dali (ver Jo 1:46), quanto menos a maior de todas as figuras humanas, o próprio Messias... Assim, pois, os judeus usavam esse apelido por derrisão, sarcasticamente. Os próprios crentes se chamavam de aprendizes (discípulos) ou «seguidores» de Cristo.

 

 

 

Existem três empregos diferentes dessa palavra, nas páginas do N.T. a fim de indicar os seguidores de Cristo. O primeiro emprego é o que aqui encontramos, utilizado pelos gentios hostis, a fim de designarem os seguidores da nova religião. Em At 26:28 encontramos o segundo emprego, evidentemente como termo depreciativo, usado por Agripa. E a passagem de I Pe 4:16 emprega essa palavra, referindo-se à comunidade cristã. Mui provavelmente, quando essa epístola petrina foi escrita, os crentes já usavam livremente a designação cristãos para indicarem a si mesmos, embora a perseguição de que Pedro fala, contra os cristãos, provavelmente subentende que Roma perseguia os «cristãos» como indivíduos desprezíveis, usando a palavra em sentido pejorativo. Pedro, pois, escreveu que se alguém viesse a sofrer como «...cristão...», não deveria encarar com alarme tal perseguição, pois isso era, na realidade, sinal de que estava sendo elevadamente favorecido pelo Senhor. Pois, por essa altura primitiva de sua história, era motivo de ufania para os crentes o fato de serem chamados «cristãos».

 

 

 

Portanto, foi em Antioquia que esse honroso título de «cristão» passou a ser usado para designar os crentes em Jesus. O famoso Inácio foi bispo de Antioquia, e mais tarde sofreu martírio em Roma. E em Antioquia João Crisóstomo pregava seus poderosíssimos sermões, tendo escrito os seus notáveis comentários naquela cidade. Antioquia, pois, se tornou famosa dentro da tradição cristã, tendo servido de capital do movimento cristão quando se apagou a estrela de Jerusalém.

 

 

 

Como curiosidade histórica, é possível que muitos pagãos tenham chamado os crentes de «crestãos», e não de «cristãos», não estando bem familiarizados com o conceito hebreu de «Cristo» ou «Messias», mas antes, confundindo essa palavra com termo similar, «chrestus»,que é nome próprio até hoje bastante comum na Grécia e significa «bom». Alguns pagãos provavelmente pensavam que os discípulos eram os «bons» («chrestianos») e não «cristãos» ou «seguidores de Cristo». Esse parece ter sido o ponto de vista de Suetônio (historiador romano), quando disse que os judeus haviam feito perturbações em Roma, sob a «instigação de Cresto» (ver Cláudio, 25). Ver também Tertuliano, Apologia, cap. 3, que exibe esse uso do termo).

 

 

 

«Cristão, por conseguinte, é a mais elevada designação que um ser humano qualquer pode ter à face da terra; e recebê-la da parte de Deus, como prece que sucedeu, torna-a um título gloriosíssimo!» (Adam Clarke, in loc).

 

 

 

Nos escritos dos pais da igreja cristã há diversos usos primitivos desse vocábulo, o que mostra como tal título veio a tornar-se, desde quase o princípio, uma designação honrosa, ainda que originalmente tivesse sido palavra cunhada pelos pagãos de Antioquia. (Ver Inácio, Epístolas, Rm 3:3; Mgn. iv; Ef 11:2; Mart. Plvc. x e xii: 1,2). Nos escritos de Gregório (Naz. Orat. iv (sobre Jul. 1 86, par. 114), ficamos sabendo que os judeus costumavam fazer objeção a esse nome como designação para indicar os seguidores de Jesus, e preferiam chamá-los «galileus».

 

 

 

«...Cristo deixou surgir esse nome... como um pendão, mediante o que se viesse a conhecer, por todo o mundo, que havia um povo cujo capitão era Cristo, o qual glorificava ao seu nome». (Calvino, in loc).

 

 

 

11:27  Naqueles dias desceram profetas de Jerusalém para Antioquia;

 

 

 

11:27 - Vss. 27-30 - A visita a Jerusalém, ao tempo da fome.

 

 

 

Esta breve seção tem produzido toda sorte de problemas históricos e de interpretação. Parece-nos que se por essa altura a igreja cristã de Antioquia enviava bens materiais a Jerusalém, a fim de ajudar a aliviar a situação de pobreza a de fome que ali imperava, que já se dera a mudança de poder, de Jerusalém para Antioquia, ou, pelo menos, que estava ocorrendo então essa transferência do poder central de Jerusalém para aquela cidade. Alguns eruditos, entretanto, têm duvidado da autenticidade de toda essa seção, com base nos seguintes argumentos:

 

 

 

1. Nenhuma profecia, segundo lemos aqui, teria sido feita, tudo não passando de uma reiteração da narrativa de At 21:10,11, onde encontramos o mesmo profeta, Ágabo, em operação. Essa narrativa, pois, no presente texto, teria sido criação do autor sagrado, que simplesmente duplicou eventos com relação a Ágabo. Observe-se que naquela seção há certa similaridade de conteúdo, o que tem dado origem a esta sugestão.

 

 

 

2. Alguns estudiosos duvidam da autenticidade histórica desta seção, visto que evidentemente ela não é aludida na epístola aos Gálatas, e nem em qualquer das demais epístolas paulinas, como parte das atividades de Paulo. A visita descrita por esse apóstolo, no trecho de Gl 1:18-24, corresponde ao que se lê em At 9:26-29, ao passo que o informe de Gl 2:1-10 corresponde ao que está registrado em At 15:2-29, visita essa que, ordinariamente, e chamada de «visita ao concilio».

 

 

 

3. A visita aqui historiada —At 11:27-30 —aparentemente teria ocorrido entre as duas outras visitas ali mencionadas; mas quanto a isso não contamos com qualquer registro nas epístolas paulinas. Os intérpretes que assim dizem pensam que é fatal, para esta seção que ora comentamos, a observação de que a epístola aos Gálatas certamente teria algum registro sobre essa visita, se realmente ela houvesse ocorrido, posto que o apóstolo Paulo ansiava por registrar todas as suas atividades relacionadas a Jerusalém, porquanto queria demonstrar que recebera o evangelho independentemente dos outros apóstolos, e, sim, diretamente da parte do Senhor Jesus, o que o qualificava a ser um apóstolo, tal como aqueles outros, devido ao fato de que o Senhor tratara diretamente com ele, aparecendo-lhe pessoalmente, do mesmo modo que fizera com os demais apóstolos. Ora, dizem ainda os mesmos intérpretes, que se tivesse havido alguma outra visita a Jerusalém, que não foi mencionada, poder-se-ia imaginar que, nessa oportunidade, Paulo poderia ter-se consultado com os apóstolos, e que o seu evangelho era uma mensagem emprestada de outros.

 

 

 

Certo número de soluções tem sido oferecido para dar solução a essas dificuldades, a saber:

 

 

 

1. Alguns estudiosos supõem que o incidente aqui registrado é historicamente autêntico, mas que tenha chegado ao conhecimento de Lucas como vaga reminiscência, tendo sido escrito fora de sua devida posição cronológica, pois sua posição certa seria após a narrativa do décimo quinto capítulo de Atos. Isso faria do registro uma reiteração histórica de sua ultima visita, posta ali por antecipação. Poderia ter sido uma visita posterior ao tempo que parece ser sugerido pela sua posição dentro do livro de Atos, e como resultado da admoestação feita pelos apóstolos, quando do concilio de Jerusalém, para que Paulo e seus colegas de ministério entre os gentios, segundo ele mesmo diz, «...nos lembrássemos dos pobres...» (Gl 2:10).

 

 

 

2. Alguns outros estudiosos pensam que essa anterior viagem e missão realmente teria ocorrido, e que Paulo tivera a intenção de ir também. Mas, por alguma razão, para nós desconhecida, somente Barnabé pôde fazê-lo. Lucas, tendo encontrado em seu material informativo, a ideia de que Paulo também fora escolhido para fazer essa viagem, mui naturalmente teria concluído que Paulo também participara da viagem, e assim escreveu, embora esse apóstolo, realmente, não tenha feito a citada viagem.

 

 

 

3. A narração sobre essa visita da fome e a narração sobre a «visita ao concilio», na realidade, seriam uma reiteração, isto é, descrições sobre o mesmo acontecimento, embora baseadas em fontes informativas diferentes, narradas de diferentes pontos de vista. Uma dessas fontes informativas salientaria a generosidade da igreja de Antioquia (a que está por detrás da «visita da fome», ao passo que a outra frisaria o debate havido, em Jerusalém, sobre a legitimidade do cristianismo gentílico, o qual, incidentalmente, incluiu eventos similares àqueles aqui historiados. A primeira fonte informativa estaria na igreja de Antioquia, e a localidade da segunda (ver o décimo quinto capítulo do livro de Atos) seria a igreja de Jerusalém. Um bom número de críticos modernos aceita essa explicação para o problema, mas as explicações seguintes podem ter também alguma dose de verdade, contrárias ao ponto de vista aqui exposto.

 

 

 

Essa posição acima faz o trecho de Gl 2:1-10 e o décimo quinto capítulo do livro de Atos exporem a mesma questão, e, portanto, deixa sem explicação as sérias discrepâncias existentes entre esses dois textos. Por isso mesmo tem sido oferecida ainda uma outra solução: A passagem de Gl 2:1-10 deveria ser identificada com a «visita da fome», e não com a visita ao concilio. As duas ocorrências, portanto,seriam distintas, tal como Lucas registrou. Deve-se observar, na epístola aos Gálatas, que Paulo assevera que subiu a Jerusalém por revelação (ver Gl 2:2), e isso poderia ser uma referência à inspirada advertência dada ao profeta Ágabo, em At 11:28, concernente à fome que haveria de prevalecer. As ações de Paulo e Barnabé, por conseguinte, também estariam conforme a injunção que lhes recomendava se lembrarem dos pobres (ver Gl 2:10). A visita da fome, feita por Paulo, pois, teria sido feita em antecipação à posterior e maior «coleta para os santos», o que, pelo menos em parte, resultou das decisões tomadas pelo concilio de Jerusalém. Outrossim, a conduta duvidosa de Pedro em Antioquia, ao recusar-se a comer em companhia de gentios, por causa das pressões que sofria da parte dos judaizantes, torna-se muito mais compreensível, se isso teve lugar antes do concilio formal de Jerusalém, que tratou exatamente da posição dos irmãos gentios. (Ver G 2:11 e s.). Assim, pois, fica uma vez mais comprovado que o trecho de Gl 2:1-10 mais provavelmente descreve a «visita da fome», e não a «visita ao concilio».

 

 

 

Essa posição é assumida por Turner, em Chronology of the New Testament, (Dictionary of the Bible), James Hastings, Nova Iorque, 1900; e por Sir William M. Ramsay (evidentemente o primeiro erudito de fama a sugerir essa ideia), como também por C. W. Emmet, em um ensaio intitulado The Beginnings of Christianity, II, págs. 277 e s. Assim sendo, o segundo capítulo da epístola aos Gálatas descreveria, se essa posição está certa, um debate de natureza particular e informal, e não um debate publico, que teria a natureza da ocorrência descrita no décimo quinto capítulo do livro de Atos.

 

 

 

Mas ainda existem outros problemas de cronologia, a saber:

 

 

 

Josefo (ver Antig. xx.5,2) informa-nos que houve uma fome em cerca de 46 d.C. Isso dataria a «visita da fome», feita por Paulo a Jerusalém. A visita a Jerusalém, conforme aparece mencionada no trecho de Gl 2:1, teria ocorrido «catorze anos» antes, de acordo com o cômputo inclusivo, que era o método antigo de contar uma série qualquer, situaria a data em 33 d.C. E a conversão de Paulo teria sido três anos antes (ver Gl 1:18), ou seja, em 31 d.C., segundo ainda o mesmo método de cômputo inclusivo. A crucificação teria ocorrido em cerca de 29 d.C. Talvez, entretanto, os «catorze anos» aludidos em Gl 2:1 sejam «quatro anos», segundo alguns estudiosos conjecturam, em que um erro primitivo teria sido preservado em todos os manuscritos bem conhecidos da epístola aos Gálatas, em qual caso a cronologia seria a seguinte:

 

 

 

1. A crucificação 29 D.C.

 

2. A conversão de Saulo 31 ou 39 D.C.

 

3. Primeira visita, após três anos 33 ou 42 D.C.

 

4. «Visita da fome», após catorze anos 46(?) D.C.

 

5. «Visita ao concilio» 49 D.C.

 

 

 

A primeira viagem missionária de Paulo (em cerca de 47 ou 48 d.C), que é descrita no décimo terceiro capítulo do livro de Atos, mui provavelmente teria ocorrido entre a segunda e a terceira visitas. Foi durante esse mesmo tempo que, mui provavelmente, foi escrita aepístola aos Gálatas. Posto que nem Lucas e nem Paulo resolveram dar uma narrativa cronológica completa, e posto que talvez haja alguma deslocação de material, isto é, que nem sempre tenha sido seguida uma ordem estritamente cronológica na apresentação das narrativas, a nós foi dado conhecer apenas alguns dentre muitos acontecimentos. Questões como sequências exatas permanecem em dúvida, não havendo forma totalmente adequada e Isenta de dúvidas para examinarmos essas questões agora, passados mais de mil e novecentos anos.

 

 

 

Levando-se em conta todas as considerações, entretanto, parece melhor identificarmos a «visita da fome» com a narrativa do segundo capítulo da epístola aos Gálatas, ao passo que a visita ao concilio como algo realizado em data posterior. A «visita da fome», pois, é assim corretamente distinguida por Lucas da visita de Paulo ao concilio de Jerusalém, registrado no décimo quinto capítulo do livro de Atos. A «visita da fome», por conseguinte, assinalou uma crise real na carreira de Paulo como apóstolo, visto que foi então que tiveram lugar as acerbas disputas, com os irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém. Mas a ação de Paulo foi posteriormente justificada, quando do concilio de Jerusalém, conforme o registro do décimo quinto capítulo do livro de Atos. Nessa oportunidade, contudo, Paulo se tornou realmente bem conhecido, e o seu ministério entre os gentios foi amplamente reconhecido por todos, como merecedor de aprovação.

 

 

 

Os «...profetas...», na igreja cristã primitiva, evidentemente eram homens dotados de considerável aptidão psíquica, conhecidos por suas declarações inspiradas, pelo que também eram distinguidos dos pregadores ordinários das igrejas. Eram reputados, quanto à categoria espiritual, imediatamente depois dos apóstolos, no exercício dos dons espirituais, segundo se depreende de trechos como I Co 12:28; Ef2:20; 3:5; 4:11 e Ap 22:9, No livro de Atos os profetas são aludidos em At 13:1; 15:32; 21:9,10 e nesta seção. Os profetas exerciam os seu ofício mais em virtude de seus dons carismáticos do que por qualquer sanção oficial ou nomeação por parte da igreja, porquanto não há evidências de que a posição deles existia através de qualquer forma de ato consagratório.

 

 

 

O trecho de I Co 14:29-39 mostra-nos, todavia, que algumas vezes os profetas se deixavam arrebatar em seu entusiasmo, ao ponto de haver desordem nos cultos das igrejas; e isso Paulo censurou severamente. É óbvio que até mesmo naqueles primeiros dias surgiram dúvidas sobre a autenticidade dos dons de alguns desses «profetas», o que se depreende pelo fato de que alguns deles eram suspeitos de receberem o seu poder da parte maligna, e não de alguma fonte boa. (Ver I Jo 4:1 e I Ts 5:20,21). Os poderes que chegam de fontes sobrenaturais, que manifestamente estão acima do que se poderia esperar da capacidade humana normal, sempre serão difíceis de aquilatar quanto à sua origem; e, nesses casos, podemos tão-somente aplicar o que disse o Senhor Jesus: «Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7:20). Infelizmente, o moderno critério para julgar tais pessoas tem degenerado ao teste que diz: «Por suas denominações os conhecereis». Mas essa atitude resulta do sectarismo, e certamente não agrada a Deus.

 

 

 

Judas e Silas eram profetas, conforme são chamados (ver At 14:4 e 15:32). Tinham uma inspiração superior àquela dos que falavam em línguas (ver I Co 14:3). João Batista também foi chamado de profeta (ver Lc 7:26). Profetas autênticos são extremamente necessários na igreja cristã moderna; mas o quadro geralmente é tão confuso e contraditório que é dificílimo distinguirmos o falso do verdadeiro.

 

 

 

É bem provável que certo número desses «profetas» primitivos fizesse parte original dos setenta discípulos, cuja missão é descrita no décimo capítulo do evangelho de Lucas; mas não há razão para limitá-los à esfera dos profetas. O dom da profecia com frequência incluía a predição de acontecimentos; mas era mais especificamente caracterizado por um exaltado e sobre-humano ensino. Isso novamente, enfatiza a importância do ensino, posto que essa função era favorecida pela dispensação de um dom espiritual todo especial.

 

 

 

11:28 e levantando-se um deles, de nome Ágabo, dava a entender pelo Espirito, que haveria uma grande fome por todo o mundo, a qual ocorreu no tempo de Cláudio.

 

 

 

A derivação do nome «...Âgabo...» é incerta; mas é possível que seja idêntico ao apelativo Hagabe ou Hagabá, que aparece no A.T. Sabemos pouquíssimo sobre esse homem, porquanto há tão-somente duas referências a ele em todo o N.T., isto é, aquela que encontramos aqui, onde ele predisse a fome que realmente ocorreu quando do reinado de Cláudio, e a sua predição sobre a sorte que esperava Paulo em Jerusalém, em profecia feita em Cesaréia. (Ver At 21:10,11). Segundo as tradições posteriores, Ágabo aparece como um dos «setenta» discípulos (descritos no décimo capítulo do evangelho de Lucas), até que, finalmente, foi martirizado por sua fé. Embora, em alguns escritos antigos, seja dito que ele era nativo de Antioquia, parece antes, por este texto, que ele era da Judéia, talvez de Jerusalém. Diz-se que ele morreu em Antioquia, e o martirológio romano o venera a 3 de fevereiro.

 

 

 

«...grande fome...» Não há razão para supormos que homens, ajudados ou não pelo Espírito Santo, possam com frequência predizer eventos futuros, pois, afinal de contas, o homem é um ser espiritual, que temporariamente está cativo a um corpo físico. A predição do futuro não é, necessariamente, uma característica «divina» ou demoníaca. Os estudos feitos quanto ao fenômeno dos sonhos mostram que todos os seres humanos, no estágio do sono, combinam acontecimentos passados, presentes e futuros no conteúdo de seus sonhos, na tentativa de encontrar solução para os seus problemas. Todos os homens, simplesmente por serem homens, até certo ponto são «profetas», se limitarmos o sentido desse vocábulo para que indique somente a predição do futuro. Naturalmente um profeta, no sentido bíblico, é muito mais do que um indivíduo que prediz o futuro; é igualmente um homem espiritualmente dotado, que exerce um dom de ensino; e quando prediz o futuro, fá-lo por alguma razão espiritual, e não meramente como curiosidade de informação. Naturalmente aqueles que são dotados de algum dom espiritual são pessoas capazes de predizer o futuro com muito maior significação do que os homens ordinários podem fazê-lo.

 

 

 

Cada indivíduo é um instrumento sem-par. É interessante observarmos que Ágabo evidentemente se especializou em conhecer o futuro e em maior extensão até mesmo que alguns dos apóstolos. Pois aqui estava alguém que fez tal predição, enquanto que Paulo, apesar de apóstolo, nada sabia a respeito. Além disso, no vigésimo primeiro capítulo do livro de Atos, quando Ágabo adverte sobre as consequências da visita de Paulo a Jerusalém, porquanto ali seria feito prisioneiro, novamente foi ele quem reconheceu o futuro, e não Paulo ou qualquer outro ministro da igreja. Trata-se de um fenômeno assaz interessante, pois, considerando-se o quadro total, Paulo e os demais apóstolos supostamente eram mais bem-dotados na diversidade dos dons inspirados pelo Espírito Santo do que Ágabo; mas o seu dom era especialmente adaptado para predizer o futuro. Assim, pois, cada indivíduo recebe o seu próprio dom, e, sendo isso dirigido para propósitos específicos, torna cada crente individual uma criatura sem igual. Por conseguinte, apesar de todos os remidos estarem sendo transformados segundo a imagem moral e metafísica de Cristo, compartilhando de sua santidade e de suas perfeições, cada indivíduo é um instrumento especial para a glória de Deus.

 

 

 

«...fome...» predita por Ágabo também ficou registrada na história. Tácito (Anais xii.43) e Suetônio (Claudio, 18) se referem a diversos períodos de fome durante o reinado de Cláudio (41 - 54 D.C.). Josefo menciona uma fome especialmente severa na Judéia, que ocorreu em 46 D.C., a qual, sem a menor sombra de dúvida, é a escassez aqui referida por Lucas. Diom Cássio (lib. lx) menciona severa fome, que ocorreu no primeiro e no segundo anos do reinado de Cláudio, a qual foi sentida pesadamente até mesmo na longínqua Roma. Essa fome foi que evidentemente induziu o imperador Cláudio a construir um porto marítimo em Óstia, para que a cidade de Roma pudesse ser mais regularmente suprida de víveres, que geralmente lhe chegavam por via marítima.

 

 

 

Um segundo período de fome ocorreu no quarto ano de seu reinado, escassez essa que prosseguiu por diversos anos e afligiu grandemente a Judéia. (Ver Josefo, Antiq. xx.5, seção 2). Mui provavelmente essa é a fome mencionada no vigésimo oitavo capítulo do livro de Atos, quando ela foi predita.

 

 

 

Uma terceira fome foi mencionada por Eusébio (An. Abrahami), que teve começo em outubro de 48 D.C. que atingiu severamente grande parte do mundo civilizado de então.

 

 

 

Um quarto período de fome teve lugar no décimo primeiro ano do reinado de Cláudio, fome essa mencionada por Tácito (ver Anais, xii.,seção 43). Essa fome foi tão severa, nessa ocasião, que se pensou ser um julgamento divino. Tácito revela que em todas as vendas de Roma não havia provisões para mais de quinze dias, e que se o inverno não tivesse vindo extraordinariamente suave, teria havido aflição e miséria espantosas.

 

 

 

É muito provável que a fome, mencionada neste livro de Atos, no segundo ano do reinado do imperador Cláudio, tenha perdurado por diversos anos, de conformidade com as fontes históricas de que dispomos, ou seja, de 45 a 47 D.C. Quando a predição da fome foi feita por Ágabo, deveria estar a apenas meses de distância, ou talvez já estivesse em seus estágios iniciais.

 

 

 

«...Cláudio...» Cláudio foi imperador romano de 41 a 54 D.C. Suetônio (ver Cláudio, 29), um dos historiadores romanos, diz-nos que esse imperador expulsou os judeus da cidade de Roma, por haverem feito levantes instigados por Cresto (presumivelmente o incidente registrado em At 18:2). Se isso é verdade, então «chrestus» (nome esse que se deriva de um substantivo próprio que, no grego, significabom) mui provavelmente foi confundido por Suetônio com a palavra «christos» (no grego, ungido). E, assim sendo, a causa da agitação entre os judeus teria sido sua oposição e conflito contra os cristãos.

 

 

 

Um decreto, provavelmente baixado por Cláudio, punia um furto feito em um túmulo, e têm sido encontradas evidências arqueológicas em confirmação a isso, na Galiléia. Alguns estudiosos têm suposto que essa ação foi parcialmente provocada pela história da «ressurreição» de Jesus; porém, se esse decreto foi baixado por Cláudio, parece ter sido muito posterior para que tivesse qualquer coisa a ver com a ressurreição do Senhor. A menos, naturalmente, que tenha dito respeito à pregação da igreja cristã primitiva, predica essa que incluía a ressurreição de Cristo (em vinculação à acusação, assacada pelos judeus, de que o corpo de Jesus fora furtado pelos seus discípulos, e não que ele realmente ressuscitara). Ora, a agitação que isso facilmente poderia ter provocado, bem poderia ter sido o motivo do decreto imperial, até mesmo nos tempos posteriores de Cláudio. Essa particularidade, entretanto, até hoje não pôde ser determinada com exatidão, e, no presente, não há como dar solução ao problema. Cláudio morreu envenenado pela sua quarta esposa,Agripina, mãe de Nero (54 D.C), após ter feito um reinado fraco, durante o qual, no dizer de Suetônio, ele «...mostrou-se não um príncipe, mas um servo», pois se deixava guiar pelos outros.

 

 

 

Variante Textual_Os versículos vinte e seis e vinte e oito são expandidos

 

no chamado texto «ocidental», para que digam: «...e naqueles dias vieram profetas de Jerusalém a Antioquia, e houve muita alegria. E quando estávamos reunidos, um deles, de nome Ágabo, falou, querendo dizer...» Assim diz o códex D, bem como as versões latinas p e w. O texto ocidental (manuscritos que nos vieram das igrejas cristãs do ocidente, isto é, da Itália e de certas regiões do norte da África) conta com tão numerosas variantes que sugere que o livro de Atos circulou, na igreja cristã primitiva, em duas edições separadas. A maior parte dessas variantes consiste em expansões e ornamentações feitas no texto; porém, os trechos que dizem respeito à Ásia Menor encerram interessantes e significativas variantes, do ponto de vista histórico e geográfico. Esse texto mais longo, o «ocidental» não é reputado, todavia, como texto original do livro de Atos.

 

 

 

Trechos do livro de Atos chamados de seções nós. A variante particular, que hora consideramos, não teria grande importância, não fora o fato de que se trata da primeira das chamadas «seções nós» deste livro. Supõe-se que, nessas passagens, Lucas ter-se-ia reunido a Paulo e aos outros obreiros cristãos mencionados, nas quais o livro se torna uma espécie de autobiografia, como também uma narrativa histórica. Ordinariamente, as «seções nós» são consideradas como as seguintes: At 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1-28:16. Assim sendo, o ponto em que Lucas se juntou ao grupo evangelístico em viagem teria sido na altura do décimo sexto capítulo. Mui provavelmente isso é correto, do ponto de vista histórico, pois o versículo que ora consideramos, fazendo parte apenas do chamado texto «ocidental», não deve ser reputado representante do livro original de Atos.

 

 

 

11:29  E os discípulos resolveram mondar, cada um conforme suas posses, socorro aos irmãos que habitavam na Judéia;

 

 

 

Podemos apreciar aqui a generosidade da igreja cristã de Antioquia. Havia muitos irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém, que dificilmente teriam prestado socorro semelhante, se a situação fosse inversa, isto é, se em Antioquia é que os cristãos estivessem sofrendo. Os preconceitos aleijam e tolhem os instintos humanitários naturais, mas aqueles cristãos gentios primitivos não se preocupavam com fronteiras nacionais.

 

 

 

Importância da caridade.

 

 

 

«Um homem pode ser famoso, bem-sucedido, rico, realizador de grandes feitos, mas, se não cultivou e nem refinou esse instinto natural para ajudar aos outros, que sofrem aflição, até que esse instinto se eleve acima de todos os outros e os domine, qual soberano, então esse homem, como homem, é um fracasso. Essa é a escola onde nós, os crentes, estamos sendo treinados; e embora reconheçamos o fato de que, com frequência, temos falhado no teste, permitindo que outros instintos, inferiores e mais aviltados, dominem sobre aquele sentimento supremo, não obstante existem sinais de que temos feito algum progresso, tendo crescido em nossa capacidade de amar.»(Theodore P. Ferris, in loc).

 

 

 

De acordo com a filosofia extremamente pessimista do filósofo alemão Schopenhauer, em que a própria existência é considerada como um mal e em que o maior pecado de um homem consiste no fato de que «nasceu», a simpatia, entretanto, é aceita como uma das virtudes e emoções positivas, que são possíveis e permissíveis. Portanto, até mesmo no ambiente melancólico daquela posição filosófica, a simpatia humana natural se eleva como uma qualidade digna e necessária, porque todos estamos juntos nesse batel da miséria humana, e, de alguma forma ou de outra, precisamos ser guardadores de nossos irmãos. Jesus Cristo foi o supremo exemplo de como alguém deve cuidar de seus irmãos. O livro de Tiago toca no âmago dessa verdade quando declara: «A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo» (Tg 1:27).

 

 

 

Essa visita aos órfãos e às viúvas significa procurar aliviar as suas necessidades, contribuindo para o seu bem-estar, e não apenas fazer-lhes visitas ou servir-lhes de companhia, embora isso também seja um aspecto importante.

 

 

 

No que concerne à situação específica descrita por este texto, salienta Calvino (in loc): «E essa gratidão não merecia pequeno louvor, pois os crentes de Antioquia pensavam que deveriam ajudar a irmãos necessitados, de quem haviam recebido o evangelho. Porquanto nada existe de mais acertado do que aqueles que têm semeado as realidades espirituais, colham também coisas terrenas. Visto que qualquer um de nós se inclina demasiadamente por prover para as suas próprias necessidades, todos aqueles homens poderiam ter objetado: Por que não cuido antes de mim mesmo? Porém, ao relembrarem-se eles de quão grandemente estavam endividados para com os irmãos (da Judéia), omitindo essa preocupação pessoal, voltaram-se para ajudá-los».

 

 

 

Há necessidade de dar, para que alguém seja liberal. «Foi prometido, àqueles que consideram as necessidades dos pobres, que Deus os preservaria em vida, e que seriam bem-aventurados na terra (ver Sl 41:1,2). Muitos dão aos pobres pela razão de que têm muito, de sobra; mas as Escrituras nos fornecem uma razão pela qual deveríamos ser liberais, (é bom dar) a sete e a oito, porquanto não sabemos que mal sobrevirá à terra. (Ver Ec 11:2)». (Matthew Henry, in loc).

 

 

 

Como deveriam ser feitas as contribuições aos pobres? Assim lemos nas Escrituras: «...cada um conforme as suas posses...» Essa instrução segue-se à injunção de Paulo, em I Co 16:2, que determina que cada um deve contribuir «...conforme qualquer um deles houver prosperado...» O verbo «prosperar» é tradução de uma palavra grega, «euporos», que indica o sentido de «passar facilmente».Assim é transmitida a ideia de prosperidade, mediante a figura simbólica de uma jornada fácil e favorável. Aqueles, pois, que estão passando por uma viagem fácil e favorável, nesta vida, deveriam interessar-se por tornar um pouco mais fácil essa jornada, para outros, especialmente no caso de serem irmãos na fé.

 

 

 

Neste ponto encontramos o começo da coleta para os «santos pobres de Jerusalém», o que, posteriormente, ocupou parte tão proeminente nos labores do apóstolo Paulo. (Ver At 24:17; Rm 15:25,26; I Co 16:1; II Co 9:1-15 e Gl 2:10). Essa prática Paulo reputou como um vínculo de união entre a seção judaica e a seção gentílica da igreja cristã. Muitos comentadores bíblicos acreditam que a generosidade demonstrada pela igreja cristã de Jerusalém, ou sua vida de tipo comunal, no princípio de sua história, segundo vemos no registro dos capítulos segundo, quarto e quinto do livro de Atos, deixou aquela igreja com uma estrutura econômica débil. Mui provavelmente isso expressa uma verdade, mas a principal razão para essa crise foi a perseguição movida contra os judeus crentes, porquanto muitos deles perderam suas propriedades e seus recursos pecuniários, quando não perderam a própria vida. Os reiterados períodos de escassez e fome vieram agravar enormemente a situação inteira, piorando a situação de uma igreja que já se achava empobrecida.

 

 

 

11:30  o que eles com efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de Saulo.

 

 

 

Não se há de duvidar que Barnabé e Saulo desempenharam papel preponderante no levantamento de fundos para socorro aos irmãos pobres de Jerusalém, e providenciaram para que fosse atingida uma soma suficiente para ser de real ajuda aos crentes daquela cidade. Posteriormente Paulo expandiu grandemente essa obra de beneficência, conforme vemos nas referências bíblicas oferecidas no último parágrafo dos comentários sobre o versículo anterior. Tudo isso, pois, mostra-nos quão importante era, para o cristianismo primitivo, a prática das esmolas. Essa ideia fora importada diretamente do judaísmo.

 

 

 

«...presbíteros...» Em todo o N.T., esta é a primeira ocorrência desse vocábulo para indicar os líderes cristãos, como pregadores, pastores e oficiais. Originalmente esses líderes é que tomavam conta das igrejas de Jerusalém que se reuniam em casas particulares, conforme era costumeiro na igreja cristã primitiva, antes que se iniciasse a ereção de templos para o culto cristão. Na passagem de At 15:6,23, os «presbíteros» figuram, juntamente com os apóstolos, numa espécie de concilio eclesiástico. É bem possível que, a princípio, os presbíteros tivessem as mesmas funções que cabiam aos presidentes das sinagogas judaicas, os quais eram os principais elementos daquela estrutura eclesiástica antiga, embora, mui provavel­mente, não fossem originalmente consagrados por qualquer cerimônia específica para ocuparem suas funções. Entretanto, não tardou muito para que se generalizasse a ordenação ou consagração de tais ministros, porque até mesmo em At 14:23 vemos que já estava estabelecido o costume de consagrar tais ministros. Essa ordenação, outrossim, sem dúvida era efetuada através do rito da imposição de mãos, novamente em imitação à prática judaica, quando da consagração de seus oficiais eclesiásticos.

 

 

 

No trecho de At 20:17, os termos «anciãos» e «bispos» são usados alternadamente, o que também se pode verificar na passagem de Tt 1:5,7. Originalmente, sem dúvida alguma não havia qualquer ofício distinto entre os «anciãos» e os «diáconos». Mas gradualmente foi surgindo certa diferença, em que os «diáconos» passaram a ocupar uma posição um tanto ou quanto inferior à dos «anciãos» ou «pastores», e muito provavelmente ficaram encarregados de cuidar mais das necessidades materiais das igrejas locais, ao passo que os anciões se fizeram os principais líderes espirituais das mesmas. (Ver a totalidade do terceiro capítulo da primeira epístola a Timóteo).

 

 

 

Os diáconos do sexto capítulo do livro de Atos, apesar de terem sido um grupo distinto de homens e receberem distintas responsabilidades, não equivalentes aos deveres dos «anciãos», ou «bispos» e dos «diáconos» da organização eclesiástica cristã posterior, foram exemplos antecipatórios da existência de oficiais que não fossem apóstolos, dentro do organismo cristão. As qualificações para quaisquer oficiais eclesiásticos subordinados eram mais ou menos idênticas para todos, como também eram idênticas muitas de suas funções. Portanto, apesar do fato de que o ofício dos «diáconos», no sexto capítulo do livro de Atos, não ser tecnicamente igual à função dos «diáconos», na igreja cristã mais bem organizada, suas qualificações e funções eram similares. E o ofício mais antigo, assim sendo, antecipou o estabelecimento do ofício posterior, para todos os efeitos práticos.

 

 

 

Fonte comentário Norman R.C,Novo testamento,2000